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Por favor, troque de Rádio

 

Por Bruno Nossig

 

Toda viagem de Uber começa igual: “Você pode abrir o porta-malas, por favor?”

 

Enquanto guardo o violoncelo, antecipo a pergunta iminente. Entro no carro, coloco o cinto e ouço: “Você toca?”.

 

“Sim, sou violoncelista.”

“Entendi. Vamos ver… Você vai para o Theatro Municipal?”

“Sim, é isso mesmo.”

 

Enquanto o carro começa a tomar o destino das ruas de São Paulo, o ambiente fica em silêncio. “Opa, você poderia colocar na Rádio Cultura?”

 

Ele muda a estação. Já são 7h40, próximo do Diário da Manhã, mas ainda será possível apreciar um pouco do clássico. No fundo, ainda baixo, se escuta Franz Schubert. A melodia talvez combinasse mais com as pequenas ruas de Viena, mas, inesperadamente, cria uma certa harmonia com o acinzentado de São Paulo.

 

O cinza também combina de forma melancólica com meu humor. Sinto um certo cansaço do dia anterior e isso me impede de ter uma conversa mais longa. A rotina de acordar cedo, retornar só à noite para casa e, limpar o instrumento no pouco tempo livre antes de dormir, é exigente. Enquanto o carro vira para a Major Sertório, escuto:

 

“Que compositor é esse?”

“É Franz Schubert, compositor austríaco. Você está gostando?”

“Sim. Agora de manhã bate aquele sono, mas a melodia é legal. Acalma, né?  Você costuma a tocar as músicas dele?”

“Em algumas concertos sim, mas não em todos”.

 

A verdade é que compensa.

 

Tocar é o que me move e lembro disso todo dia antes de entrar no Theatro. Em uma profissão rodeada por informalismo, me tornar um dos 109 instrumentistas do Municipal parece uma benção. Muitos amigos ainda lutam por um emprego constante.

 

O investimento do governo é pequeno e são poucos eventos. Com isso, falta trabalho. Os cortes governamentais aumentam o pessimismo e é difícil avaliar no que tudo vai dar.

 

“Vocês têm se apresentado muito?”

“Sim, no Municipal fazemos algumas apresentações. Peças, concertos, Óperas. A orquestra está sempre presente.”

 

A música clássica tem se difundido e se modernizado. Cada vez mais vemos cantores sendo pendurado em cordas, uma atração do circo que veio parar na Ópera.

 

Peças misturam o clássico com o popular e o Jazz. Tudo parte de estratégias para atrair espectadores. Depois das peças, quando falo com o público, é normal conhecer pessoas que foram ao Theatro pela primeira vez.

 

Quando percebo, já estamos cortando na Ramos De Azevedo. Com pressa aviso o motorista. “Pode encostar aqui mesmo.”

 

Saio do carro. E como de costume, olho para cima e vejo a lateral do Theatro. Pego meu instrumento. Enquanto subo as escadas, olho para trás e vejo que o carro segue preso no trânsito, ainda perto da minha vista.

 

A conversa foi curta, mas o interesse foi levantado. Perguntas e questionamentos. Mesmo que tenha sido só uma música.

 

Ainda assim, não consigo parar de me perguntar: Será que ele trocou de rádio?

 

Colaboraram: Marcelo Barbosa, flautista do Theatro Municipal, Cláudia Arcos, cantora do Theatro Municipal, Desireé Brissac, estudante de Bacharelado em Piano de Artes da Unesp

 

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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