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Perdendo o sono

 

Por Bruno Nossig

 
Página 11 - claro! Sideral

Imagem: Gabriela Bonin

 

Estou tentando dormir, mas não consigo.

 

Ultimamente tenho tido mais dificuldade para pegar no sono. Não é muito fácil dormir aqui na estação. A ausência de gravidade é um dos problemas, e não estamos de fato dormindo em uma cama confortável, como é de se imaginar. Apesar de estarmos acostumados ao ruído da aparelhagem, ele ainda incomoda.

Já perdi o sono outras vezes. Minha solução é sempre manter a calma e continuar pensando, até que em algum momento o cansaço prevaleça.

 

Mas, mesmo assim, não consigo dormir e, não sei dizer o por quê.

 

Hoje não notei nada de diferente. Nas atividades não senti nenhuma variação de humor, o que é um bom sinal. O próprio centro de controle, que nos avalia diariamente, não percebeu nenhum comportamento fora do habitual. Os meus dois companheiros de missão não reportaram nada de estranho na forma como agi. Eu também não notei nada de muito diferente neles. No protocolo tudo segue normal.

Já estamos no quarto mês da missão, e agora nos resta mais dois. De cabeça não sei dizer ao certo em que dia estamos. Mas isso pouco importa. Poderia tentar fazer as contas para me cansar, mas isso normalmente me deixa mais acordado.

Insônia é algo que enfrentamos constantemente aqui. Costumamos dormir cerca de seis horas diariamente, mesmo que tenhamos oito estipuladas pela missão. Mas, nos últimos dias, minha média deve ser menor. Poderia me ocupar agora com o livro que trouxe, mas quero guardá-lo para outros dias.

 

Hoje, eu só tenho um pouco de dificuldade de dormir.  

 

Para chegar até aqui passei por uma avaliação extremamente detalhada. Os testes psicológicos, assim como os físicos, foram longos e minuciosos, já que tentam avaliar  e simular como a personalidade e reações seriam no espaço. Eu fui bem avaliado, o que gera uma certa confiança para os momentos de adversidade.

Do meu lado, meus companheiros são excelentes. Nenhum deles é impulsivo ou agressivo. Nunca apresentaram grandes variações de humor, o que também facilita a convivência. Juntos já passamos pela parte mais difícil da missão.

 

O início é sempre mais estressante. A adaptação a rotina da estação não é simples. Mesmo com todo o treinamento que passamos, vamos dizer que não é fácil se acomodar em um lugar desses.

Posso dizer que o quarto mês tem sido mais estável. Nos últimos dias da missão, quando o cansaço e estresse são maiores, minhas queixas fariam mais sentido. Ainda assim, eu só gostaria de ir dormir.

Não gosto de pensar nas possíveis mudanças que estão ocorrendo no meu corpo, algo que só vou conseguir sentir quando voltar. As últimas pesquisas não têm sido muito animadoras. Perda de massa óssea, músculos atrofiados, danificação em alguns órgãos… Os dois exercícios diários não impedem que nosso corpo mude, já que o corpo humano não está adaptado a viver sem gravidade.

 

Algumas coisas de fato já começaram a me irritar. Os protocolos de checagem, a monotonia, a paisagem…Olhar para a Terra é interessante da primeira vez, mas já se tornou algo comum, e o vazio do espaço não ajuda. Ficar isolado da sociedade, também, não facilita em nada. Faz muito tempo que não vemos os amigos, a família… mas não preciso me preocupar com nada disso nesse momento.

 

Agora, só preciso dormir.

 

Colaborou: Thais Russomano, coordenadora do Centro de Microgravidade

 

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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