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Cálice, ou enfrente as consequências!

 

Por Giovana Christ e Bruno Carbinatto

 
Arte: Thaís Navarro

Arte: Thaís Navarro

Silêncio. Para muitos, calmaria. Para outros, inferno. Silêncio imposto tem nome: censura. Calar-se diante um poder maior contra a sua vontade. Seja o Estado, uma empresa privada ou um conceito tão abstrato como “moral”: os censores estão aí, tentando criar um silêncio artificial que guarda, bem lá no fundo, gritos de protesto e liberdade.

 

Receita de bolo de laranja

Quando, em 1968, plena ditadura civil-militar, decretou-se o Ato Institucional 5, as redações receberam censores ligados ao regime, que garantiam que nenhuma matéria crítica ou considerada subversiva fosse publicada. Os jornalistas foram fadados ao silêncio e a receitas de bolo — comumente publicadas para tapar os buracos dos textos censurados.

A ditadura acabou. A censura não. Embora vivamos em uma democracia liberal, ela está longe de ser perfeita — como mostra a edição de 2018 do medidor de democracia da revista The Economist, que coloca o Brasil na posição 51. O resultado disso nos rankings de liberdade de imprensa é avassalador: na classificação de 2019 da Repórteres sem Fronteiras, estamos na posição 102, atrás de Serra Leoa, na África, um dos países mais pobres e com menores índices de desenvolvimento humano do mundo.

A censura hoje não é institucionalizada, mas acontece por mecanismos dos sistemas político e judiciário fracos e pelo controle do mercado no qual a profissão se insere, muitas vezes praticando a censura interna.

Por outro lado, perseguições políticas específicas podem levar a censuras mais bárbaras, como violência e até assassinato de jornalistas, ainda comuns em todo o Brasil.

Colaborou: Ana Regina Rêgo, jornalista, professora e Presidenta da Associação Brasileira de Pesquisadores de História da Mídia-ALCAR

 

Contra a moral e os bons costumes

Se, por um lado, jornalistas são perseguidos por suas informações, artistas são criticados por suas mensagens. Com a recente ascensão de um pensamento conservador no país, diversas manifestações artísticas passaram a ser alvo de críticas, boicote e silenciamento. Embora muito diferentes entre si, esses eventos carregam algumas características em comum. “Na maioria dos casos, as questões políticas se sobressaem às estéticas. São poucos os casos em que o movimento de censura está interessado na parte material da arte”, explica Fellipe Eloy Teixeira Albuquerque, pesquisador do tema.

Embora sob ataque, as artes têm recursos de resistência à censura talvez mais claros e eficientes do que o jornalismo. A transgressão é uma delas. Com ironia, os artistas podem desafiar a onda conservadora em um campo intelectual. “Isso já vem sendo feito, mas se percebemos que a força do censor se intensifica, precisamos reagir a altura”, intensifica Fellipe .

Foi o caso da repercutida exposição Queermuseu, de 2017. Acusada de apologia à pedofilia e  zoofilia por movimentos conservadores, foi alvo de protestos massivos, que levou ao Santander Cultural de Porto Alegre, expositor, a cancelar o evento. Driblando a censura, A Escola de Artes Visuais do Parque Lage, centro cultural da América Latina, conseguiu trazer a exposição para a capital carioca via financiamento coletivo, no ano seguinte. 

Mais recentemente, o livro Meninos sem Pátria, do autor Luiz Puntel, foi censurado por uma escola particular no Rio, após protestos de pais, que afirmavam que a obra, ambientada na ditadura civil-militar, faria apologia ao comunismo.

 

Colaborou: Fellipe Eloy Teixeira Albuquerque, mestre em História da Arte pela Universidade Federal de São Paulo

 

SilenciadAs

O silenciamento das mulheres em uma lógica que as deslegitima pode ser enxergado como censura. Dentro da Universidade, a realidade não é diferente. “É qualquer comportamento que a impeça de falar, estabelecer uma lógica ou raciocínio, se posicionar ou ocupar um espaço pelo simples fato dela ser mulher”, explicam Letícia de Souza e Victória Ribeiro, do escritório da USP Mulheres, que desde 2016 faz ações voltados para o empoderamento dentro da universidade.

Professores que tendem a deixar mais homens falarem em suas aulas as estão silenciando. Orientadores que recusam projetos relacionados à questão de desigualdade entre gêneros por não reconhecerem a importância do tema, estão censurando quem quer debater o assunto.

“Situações semelhantes acontecem dentro das esferas dos docentes e funcionários, em reuniões departamentais, de colegiados ou mesmo no convívio cotidiano de trabalho”, continuou o USP Mulheres. Mesmo sendo uma violência subnotificada e, por vezes, invisível, a mulher é silenciada dentro de sua vida profissional e pessoal. 

 

Colaboraram: Letícia de Souza e Victória Ribeiro, do escritório da USP Mulheres

 

Silenciamento divino

Por ter sido colonizado por povos cristãos, o Brasil tem um histórico de censura e intolerâncias à outras religiões. As manifestações afro brasileiras são as mais afetadas. Conforme dados do Ministério dos Direitos Humanos, entre janeiro de 2015 e o primeiro semestre de 2017, foi constatada uma denúncia de intolerância religiosa contra religiões afro brasileiras a cada 15 horas.

O último IBGE, de 2010, mostrou que seguidores do animismo afro-brasileiro são minoria, com 0,3% da população, o que os torna mais vulneráveis. Enquanto isso, 64,6% dos brasileiros declaram-se católicos; 22,2% protestantes; 8,0% irreligiosos; 2,0% espíritas e 0,7% testemunhas de Jeová.

Dados da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa do Rio de Janeiro mostram que mais de 70% dos ofensas, abusos e atos violentos registrados entre 2012 e 2015 são contra praticantes de religiões de matrizes africanas

Não é difícil achar casos recentes ao procurar na internet por agressões de intolerância religiosa. No final de março deste ano, uma Mãe de Santo Yalorixá, Mãe Rosa de Oyá, foi atacada em frente a sua casa por um grupo gritando “Satanás irá cair” e outros insultos à sua religião.

 

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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