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Duas décadas em uma bolha de silêncio

 

Por Giovanna Costanti

 
Fotografia: Henrique Votto Arte: Thais Navarro

Fotografia: Henrique Votto
Arte: Thais Navarro

“Nasci ouvindo normalmente. Um dia, poucas semanas antes de completar 10 anos de idade, acordei surda”. Imagine, de um dia para o outro, a vida deixar de ter som. A experiência angustiante foi vivida pela comunicadora Lakshmi Lobato: uma surdez súbita lhe impôs uma bolha de silêncio por mais de duas décadas. Na época, Lak não imaginava que, em sua vida adulta, poderia voltar a conversar no telefone e dar entrevistas, como esta.

Foi mais de uma década se comunicando apenas por meio da leitura labial. A condição fez com que desenvolvesse um sotaque em sua fala, que se torna mais enfático por conta do tom de voz trêmulo e, por vezes, alto. Esse sotaque é característica dos surdos oralizados. 

“Você acabou de chegar em São Paulo?”, ouviu uma vez de um taxista. Com paciência, respondeu que morava lá há bastante tempo. Conversa vai, conversa vem, ele tornou a perguntar de onde ela era. “A minha voz é resultado de mais de 20 anos sem qualquer feedback auditivo. Sou surda”, respondeu. Como sempre, a reação foi de espanto. Uma surda que não se comunica por libras e que escuta.  

Durante muito tempo,  o som foi uma saudade constante. A surdez súbita foi diagnosticada como provável sequela tardia de caxumba. Para os médicos, era um diagnóstico irreversível de surdez profunda. 

Em 2009, porém, aconteceu o reencontro. Nunca utilizou aparelhos auditivos, pois sua surdez é muito grave e lhe falta audição residual que possa amplificar o som. Foi quando Lak conheceu o implante coclear. A tecnologia capta o som ambiente e o conduz até a parte do ouvido que não funciona – no seu caso, a cóclea. De lá, o som vai para o cérebro e é interpretado, como acontece com todos os não-surdos. 

““Achei maravilhoso poder ouvir, mesmo com um pouco de distorção”, relembra. “Foi a melhor escolha da minha vida. Uma pena que eu tenha demorado tanto para conseguir fazer. O implante coclear só começou a ser divulgado no começo dos anos 2000. Antes disso, pouca gente sabia que existia.”

Após a cirurgia, Lak já conseguia ouvir sons ambientes e diferenciá-los, mas o resultado ainda não era perfeito. Três anos depois, voltou às salas cirúrgicas. Dessa vez, saiu de lá emocionada. Podia ouvir músicas, conversar com as pessoas, falar ao telefone. Para Lak, sensações “tão maravilhosas quanto ganhar na loteria”. Havia um mundo inteiro de sons para redescobrir, a vida inteira pela frente para matar a saudade. 

“Sempre fui uma pessoa extremamente auditiva. O som me inspira, me motiva, me dá prazer. É o que nos conecta com o mundo ao redor, o que forma nossa senso de comunidade. E eu sentia falta disso”, relembra. O amor pela comunicação fez com que, mesmo com a surdez, se formasse em publicidade, aprendesse francês e fosse até Madrid estudar a língua espanhola.  “Minha vontade de me comunicar era muito maior do que qualquer obstáculo imposto pela surdez”, conta.

O fim da bolha de silêncio, por mais feliz que fosse, também lhe trouxe sensações conflitantes. Olhar para trás e relembrar seus anos sem barulhos, sons, músicas, vozes, lhe causa muita tristeza.  “Penso em todos os momentos que eu poderia ter ouvido e não foi possível”, relembra. 

A dor da experiência quando criança e, depois, a felicidade em recuperar a audição fizeram com que Lak sentisse a necessidade de compartilhar sua história com mais pessoas. Criou um blog dedicado aos deficientes auditivos e surdos oralizados, lançou um livro, o “Desculpe, não ouvi”, em que relata sua história, e ministra palestras pelo país a fora.

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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