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Ruído ambiente

 

Por Leticia Vieira

 
Ilustração: Thaís Navarro

Ilustração: Thaís Navarro

“Boa tarde, pessoal! Desculpa estar atrapalhando o silêncio da viagem de vocês…” 

O que o moço das balinhas refrescantes de menta chama de silêncio, não é bem silêncio.

O motor do ônibus produz um barulho considerável e o guincho estridente do freio se tornou especialmente irritante assim que me dei conta dele. Somado a isso, tem o bip do cartão passando, o som do sinal para descer e o casal da frente discutindo tudo, desde uma unha quebrada, até o carro que foi para o conserto.

 

É engraçado conversarem como se estivessem sozinhos mesmo em um ônibus lotado. Talvez, todo o ruído e a forma com que fingimos não olhar uns para os outros resultem em uma sensação de privacidade, uma impressão de que não estamos sendo ouvidos pela pessoa em pé, a poucos centímetros de nós. 

 

Curioso também é pensar que em outros lugares conversamos como se trocássemos segredos de Estado. Mais cedo, passei em uma farmácia. Não percebia quase nenhum ruído, enquanto procurava por um desodorante. Mas, mesmo no silêncio, era impossível entender o que pediam ao atendente, logo atrás da prateleira. 

 

Me intriga esse costume de segredar palavras sem motivo. Por que diminuir o tom de voz ao pedir uma aspirina? Nem em ambientes que demandam silêncio, somos assim tão quietos. Levantei a cabeça. Tentei ler os lábios da mulher. Sua boca mal se movia. Cida, tiva ou seria mida

 

Na livraria, logo ao lado da farmácia, muitas pessoas também falavam aos sussurros. Deu até para o senhor da poltrona cinza cair no sono com um exemplar do romance russo “A Briga dos Dois Ivans” em uma mão e sua caneta Bic na outra.

 

Ainda assim, conseguia perceber o burburinho geral, as conversas distantes e alguns sons que se destacavam. “Héric, olha pra mim, Héric. Faz assim: xiiis!”

 

Ninguém fazia questão de ser discreto. Todos pareciam ter orgulho de ocupar aquele espaço colorido e aconchegante, com ar de erudição. A galera nos puffs estava um tom abaixo de uma conversa de bar. O cara de blusa preta, no segundo mezanino, se empolgou ao encontrar um livro e eu podia escutá-lo como se estivesse ali do meu lado, no primeiro piso. A máquina de ler códigos de barra soltava um bip sutil. 


Eram vários estímulos sonoros, mas nada insuportável. Bem diferente do ônibus, onde, agora, só consigo prestar atenção nesse cara, colado em mim, que tosse e resmunga sem parar. E a cobradora ainda dá trela: “Quando eu estava assim, nem gengibre e nem canela deram jeito, viu? Só…” Nimesulida! É claro!

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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