O poeta segue às voltas com suas inquietações. Por trás dos grossos óculos, Drummond ausenta-se em espessos devaneios. Não vê, e tropeça.
No meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
O encontro — “insignificante em si”, como o autor colocaria depois — escusa sua intenção na simplicidade dos versos, que abriga uma intrincada sátira do vivido.
Procurar pelo significado da pedra, porém, mais suscita dúvidas que oferece soluções. “Inevitável” é como procura uma universitária conceituá-la. Descontinuação natural, a pedra é obstáculo com o qual deve-se “aprender a lidar”. O mesmo ocorre a um vendedor de livros, que divaga em carregado sotaque português sobre a necessidade de sobrepô-la para “seguir caminhando”. Sentado na calçada, por outro lado, um entregador ri: “não tenho nenhuma pedra no caminho não”.
Assimétrica também foi a crítica de 1928, ano em que o poema estampou a revista Antropofagia. Um dito “escândalo” sucedeu a publicação, que se autoafirmava modernista em um meio avesso à prosaica poética do acaso. A nova estética “promovia a linguagem coloquial ao status de registro literário”, explica José Carlos de Azeredo, professor da UERJ, em desacordo com as soluções rebuscadas de estilo que o movimento anterior, parnasiano, requisitava.
A pedra seria retomada em outros poemas, como Confidência do Itabirano, no qual se diz “triste, orgulhoso: de ferro”. Drummond se vê contaminado pela natureza de sua cidade, Itabira — de maneira que -ita é tupi para “pedra”, aponta Claudete Daflon, professora de Literatura Brasileira na UFF. “Ele se vê também dotado da consistência do minério”, o que faz deste “o obstáculo a ser vencido, mas que não se vence. É aquilo que o constitui, e por isso é insuperável”.
Corpo estranho e essencial, o tropeço do poeta é um encontro consigo mesmo. Impossibilitado de evitar o meio, ele anda manco.