O controle sobre o próprio corpo é um direito facilmente revogável aos seres humanos. Naturalmente, nós produzimos hormônios que subvertem o livre arbítrio, mas, por vezes, substâncias artificiais também podem roubar nossos sentidos.
O consumo excessivo de álcool apagou as memórias de Paulo T.*, 24 anos. Reunido com amigos em uma festa junina, uma mistura de bebidas típicas o fez perder o equilíbrio.
Das horas que seguiram, a memória não manteve nada. Já o corpo de Paulo teve força suficiente para dirigir seu carro. Quando saiu do transe, ele estava ao lado do veículo capotado e de alguns policiais, que o levaram para a delegacia.
A ciência explica que a ingestão de álcool pode desligar temporariamente o hipocampo, a área do cérebro responsável pela consolidação de memórias a longo prazo.
Segundo o Prof.Dr Aaron White, conselheiro do Instituto Nacional sobre Abuso de Álcool e Alcoolismo dos Estados Unidos (NIAAA), existem dois tipos de blecautes alcoólicos: os fragmentários e os en bloc. No primeiro, a pessoa afetada mantém “ilhas de memória” com espaços de esquecimento.
Já nos casos en bloc, o nível de intoxicação interrompe a conexão dos neurônios com os sinais de outras células do corpo. Alguém nesse estado perde a capacidade de resposta conhecida como Potenciação de Longa Duração (LTP).
A LTP permite que as informações captadas nas sinapses se fixem na nossa mente por muito tempo. Com o bloqueio do contato com o hipocampo, a memória resultante se perde completamente.
Esse foi o caso de Daniel B*, 18 anos. Após alcançar a maioridade, ele decidiu experimentar o cardápio de bebidas a sua disposição. Soube pelos amigos de conversas emotivas movidas a álcool.
O estômago vazio e a pressa ao beber, dicas de White para evitar a amnésia alcoólica, foram ignorados por Daniel, anulando sua tolerância aguda.
Giovana C*, 44 anos, também sentiu esse revés. Em uma formatura, ela passou vários minutos parada em frente a um espelho na porta do banheiro. O motivo? Estava esperando a mulher do reflexo se mover.
Sua guia até a cabine foi uma sobrinha, narradora da confusão horas depois, quando a tia tentava juntar os pedaços de memória que faltavam.
White diz que nessas situações é possível recuperar lembranças. Já na amnésia en bloc, as memórias não chegaram a ser formadas e, portanto, não podem ser reavidas.
Para quem vive o apagão completo, resta se adaptar às dúvidas eternas de uma mente sem lembranças.
*Os nomes foram alterados a pedido dos entrevistados.