Cinco mil e seiscentos é o número de piscinas olímpicas que poderiam ser completamente enchidas com o volume de cerveja que é consumido anualmente no Brasil. Em média, são 14 bilhões de litros, o que rendeu, em 2017, 107 bilhões de reais ao mercado cervejeiro, de acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Cerveja.
Para Andréia Santana, paulista de classe média que começou a beber de forma compulsiva aos 40 anos, a naturalização que envolve o consumo de álcool fez com que ela demorasse a perceber sua dependência. “Eu comecei a consumir bebidas alcoólicas todas as noites, mas bebia de maneira funcional, tinha minha rotina. Para mim, o alcoólatra era o cara que estava embaixo da ponte, mas na verdade eu era alcoólica e não sabia”.
Há um ano e meio livre do álcool, Andréia faz tratamento no alcoólicos anônimos e é enfática quando questionada se a naturalização do consumo ajudou a se viciar: “é sempre o primeiro passo”, diz.
A tal banalização do consumo de bebidas é embasada por números. No ano passado, um levantamento feito pelo Kantar Worldpanel revelou que a cerveja está presente em 63% dos lares brasileiros e seu consumo representa uma fatia de 1,6% do PIB. Os números astronômicos, no entanto, servem apenas para garantir o lucro de grandes indústrias.
Segundo a OMS, só em 2014 o Brasil perdeu 7,3% do PIB com problemas decorrentes do uso de álcool, como em gastos pelo sistema único de saúde. Para o psicólogo Esperdião Ferreira, especializado no tratamento de dependentes químicos, a aceitação social do consumo e os interesses por trás da indústria do álcool inviabilizam a solução do problema. “Nós temos várias teorias bonitas para o tratamento de alcoólicos, mas isso só vai resolver efetivamente o problema de meia dúzia de pessoas, porque as fabricantes continuam lucrando”, comenta, citando também o peso que a publicidade têm em normalizar o consumo de álcool no imaginário coletivo.
É uma balança desigual na qual o estado perde muito dinheiro para remediar os problemas decorrentes do álcool enquanto pouquíssimos poderosos brindam seus lucros astronômicos. Tanto Andréia quanto Esperidião enxergam a facilidade de acesso às marcas de bebidas como o primeiro passo que pode levar ao alcoolismo. Para o psicólogo, um dos fatores que inviabiliza o maior controle do álcool é o peso político que as grandes indústrias possuem. “O capital é maior que qualquer boa vontade de política pública”, finaliza.