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A tragédia da amizade

 

Por Pietra Carvalho

 

 

Nos anos 1960, Clarice Lispector questionou Nelson Rodrigues sobre o fim de seus círculos sociais. Ele, então, assumiu uma “ inconsolável amargura”, ao dizer que o “trágico na amizade é o abismo da convivência”.

 

E foi esse abismo que se abriu entre Laís Sapia, 21 anos, e sua melhor amiga de infância. As duas se conheceram na primeira série mas se afastaram no ensino médio, quando Laís focou no pré-vestibular e a amiga em aproveitar os 18 anos.

 

A principal discussão aconteceu um mês antes do aniversário das duas, que mantinham a tradição de aparecer na casa da outra à meia-noite com um bolo. “No meu aniversário ela nem falou parabéns. Não entendi o que estava acontecendo.”

 

Com dois meses de silêncio, durante uma reação alérgica de Laís, a antiga amiga ressurgiu. “Ela disse que tinha comprado um presente de aniversário e prometeu me visitar no dia seguinte.”

 

A menina nunca apareceu. “Ela estava em outra vibe, de balada, e grudou em outras pessoas. Mas não bastou ela perder o interesse, ainda teve que se dizer preocupada pra nada”, lamenta.

 

Essa troca de grupos foi uma das razões indicadas pelos estudos do psicólogo Agnaldo Garcia, da Ufes, para o término de amizades entre jovens adultos. Atitudes hostis e a separação física foram outros fatores apontados.

 

Mas por mais que os hábitos mudem, o término de uma amizade ainda gera tristeza e um sentimento de luto. Um exemplo dessa dor vem de Eliana Malar, 68 anos.

 

Aos 12 anos, se tornou amiga da filha de um colega do pai. As duas noivaram e casaram na mesma época e os casais eram grandes companheiros. “Eles são padrinhos da minha segunda filha e nós do segundo filho dela ― depois do primeiro ter morrido.”

 

Quando o afilhado de Eliana tinha seis anos, a amiga de infância se divorciou. Ela pediu o apoio do casal para exigir uma pensão, mas eles não tomaram partido. A mulher decidiu cortar contato. “Nunca mais vi meu afilhado e só sabia da vida dela pelos outros.”

 

Recentemente, a velha amiga entrou em contato com a mãe de Eliana para pedir seu número, e logo ela começou a receber ligações. “Ela perguntava coisas sem sentido. Como o lugar e dia de nascimento do seu primeiro bebê.”

 

Eliana, então, propôs um reencontro. A amiga se esquivava e, dois meses depois, tudo ficou claro: soube que a perda de memória era causada pelo Alzheimer. “Às vezes ela me liga e pergunta pelo filho morto. Não temos que nos apegar às amizades. No final, tudo passa.”
Colaboraram Agnaldo Garcia (professor de psicologia da UFES), Luciana Karine de Souza (professora de psicologia da UFRGS e organizadora do livro Amizade em Contexto), Isabella Gonçalves, Gabriel Neves, Júlia Vecchio.

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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