logotipo do Claro!

 

Fim do fator casa?

 

Por Amanda Capuano e André Netto

 

O Campeonato Alemão, a Bundesliga, foi a primeira grande liga europeia a retomar suas atividades após a paralisação por conta da pandemia da Covid-19, mas voltou sem torcida, para evitar contaminações. A retomada sob esse novo modelo, que teve início em 16 de maio, trouxe resultados surpreendentes até aqui, números que nos fazem questionar qual o peso das torcidas e como os fãs influenciam nos resultados das partidas.

Com mais de 40 mil espectadores por partida e uma taxa de ocupação de mais de 90%, o Campeonato Alemão tem uma das melhores médias de público do mundo. Em um país onde os clubes estão acostumados a jogar com estádios cheios, a volta do futebol sem torcida pode ter um peso ainda maior. A exemplo disso, o estádio do Borussia Mönchengladbach exibe uma faixa em que se afirma que “futebol sem fãs não é nada”. Para Gerd Wenzel, comentarista da ESPN, com a ausência dos torcedores, a vantagem do mando de casa, na prática, deixou de existir. “Sem torcida, qualquer estádio se transforma num campo neutro”, opina.

Isso se confirma quando olhamos para as estatísticas. O número de vitórias dos mandantes caiu pela metade, enquanto os visitantes passaram a ter um sucesso muito maior quando analisamos os dados das quatro primeiras rodadas pós-pandemia. 

Amanda e André - Infografico 1 (v4)

Sem os gritos de incentivo das arquibancadas, o favoritismo de jogar em casa se perdeu. Levando em conta os jogos em que os mandantes eram favoritos a vencer nos sites de apostas, nota-se uma queda expressiva na porcentagem de vitórias e aumento na porcentagem de derrotas. A capacidade do time da casa de surpreender equipes mais fortes também aparenta ter ido pelo ralo. Sem torcida, os mandantes não venceram nenhum jogo em que eram favoritos, e perderam 18 de 23 partidas.

 

Amanda e André - Infografico 2 (v2)

 

A julgar pelos números, a torcida tem uma influência de peso nos resultados. Segundo Luis Fernando Zamuner, professor de Educação Física no ensino básico da rede estadual de São Paulo e especialista em Ciências do Esporte pela Universidade Gama Filho, tamanho impacto pode ser explicado por um fator motivacional. Em sua pesquisa publicada em 2017 na Revista Brasileira de Futsal e Futebol (RBFF), Zamuner analisou um grupo de jogadores da Ponte Preta, time do interior Paulista, e constatou que 70% dos participantes consideram uma torcida numerosa como um incentivo a quem está em campo. 

Tal situação é ainda mais visível quando os times entregam desempenhos extremos – seja para o bem, em meio a uma fase vitoriosa, ou na ponta oposta, quando, por exemplo, lutam contra um rebaixamento. “Nestes casos, a torcida costuma incentivar mais e demonstra mais comprometimento. Isso contribui para que a equipe mantenha-se focada”, analisa o entrevistado.

Há, porém, algumas desvantagens. Apesar da maioria dos jogadores gostar de atuar em clubes com grandes torcidas, tamanha influência pode partir para um lado menos agradável. Se a equipe passa por um momento ruim, a cobrança em clubes tradicionais é maior. Nesse sentido, Zamuner explica que  jogadores experientes costumam absorver melhor essa cobrança, enquanto os mais novos são mais afetados por ela.

Já sobre o retorno do futebol sem a presença dos torcedores, o pesquisador pondera que o impacto depende muito da relevância da partida, mas é inevitável que a ausência influencie no rendimento já que, “em qualquer que seja a atividade, é bom ter alguém que aprecie e valorize o seu trabalho.” Assim, segundo ele, para os jogadores, um gol sem torcida não é tão gratificante de se comemorar quanto aqueles marcados diante dos fãs.

 

Mas futebol sem torcida faz sentido?

A pergunta levantada por torcedores, jogadores, dirigentes e jornalistas têm fundamento. Afinal, o que pudemos observar até aqui é um esporte diferente e sem um fator fundamental. Mas então, por que o futebol voltou? Renato Marques, professor da Escola de Educação Física e Esporte de Ribeirão Preto (EEFERP) da USP, explica que a torcida é apenas uma das fontes de renda dos clubes e do grande negócio que se tornou o futebol.

“O modo de aproximação dos torcedores e consumo do futebol atualmente passa por inúmeras formas de relação das pessoas com este fenômeno, e a presença da torcida nos estádios é uma pequena parcela disso”, afirma Renato. Dessa forma, analisando do ponto de vista comercial, o retorno das atividades está muito mais relacionado a dirigentes, patrocinadores e outros grupos envolvidos no espetáculo.

Além disso, também há uma perspectiva sociológica, que explica inclusive a tentativa de volta precoce do futebol no Brasil em busca da sensação de normalidade frente à pandemia da Covid-19. 

Mas, enquanto as partidas acontecerem sem torcida nos estádios, o futebol estará bem longe de sua forma natural e normal.

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

Expediente

Contato

Av. Prof. Lúcio Martins Rodrigues, 443, Bloco A.

Cidade Universitária, São Paulo - SP CEP: 05508-900

Telefone: (11) 3091-4211

clarousp@gmail.com