Arte: Bianca Muniz; Foto: Amanda Lemos
A confusão começou com um tiro pro alto. Guilherme procurou pelo atirador no meio da multidão que rapidamente se dispersava. Sem sucesso, correu para a proteção, ajustou o colete e conferiu a arma, estava tudo certo. “Agora coragem”, ele pensou.
Ao sinal do capitão todos atiraram, ele respirou fundo e fez o mesmo. A adrenalina ajuda a manter o foco, policial não pode falhar. Uma pausa para recarregar, ele apertou a medalha de São Jorge no peito e pediu que não fosse esse o dia em que entraria para a contagem de policiais assassinados. Só no primeiro semestre deste ano já foram 103.
Era um chamado simples de perturbação da paz, só acabar com a festa. Mas a tensão cresceu rápido e quando se deu conta, Guilherme já estava em mais um tiroteio. Era o terceiro daquela semana. Às vezes ele pesa os riscos da profissão, embora saiba que assim honra a memória do pai, militar de carreira na ditadura.
Com menos disparos vindos do outro lado, os policiais avançaram. Dava para ver o sangue no chão e o PM se perguntava se algum dos feridos entraria para a taxa de 1,5 mortos pela polícia a cada 100 mil habitantes no Brasil. Ele sabia da importância do seu trabalho zelando pela ordem, mesmo não gostando quando isso gerava a morte de alguém.
A troca de tiros terminou quando uma das armas do outro lado foi jogada no chão. Mas, o que parecia um gesto de rendição logo foi reconhecido como distração para a fuga do último atirador. No impulso, Guilherme foi o primeiro a correr. De tanto treinar, seu reflexo foi imediato, embora sua confiança diminuía na medida em que ele sentia o coração na boca.
Favorecido por conhecer o lugar, o atirador levou a melhor até pular um muro e cair de mal jeito. Com o erro, o PM o alcançou e depois de fechar as algemas finalmente viu contra quem estava atirando mais cedo. “Será que tem 18?”, ele pensou, lembrando que a maioridade penal ainda é essa.
Levou o garoto de volta para a área do confronto, e entre os parabéns dos outros policiais, ouviu os gritos de choro e acusação dos moradores da região, que destilavam o ódio acumulado da violência policial. Desrespeitado e frustrado, Guilherme não entende, afinal eles foram ali atender o chamado de alguém. “Como podem não reconhecer nossa ajuda?”, ele se pergunta indo embora ao som de vaias.