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Uma pitada de perguntas e criatividade a gosto

 

Por Mariah Lollato

 

“Deixa eu dar uma pancada na orelha do leitor.” É esse o objetivo de André Balbo, escritor e editor da revista literária Lavoura, ao iniciar um conto. Impactar quem está do outro lado também é o que desejam Edgar do Cavaco, compositor, e Lígia de Campos, atriz do grupo de teatro Esparrama. Perguntar para gerar reação os movimenta.

“Qual mensagem quero passar ao me sentar para escrever?”, se questiona Edgar, a cada nova canção. Compositor profissional, a música é, para ele, além de meio de vida, uma maneira de tocar o público. O mesmo acontece com o grupo de teatro de Lígia, que estuda conexões entre infância, cidade e arte. 

Para atingir seu objetivo, é preciso que Edgar se indague sobre a melhor maneira de construir uma história: “Em que formato ela será composta? Qual será seu fio condutor?” Como o compositor, André e Lígia também levantam questionamentos relacionados à narrativa. No caso dos romances, os personagens tem papel fundamental dentro dela. Por isso, o escritor se pergunta se quem surgirá primeiro será a história ou se a narrativa será construída para dar lugar a um personagem já idealizado. 

Além destes questionamentos, Lígia enxerga também vínculo entre dúvidas deixadas por um espetáculo e o surgimento de outro. É o caso de Navegar, obra criada com base em perguntas sobre o imaginário das crianças acerca de São Paulo, que o grupo se fez ao fim da peça anterior. Para respondê-las, uma pesquisa ouviu dos pequenos o que a metrópole significava para eles. O resultado foi transformado em espetáculo, e contou-se uma nova história. 

“A consequência de nossas peças tem sido perguntas. Outros questionamentos vem e isso é maravilhoso, porque alimenta o grupo”, conta a atriz. Na literatura, André também se depara com a tentativa de responder em novas obras questões deixadas pelas anteriores. Isso acontece no uso do humor em seus textos: o escritor busca que ele sirva à mensagem do conto, sem que se limite a apenas um vício.

Edgar, por outro lado, não vê conexão entre a jornada vivida em uma composição e o surgimento de outra. “Quando começo uma música, começo do zero”, diz. O que confirma: as dúvidas levantadas são distintas. Mas, entre os três autores, o que não falha em se repetir é o processo de fazer perguntas, combustível para continuarem criando

 

Entre cascas e gemas

 

Por Vinícius Bernardes

 

 

Consumir um ovo por dia previne infarto. Ovo prejudica o coração tanto quanto o cigarro.

 

Divergências dessa natureza são frequentes em manchetes divulgadas pela mídia.

 

Com construções das mais diversas, muitas notícias têm assumido perspectivas opostas ao transmitirem uma informação. Mesmo cientes dessas discordâncias, as pessoas ainda são fortemente influenciadas por essas construções. As mais exageradas banem o ovo do cardápio. Proíbem sua entrada geladeira.

 

Como se não bastasse, passam a difamá-lo, como um amigo removido das redes sociais. Com uma imagem distorcida, o pobre ovo é relegado a sarjeta, à espera de outra notícia que o recoloque em seu lugar de direito.

 

Não restritas ao fiel companheiro dos cafés da manhã, essas divergências permeiam outras informações. Para o professor Guilherme Sardas, da Universidade de Santo Amaro, a notícia carrega consigo uma aparente neutralidade. Apesar de conferirem uma aura de “verdade absoluta” ao conteúdo noticiado, essas se encontram envolvidas em interesses dos mais diversos.

 

Na era digital, o alcance dessas construções tem ultrapassado os limites impostos pelo espaço e pelo tempo. Bombardeadas por fatos e informações, as pessoas têm sido submetidas a dados frágeis e, em grande maioria, duvidosos.

 

Sardas destaca que essa situação deriva de uma rede em que “há muita informação aparentemente jornalística, mas de fonte amadora e inconsistente, o que gera conteúdos com apurações pouco criteriosas, quando não falsas”.

 

Entretanto, apesar do avanço das novas formas de mídia, imagens construídas pela televisão ainda predominam no processo de informação do brasileiro.

 

Segundo dados da “Pesquisa Brasileira de Mídia 2016”, da Secretaria de Comunicação do governo, cerca de 63% da população diz depender dos telejornais diários para se informar.

 

O professor afirma que esse número é reflexo de um passado recente em que a mídia tradicional tinha o monopólio da informação. Seja em grandes notícias ou no simples ovo, todo fato está envolvido em construções. Ao leitor, resta driblá-las, caso queira enxergar as claras, existentes entre cascas e gemas.

 

Tijolo por tijolo

 

Por Catarina Silva Ferreira

 

 

Maria Diva Ferreira tem 51 anos e chegou à capital paulista em sua adolescência. Vinda do interior da Paraíba, com o pai e os irmãos, a dona de casa passou por diversos bairros da capital até se estabelecer no Jardim Soberano, bairro do município de Guarulhos. Maria Diva e seu marido Roque Santana do Vale, com quem é casada há 28 anos, protagonizaram a construção da casa em que hoje moram com os dois filhos, Maria Juliana, de 27 anos e Renato, de 25.

 

“Não foi nada fácil construir nossa primeira casa, eu e meu marido fizemos praticamente tudo. Compramos o terreno em 2004, e na época não entendíamos nada de construção. Antes de comprar o lote nós moramos em diversas casas. Passamos por Santo Amaro, Campo Limpo, Cidade Jardim, e por último a Lapa. Não pagamos aluguel durante um tempo, porque éramos caseiros em uma residência cedida pela empresa em que trabalhávamos, eu na limpeza e ele na portaria. Era uma fábrica de fitas para vídeo K7, quando a empresa faliu precisamos voltar para o aluguel.

 

Nossa rua ainda era barro quando chegamos, cheia de mato em volta. Como não podíamos pagar uma máquina para deixar o terreno plano, eu e meu esposo tiramos a terra aos poucos, durante a noite. Mas, mesmo com as noites sem dormir, o mais difícil foi cavar a fundação. Nós não sabíamos o tamanho que deveria ter, refizemos o serviço muitas vezes. Quando as pessoas viam que não estava bom zombavam de nós.

 

Depois disso, o próximo passo foi colocar as colunas de ferro, as vigas e assentar os blocos. Nós passávamos os finais de semana construindo, por conta do trabalho. Durante a semana eu saía para comprar areia, pedra, ferro, cimento, o que precisasse. E por isso, tive que aprender muita coisa, os materiais chegavam e não podiam ficar na rua até o sábado, então eu começava sozinha.

 

Nos mudamos no final do ano, então pudemos passar a virada de 2007 para 2008 livres do aluguel. Hoje temos duas casas neste mesmo terreno. A primeira ficou abaixo do nível da rua, mas isso porque na época da construção não sabíamos qual a altura em que o asfalto seria colocado. Para driblar o desnível, fizemos uma escada até a rua.

 

A segunda casa, fizemos na parte de cima da primeira, mais ou menos como um sobrado. Mas dessa vez a construção foi bem mais rápida, demorou um ano e meio. Hoje, moro na parte de cima com meu marido e meu filho, viemos pra cá depois do casamento da minha filha em abril deste ano, agora é ela quem mora lá embaixo com o esposo. Apesar das dificuldades, conseguimos abrigar a família toda aqui, as duas casas têm sala, cozinha, um banheiro e dois quartos”.

 

Concreto

 

Por Mariana Goncalves

 

A A U M P O E
R Q U I M A N Ã O
T E T A C O E N T R A
N S T R Ó I Q U N U M A C
A S E Q U A A S A C O
D R A D M O A C A
O S S A D A A

Q U E C O R Q
N S T R O U I T E
E M Q U A T A ( C O N
S E T R Ê S T R U Í D A I
S C U B O M P O N E N
S Q U E P T E C O
R O J E T M C

A M O N C R E
M E I A T O M A C
E S T R U T I Ç O ) N
U R A D E U M P O P O E M
O E M A C O A H Á A P
N C R E E N A S A
T O I D E I A

Editorial: Construção

 

Por Gabriel de Campos e Nelson Niero Neto

 

Construir, desconstruir, reconstruir, e voltar a construir. Nesse ciclo, moldamos nossas identidades e concepções. Mas nada permanece igual para sempre. Mesmo as mais enraizadas opiniões podem se desfazer. Isso, porém, não é simples. Demanda esforço perceber que sua visão do mundo não é a única possível. Às vezes, são os fatos, e não o esforço, que escancaram uma verdade dolorosa e indesejável. Mas desconstruir esses paradigmas é fundamental para evoluirmos como pessoas. Esta edição do claro! se dedicou a esmiuçar esse tema – e esperamos que você faça bom proveito disso.

 

A cidade cresce pro alto

 

Por Carolina Monteiro

 

 

Quando se trata de verticalização urbana, essa ideia muitas vezes tem uma conotação ruim, algo que transforma a arquitetura da cidade, constrói prédios modernos no lugar de construções antigas e limita a vista do horizonte. Isso além de aumentar o trânsito em toda a região: como explica o gestor de trânsito da CET, João Cucci Neto, quanto mais prédios, mais moradores em um mesmo local, fazendo um número exponencialmente maior de viagens todos os dias. Atrelado a uma situação precária de transporte público, que não é suficiente para atender a toda a demanda, o trânsito de veículos particulares só pode aumentar.

 

A cidade de São Paulo tem atualmente cerca de 12 milhões de habitantes, 1 milhão a mais em relação ao último censo do IBGE, realizado em 2010. Isso não é pouca coisa: existem mais pessoas morando aqui do que em países inteiros, como Portugal, que tem aproximadamente 10 milhões de habitantes. E isso falando somente do município: se considerarmos toda a região metropolitana, o número de habitantes sobe para 21 milhões de pessoas.

 

De acordo com o arquiteto Rafael Sorrigoto, a verticalização é o caminho ideal da urbanização em uma cidade de proporções de metrópole como São Paulo. Ainda mais quando se fala em aumento de potencial construtivo e verticalização de áreas já abastecidas por sistemas de transporte público, vias de acesso rápido, sistemas de saúde, educação e lazer.

 

Assim, o que está crescendo bastante no mercado imobiliário atualmente é a construção de apartamentos cada vez menores, chegando a 10m2. Essa é uma tendência de cidades com alto grau de desenvolvimento como Nova York, Tóquio e Londres. A dinâmica da vida urbana tem, para algumas pessoas, a moradia apenas como dormitório. Os apartamentos de área reduzidas vem para atender a essa demanda. E outra também, muito crescente: a locação de curta temporada.

 

Culturalmente, o brasileiro ainda não está acostumado com esse tipo de moradia como os japoneses. Além disso, morar em espaços tão pequenos cria a necessidade de investir em móveis planejados que se encaixem perfeitamente no espaço, o que também não é barato.

 

Entretanto, em uma cidade com densidade demográfica de mais de 7 mil habitantes por km2, em que a procura por moradia faz os preços aumentarem em regiões centrais, essa é a alternativa. Existem imóveis historicamente importantes na cidade, assim como praças públicas, e áreas verdes responsáveis por balancear a qualidade do ar. Mas não há como impedir o crescimento da cidade. A questão é controlar a forma com a qual isso é feito: é necessário um planejamento cuidadoso, que siga o plano diretor da cidade e respeite as vias de trânsito.

 

O presente olímpico

 

Por João Paulo Almeida

 

 

As Olímpiadas no Brasil acabaram, mas a expectativa da população sobre seu legado permanece. O sentimento do carioca é uma mistura de orgulho, por ter sediado o mais tradicional evento esportivo mundial, e decepção, pela maneira duvidosa de como foram os bastidores. Hoje, há desconfiança em relação às melhorias prometidas e ao aproveitamento das onerosas instalações, como o Centro Olímpico, aberto diariamente e com entrada gratuita.

 

1. O Rock’n Rio é o primeiro grande evento no local, montado no estacionamento.

 

2. O teto do Velódromo pegou fogo depois da queda de um balão.

 

3. As Arenas recebem eventos esportivos pontuais e sazonais.

 

4. Na Via Expressa Transolímpica (fora do complexo), longa espera pelo ônibus: 25 minutos.

 

5. Metrô Linha 4 (fora do complexo). Só saiu do papel para as obras olímpicas.

 

6. Apenas as 17 Ecobarreiras para reter o lixo da Baía de Guanabara foram mantidas.

 

Outra história

 

Por Natalia Belizario

 

 

Em agosto, manifestantes de extrema direita foram para as ruas de Charlottesville, no estado da Virgínia (EUA), protestar contra a retirada da estátua de Robert E. Lee, um dos principais líderes dos confederados, grupo que, na Guerra de Secessão, defendia a manutenção da escravidão no país. A manifestação acabou com diversas pessoas feridas e uma morta, após um manifestante racista acelerar seu carro contra um grupo antifascista, que era a favor da retirada do monumento. Parte da população dos EUA mostrou que não mais aceitará discursos racistas, questionando inclusive uma figura marcante de sua própria história que, a partir deste episódio, ganhou um novo significado. Após esse episódio, a figura de Lee ganhou um outro significado.

 

No Brasil, também existem figuras que tiveram sua construção histórica fundada sobre controvérsias. Mas, assim como nos EUA, não há unanimidade sobre o questionamento desses personagens. É o caso dos bandeirantes paulistas, sertanistas do período colonial que, em busca de riquezas e escravos, adentraram o território brasileiro e acabaram sendo responsáveis por expandir o limite imposto pelo Tratado de Tordesilhas. Ainda que esse último feito não tenha sido o motivo de sua ação, é sobre ele que está fundada a construção histórica do grupo.

 

Homenageados em estradas e monumentos do estado de São Paulo, os bandeirantes são vistos como heróis, apesar de terem escravizado e exterminado as populações negra e indígena. O Monumento às Bandeiras, um dos principais pontos turísticos de São Paulo, foi pintado de vermelho em 2013 durante protestos de indígenas, que questionavam a representatividade da estátua. Em 2016, novamente, não só o Monumento às Bandeiras, mas também a estátua do bandeirante Borba Gato, amanheceram pichadas. “Bandeirante ruralista assassino” foi escrito abaixo dos pés da figura.

 

Ainda assim, são episódios tímidos quando comparados aos de Charlottesville. E, segundo Marcus Toledo, historiador e bacharel em direito, a manutenção da construção dessa visão sobre os bandeirantes está ligada a um discurso de poder que tem consequências sociológicas até hoje. “Ainda existe por aqui um discurso conservador muito forte.” Mas, Marcus acredita que existe uma semelhança entre o Brasil e os EUA. “O que podemos observar em ambos os casos é que temos memórias criadas com objetivos determinados, e que de certa forma não se adequam a valores que se consolidam atualmente, como a luta pela solidificação de políticas de direitos humanos, a tolerância e a democracia.”

 

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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