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Um impostor no ninho

 

Por Matheus Zanin e Sofia Kassab

 

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Arte por Bruna Irala e Mayara Prado

 

Letícia abre seu computador, procura por uma vaga de emprego e, finalmente, a encontra. Tudo parece de acordo, mas alguma coisa a impede de clicar no botão de “candidatar-se”, e passa por sua mente se aquela posição é realmente para ela. 

 

O “fenômeno do impostor” atinge qualquer um, principalmente quem enfrenta problemas como insegurança e falta de autoconfiança. Entretanto, sentir-se estranho ao sucesso e duvidar de suas capacidades afeta, sobretudo, pessoas que lidam com machismo, homofobia ou racismo diários. E os gatilhos para o despertar de seus efeitos ocorrem, geralmente, no ambiente de trabalho.

 

Uma pesquisa da Universidade de Heriot-Watt, na Escócia, por exemplo, constatou que mais da metade das mulheres já se sentiram impostoras em algum momento de sua vida, comparado com apenas 24% dos homens. 

 

Desde a infância, Letícia aprendeu que meninas devem brincar de boneca, ao invés de jogos mais ativos, como correr, subir em árvores ou jogar bola. Os meninos, desde pequenos, participam de brincadeiras nas quais errar, perder e cair fazem parte do jogo. É ali que começa a construção do erro como “natural” aos homens, mas não para as mulheres.

 

Quando chegam ao mercado de trabalho, a cobrança que impõem sobre si se torna cada vez maior. Letícia acha que “deu sorte” ou que atingiu seus objetivos “por acaso”, não por competência. Pessoas com comportamentos semelhantes percebem mais os próprios erros do que os acertos. “O ‘ego’ dessas pessoas, isto é, a parte da psique que caracteriza a personalidade de cada um, é fragilizado”, explica a psicóloga Michelle Witzke. 

 

A mesma dinâmica é notada em outras vivências fora do ambiente de trabalho. Em ambientes conservadores, a falta de diversidade prejudica a autoestima. “No mercado financeiro, mulheres se sentem mais inseguras ao lidar com investimentos. Desde cedo, elas não aprendem sobre como cuidar do próprio dinheiro”, diz Sofia Bacha, produtora de conteúdo sobre finanças.

 

A autossabotagem é outro efeito do estranhamento ao sucesso. Tal sensação faz parte da vida de minorias como a população negra. O racismo gera problemas na saúde mental de pessoas que são constantemente desafiadas e questionadas sobre suas capacidades. “Tenho amigos negros que se queixam da auto-cobrança dentro do ambiente acadêmico”, relata Thiago Ferreira, doutor em comunicação. Qualquer que seja a causa, a consequência é a mesma: um ciclo vicioso de insegurança e ansiedade.

 

Hoje, Letícia não sabe se tais efeitos passarão. Ela começou a se sentir menos impostora quando começou a fazer terapia. Paralelamente, entrou em uma empresa com um departamento de recursos humanos mais ativo e preocupado com os colaboradores. Mesmo assim, os estímulos para o fenômeno são raízes de problemas sociais graves, difíceis de serem arrancadas. 

 

Se, por um lado, é possível amenizar o lado impostor com sessões de terapia e a segurança gerada por um departamento de RH presente, por outro, existem questões coletivas que permanecem. Resta a dúvida se, mesmo com mudanças estruturais, sentir-se impostor ainda será um mal na sociedade.

 

Colaboraram:

Gilnara Silva, analista de recursos humanos e psicóloga

Kamilla Maximos, gerente de marketing e criadora da página @eximpostoras no Instagram

Letícia Rosa, engenheira e ex-gerente administrativa

Manuca Ferreira, professor, doutor em comunicação e jornalista

Michelle Witzke, analista de recursos humanos e psicóloga

Sofia Bacha, advogada e criadora de conteúdo sobre investimentos

Jogo da oportunidade

 

Por Mateus Feitosa

 

 

Suas mãos estavam sujas e calejadas, mas isso não era um problema. Ao girar a chave na porta do carro o cheiro de seu interior tomou conta da garagem, e, assim que o sentiu subir em seu nariz, as cicatrizes de sua mão pareciam estar se curando sozinhas. O táxi novo só não brilhava mais que seus olhos. O sufoco havia passado. Queria chorar, mas não iria. O amanhã estava aí e nunca foi tão promissor. Entretanto, as coisas nem sempre foram assim.

 

 

Tudo começou com uma ideia. “A oportunidade sempre está lá, basta saber como enxerga-lá”. Pelo menos era isso o que sempre ouvia de seu pai. Ele saiu de casa cedo, com uma ingênua determinação. Caminhava com o mundo em suas mãos, nuas e sem nenhuma marca do trabalho. Foi para a cidade grande, que crescia sem pedir licença. Começou pequeno, porteiro de um prédio de luxo. “Colha os frutos de seu trabalho, todos começam em algum lugar”, lembrava de seu pai. Recebia pouco. Via as pessoas passando perto de seu balcão, sempre com pressa e com algum lugar para ir. Às vezes parecia que sabiam mais que ele, que tinham um rumo. Se fosse embora, alguém perceberia sua ausência? Ninguém sabia seu nome, era o “porteiro”. Pouco importava, faria seu nome.

 

 

A cidade pedia e ele atendia. Começou a fazer bico em construções. Deu entrada em um apartamento ao lado de uma das obras em que trabalhava. O lugar tinha três tímidos andares, era feito de tijolos que de tão desgastados já não brilhavam mais e pareciam estar prestes a sucumbir a qualquer momento. “Guarde, conte e invista seu dinheiro”, dizia o pai em sua cabeça. Contava seu dinheiro como contava o preço de cada grão de arroz que comprava. Vivia um dia atrás do outro, caso pensasse demais perderia tempo.

 

 

Viu seu trabalho ganhando vida, em pouco tempo o prédio estava pronto. Três tímidos andares feitos de tijolos que sangravam de tão vermelhos. Nunca mais entraria lá, seu serviço estava completo. Apenas seu novo vizinho que teria todo aquele espaço para si só. Já ele, desfrutaria de seu feito somente da janela de seu minúsculo apartamento. “Trabalhará para os outros para que um dia trabalhem para você”, as palavras do pai pesavam em sua mente. Das suas mãos aquele lugar tinha nascido e a elas jamais voltaria.

 

 

Tudo bem. Usou o dinheiro da obra para colocar um táxi em sua garagem. O amanhã estava aí. Queria chorar, mas não iria. Sua mão já não doía tanto. Dali a pouco passou de um táxi a oito em seu comando, uma nova empresa.

 

 

Um dia seu vizinho entrou no táxi. Levou-o até o centro da cidade, mas, sem carteira e sem vergonha, seu passageiro pediu para deixar fiado. As coisas caminhavam bem, até que, como o motor do seu carro, o país parecia não funcionar. Recebia a mesma quantidade de dinheiro, mas ele já não valia mais a mesma coisa. Guardava tudo em sua poupança, até o dia que o Presidente pediu emprestado. Não tinha mais como sustentar sua nova empresa. Não importava, sua salvação estava ali. Seu vizinho iria investir em seu negócio. Mas, poderia ser fiado?

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

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