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Corpo de Gigante

 

Por Julio Viana

 

Você entra em uma sala. Em frente à porta, um cartaz. Traçadas nele, linhas simples de comprimentos diferentes. À sua frente, um papel pergunta qual delas é a maior. “A segunda de cima para baixo” é a sua resposta. Está na cara, é óbvio. Mais algumas pessoas entram na sala. “Qual delas é a maior?” pergunta o moço junto à porta. “A terceira”, fala uma das mulheres na sala. Você ri. Claramente ela está errada. “A terceira”, diz outro homem. “A terceira”, afirma, com segurança, o terceiro homem. “A terceira”, “A terceira, “A terceira”. Aquele frio no estômago. Um peso que desce na garganta. Algo está errado. Você não vê o mesmo que os outros. Você está errado. Com certeza errado. Não está vendo direito. Se os outros dizem, está certo. “A terceira” você fala.

 

Esse é um clássico experimento da psicologia social. Segundo o pós-doutorando da Universidade de São Paulo, estudioso da área, Everton de Oliveira Maraldi, todas as vezes em que ele é realizado, a pessoa testada o inicia certa. Entram atores que afirmam algo completamente diferente e, ao final dele, a maior parte dos participantes muda sua resposta, totalmente convencidos de que os outros estavam corretos. “A realidade é uma construção”, ele diz. Em princípio cerebral, neurológica, e depois social. Sua realidade, quem você é, o que você faz, podem ser nada mais que o resultado do que todos os outros ao seu redor vêem e fazem.

 

Foi Gustave Le Bont, importante pesquisador do século XIX e grande influenciador do campo da psicologia social, quem escreveu “A Psicologia das Multidões”. O estudo defende o efeito dominador que a massa provoca sob o indivíduo: pense em você perdendo-se em um mar de gente. Um corpo de gigante formado por milhares de outros corpos. O anonimato é certo e com ele cresce uma força, uma sensação de onipotência. Todos estão ao seu lado. Vocês se apertam, todos gritam juntos. Aquela exaltação, antes não sentida, cresce dentro de você. Todos começam a pegar pedras. Você pega também. Eles começam a atirá-las, você as atira também. Eles olham para o céu e gritam “Um OVNI, os extraterrestres estão vindo nos buscar!”. Você vê também. “Um espírito! Ele vem nos salvar”. Você enxerga também. Você crê também.

 

Todas essas situações são não só possíveis, como comuns, afirma Everton Maraldi. Desde OVNIs a manifestações religiosas ou sobrenaturais. Tudo isso pode acontecer fruto de uma mente como a nossa que anseia em corresponder expectativas que o grupo gera e constrói.

 

Existe, então, alguma autonomia? Existe um “eu” só seu? Um “eu” exclusivo delimitado pelo seu corpo? O pesquisador da USP diz que, na verdade, não há resposta para essa questão: “Depende da linha que você segue.” Na psicologia, nada está muito certo. Nada se afirma. Afinal, como ele diz, “o ser humano é um animal social.” Eu sou eu. Você é você. Mas no fundo, talvez sejamos sempre nós. Sem nunca percebermos isso.

Corpo social

 

Por Julio Viana

Em (des)construção

 

Por Gabriela Sarmento

 

Há dias que você acorda e pensa “quero mudar a cor do meu cabelo”. Em outros você decide colocar silicone. Pode ainda escolher pigmentar os olhos de preto. Tudo bem, esta última pode ser uma opção ousada para a maioria das pessoas, mas é uma das modificações corporais mais extremas e admiradas por quem gosta de body modification.  

 

Karine Guimarães começou a modificar o corpo ainda adolescente quando colocou um piercing na sobrancelha. Hoje, ela é tatuadora e tem alargadores, língua bifurcada, implantes subcutâneos na testa e na mão, além dos olhos pigmentados, prática conhecida como eyeball tattoo. “Me vejo de uma forma que gosto muito mais do que antes quando não tinha meus olhos e corpo tatuados”, afirma Karine que vê que as modificações fizeram bem para sua autoestima.

 

Normalmente as pessoas alteram o corpo por questões estéticas. “Como todo mundo sempre tem algo que gosta mais, eu acabei gostando de tatuagem e piercing. Sempre foi algo que me chamou atenção”, conta Alexandre Anami, que entrou nesse universo também profissionalmente, como tatuador.

 

Tanto Karine quanto Anami pesquisaram bem o profissional antes de modificar seus corpos. Tais procedimentos não são realizados por médicos, uma vez que o Conselho Regional de Medicina proíbe qualquer modificação extrema na anatomia do corpo do paciente. No entanto, qual é a diferença entre colocar silicone na mama e na testa? Segundo o cirurgião plástico Rogério Ruiz, glúteo, mama, panturrilha, braços são lugares anatomicamente viáveis. “Eles já existem, estou apenas redefinindo-os e/ou revolumizando-os. Quando eu coloco um implante na testa, começo a distorcer a anatomia daquela parte do corpo”. Outra diferença está no material implantado. A prótese usada na mama é um gel, portanto, líquido, enquanto os implantes são feitos na maioria das vezes com silicone sólidos. Além disso, as cirurgias plásticas são realizadas em centros cirúrgicos 100% esterilizados.

 

Os processos de modificação corporal podem gerar infecções, reações alérgicas e deformidades, mesmo assim Karine e Anami continuam pensando em fazer outras mudanças. De todas as modificações que fez, a única que deixou Karine mais apreensiva foi a  pigmentação do olho. Durante o procedimento, há  o risco da tinta ser aplicada na íris e na córnea. Além disso, os quatro dias seguintes ao processo são de tensão, na medida em que a tinta pode espalhar por debaixo do olho, o corpo pode rejeitar o material introduzido, entre outras reações. No entanto, ouvir Karine contar com tanta felicidade cada dia que acordava e via que estava tudo bem, que tinha dado tudo certo, faz com que seus olhos, mesmo que inteiramente pretos, brilhem.  

 

Meus muros aos murros

 

Por Heloisa Iaconis

 

 

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Eu me pesco nas águas que escorrem

Uma vida minha de muros e medos

Eu me navego nas ondas que acorrem

Um castelo de mil e um segredos

Eu me conquisto nas enseadas que percorrem

Um corpo embarreirado por autos degredos.

 

Vis-à-vis por entre gotas de mim

Que sorvo eu com tanto ardor

Rio por entre risos assim

O prazer de um eu semeador

Mergulho por entre Urim e Tumim*

Nado em sopros do eu amador.

 

Na fronteira do ser hoje e ontem

Sob sóis, finalmente, me bebi

Na muralha d’alma, que contem

É, das entranhas angústias, me concebi

Nos murros que muito me sentem

Emergi são olhar, sereiei, percebi:

 

Do mim, do meu, do eu: doeu.

Mas, há hora, nasci.

 

* Os termos, contidos na bíblia hebraica, referem-se, segundo estudiosos, a objetos relacionados à advinhação.

E se as séries fossem mapeadas?

 

Por Joana Darc Leal

 

 

 

Página 12

As fronteiras mais excêntricas espalhadas pelo globo

 

Por Daniel Quandt e Daniel Tubone

 

Página 4

As margens do sexo

 

Por Isabel Seta

 

 

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Baseado em depoimentos reais

Perdi a virgindade com um puta amigo da faculdade e, depois, só ficamos mais amigos. Hoje eu vejo o sexo como um complemento da amizade. Na maioria das vezes rolava como brincadeira mesmo, era uma demonstração de carinho entre duas pessoas. Como era minha primeira vez, eu tinha vontade que fosse algo a mais. Era só uma brincadeira para mim, sabe? Mas deu tudo errado. Estragou a amizade. Era para ser casual. Me apego muito fácil, eu diria que quase sempre o sexo é algo a mais para mim. Sempre separei amor de sexo. Sexo é sexo, só. A partir do momento que você normaliza o sexo, é possível manter a amizade. Olha, na verdade, hoje namoro o meu melhor amigo, nunca imaginei que fossemos ficar tão ligados. O sexo é prova de amor, sinal de confiança, de entrega de desejo. Mas o amor, para mim, é maior que tudo – definitivamente maior que sexo. Acho que o problema é que muita gente não sabe separar o sexo do emocional, o sexo não interfere na relação. O sexo é algo que pode alterar muitas coisas. Transei com um casal de amigos e nos dávamos muito bem, até que, de repente, nos afastamos muito. Quando eu me defino como bissexual, eu coloco o sexo como parte de quem eu sou. É confuso, porque o sexo é algo que sempre existiu e é estranho pensar que algo que sempre existiu possa ter mudado a minha vida depois de eu ter experimentado. Acho que o sexo deixa, de fato, duas pessoas mais próximas e cria uma nova tensão, um novo vínculo. Transei com uma super amiga e nossa reação foi “que porra é essa?”. Penso que, às vezes, tentamos fingir que conseguimos transar sem emoção nenhuma a mais – fora tesão –, mas acho que não funciona. Não entendo se transamos porque nos conhecemos muito bem e temos um laço muito forte ou se, em algum lugar, nos amamos. É um momento que ouço os barulhos do outro, toco o corpo do outro, tudo isso diz muito sobre mim – e sobre o outro. Pode ser uma fronteira facilmente transponível, que nos aproxima, ou uma barreira, que acaba nos afastando. Porque fazer sexo não é garantia de amor. Posso sentir atração ou repulsa – ou qualquer  combinação dessas duas coisas. Dois sexos, para mim, nunca vão ser iguais. O sexo vai muito além de você, de mim. É o meu momento mais íntimo. Parece que o primeiro contato com o sexo quebrou uma barreira nas formas de se relacionar. Mudou minha forma de ver algumas coisas, como se uma fronteira se diluísse e o sexo fosse mais uma maneira de se conectar, de se conhecer.

 

Expansão das fronteiras do planeta Terra

 

Por Rafael Ihara

 

 

Estrelas
O tão vasto Universo, que estamos longe de desbravar. Foto: xxx

 

Já tentou se concentrar pra ouvir a conversa alheia no metrô, no restaurante, na fila do banco? Ou já diminuiu a velocidade do seu carro pra saber como foi o acidente que está obstruindo a avenida? É provável que sim. As pessoas fazem isso simplesmente porque existe algo dentro delas: a chamada curiosidade. Graças a ela descobrimos muita coisa na ciência, na história… Chegamos até a pisar na Lua. A curiosidade natural do homem faz com que ele queira sempre  – inclusive as do nosso planeta.

 

 

Segundo o vice-chefe do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP), professor Roberto Costa, é essa curiosidade que impulsiona os estudos desenvolvidos tanto na astronomia (estudo dos planetas, da estrutura do universo), quanto na astronáutica (prima da engenharia, que consiste na exploração espacial com foguetes, sondas, satélites, naves).

 

 

O pesquisador do IAG fez questão de salientar que muitas pessoas e veículos de comunicação acreditam que deve-se explorar se outros planetas possuem condições de abrigar a vida humana porque a Terra não conseguirá mais, daqui a algum tempo, abrigar seres humanos. Costa explicou seu posicionamento dizendo que a Terra ficará inabitável daqui aproximadamente dois bilhões de anos – os Homo sapiens existem há 300 mil anos, e os macacos pelados, como disse Roberto Costa, não existiam há 100 milhões. Portanto, os ciclos de vida dos humanos e dos planetas possuem escalas de tempo absolutamente diferentes. Quando a vida na Terra não for mais possível, os humanos de hoje já terão se transformado em outros seres absolutamente diferentes.

 

 

Mas essa curiosidade pelo que acontece no universo só pode ser sanada graças a grandes investimentos em pesquisas, tecnologia, inovação, capacitação. Sabe quanto o Brasil já gastou só com o estudo da astronomia de 1965 até o ano de 2014? 212 milhões de dólares já ajustados pela inflação da moeda no período, segundo levantamento do IAG-USP. E olha que estamos falando só do Brasil que, segundo o professor Costa, é um dos países que menos investe nessa área. Com essa grana seria possível construir 48 hospitais com capacidade para atender, cada um deles, a uma população de 40 mil pessoas.

 

 

E então fica a pergunta: será que vale a pena investir tanto dinheiro em astronomia e astronáutica? Basta olhar para os equipamentos mais usados pela população hoje. Celulares, computadores e tablets só existem por conta de tecnologias desenvolvidas por esses dois campos de estudo, segundo o vice-chefe do IAG-USP. Os Estados Unidos são o país que mais investe em astronomia e astronáutica, o que explica o fato do país ser um dos maiores desenvolvedores de novos produtos tecnológicos. Talvez eles queiram mostrar que não é suficiente serem a nação mais poderosa da Terra: eles também precisam dominar o universo.

 

 

Descobertas pela Terra

 

Por Luiza Magalhaes

 
 

 

Entre fotos de amigos e textos sobre política, encontrei uma citação, daquelas que circulam na internet e a gente não sabe quem é o autor. “Somos os filhos do meio da história”, começa a frase, “Nascemos muito tarde para explorar a Terra e muito cedo para explorar o Universo”. A inquietação me pareceu razoável: o mundo é vasto, já dizia Carlos Drummond, mas ultimamente ele tem mesmo parecido cada vez menor.

 

 

Nós já descobrimos todos os continentes, mapeamos cada pedaço de terra e, através da internet, temos acesso aos lugares mais distantes do planeta sem precisar sair de casa. Já pisamos no topo do Monte Everest e até na superfície da Lua – mas a exploração interestelar, talvez a próxima grande fronteira a ser conquistada, só será possível num futuro muito distante, mesmo se considerarmos as perspectivas mais otimistas. O que restaria, então, para os exploradores do século XXI?

 

 

A resposta, creio eu, é que talvez estejamos pensando pequeno quando achamos que nascemos tarde demais para explorar a Terra. Se a sensação é de que já conhecemos tudo o que tem por aí, eu diria que na verdade o buraco é mais embaixo – 11.033 metros, para ser exata, se estivermos falando da Fossa das Marianas, o local mais profundo do oceano e talvez o menos explorado do planeta.

 

 

“Na verdade, tem muita coisa ainda para explorar”, diz o biólogo Luis Felipe Toledo quando lhe pergunto a respeito. “Não precisa nem ser nas profundezas do oceano: na areia da praia que as pessoas vão tem organismos ainda não conhecidos, no terreno baldio em São Paulo tem espécie nova de sapo”. Toledo estuda os anfíbios, e recentemente coordenou uma pesquisa que descobriu uma nova espécie de rã: a Pseudopaludicola jaredi. Encontrada na caatinga, nos estados do Ceará e do Rio Grande do Norte, a nova rã pôde ser diferenciada pelo som. “Cada espécie tem um canto diferente. Então às vezes, indo pro mato, a gente acaba escutando uns cantos que a gente nunca ouviu, e aí com a análise do DNA consegue descobrir que é uma espécie nova”, conta o biólogo.

 

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Luis Felipe Toledo. Foto: Arquivo pessoal

 

E por que não explorar o passado? “Tenho todo dia a possibilidade de me deslumbrar com a realidade da extinção e a enormidade do tempo geológico. É uma grande lição de humildade, ‘ressucitar’ os nossos ancestrais biológicos e olhá-los nos olhos. Eles têm muita história para contar”, relata a paleontóloga Aline Ghilardi, líder de uma equipe que, por meio de um osso fossilizado, descobriu uma nova espécie de dinossauro na cidade de Sousa, na Paraíba.

 

 

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Aline Ghilardi. Foto: Arquivo pessoal

 

 

“Novas ferramentas para buscar mais conhecimento estão sendo desenvolvidas a todo instante. Temos muita gente trabalhando por isso”, diz Aline. “Em breve, vamos quebrar mais uma fronteira. Alguns colegas dizem que é o espaço, mas eu te digo, com a minha experiência como paleontóloga, que ainda temos muita coisa para descobrir por aqui mesmo”.

 

 

Ambos os pesquisadores com quem conversei são apenas dois exemplos das infinitas possibilidades de descobertas que podem ser feitas na Terra – não só de novas espécies, mas também novas tecnologias, novos avanços na medicina, entre muitas outras. Talvez sejamos os filhos do meio da história, mas essa posição não me parece menos interessante que as outras. Não vivenciamos a descoberta do Novo Mundo, mas temos vários novos mundos aqui, esperando para serem explorados.

 

Patas, pés e bicicleta

 

Por Amanda Oliveira e Isadora Vitti

 
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Foto: Arquivo pessoal
 

Leandro sente o vento descabelando seu cabelo curto. Pedala mais rápido, pedala mais forte. O som da corrente da bike mescla-se com os versos tristes de Aguapé, de Belchior. Nada nada nada nada. Absolutamente nada, diz o refrão. No cestinho da bicicleta preta com banco vermelho está Odara. Cachorra viajante tamanho médio pêlo comprido, um pouco aflita de não encontrar seu companheiro logo atrás. Mas logo El Loco chega, cheio de energia e excitação. Correndo louco com a língua pra fora atrás da bicicleta. Leandro lembra que deixou as lágrimas rolarem livremente, logo quando toca a terceira estrofe da canção. Como eles tinham parado nas estradas do Uruguai, a mais de 1.300 km de distância do solo brasileiro? Foi preciso um acidente de moto em 2009, uma bicicleta e uma primeira viagem que mudou a vida do jovem.

 

 

Em uma ultrapassagem mal sucedida, ele, de moto, colidiu com um cara no caminho de São Paulo a Ubatuba. Dia seguinte ao Natal, muita gente comendo a ceia da noite anterior, mas Leandro estava no hospital. Tudo estava quebrado: sua mão, bacia, um quadro bem sério. Trabalhando como bartender na capital, o jovem viu sua vida mudar totalmente. Imobilizado por três meses, decidiu que ao sair dali, seria uma nova pessoa, um novo Leandro. Ideias começaram a pipocar em sua mente. Por que não aproveitamos a saúde que temos para a explorar o mundo? “O corpo é a nossa máquina, a gente não precisa de nada”.

 

 

O jovem resolveu comprar uma bicicleta e começou a fazer longos percursos entre um bairro paulistano e outro. Um ano mais tarde chegou a Odara e a vontade de percorrer um destino maior. Não deu muita bola a seus familiares e amigos que insistiam para que ele não fosse, com medo da sua bacia ainda estar ruim. Era meio aquariano ao quadrado, sabe? Juntou poucas roupas, pediu férias no emprego, pegou a bicicleta… e Odara. A border collie não podia faltar, é claro. Tratou de colocá-la numa cestinha improvisada atrás da bike – caixa de plástico sem luxo daquelas de supermercado – e foi. Apenas mais um rapaz latino-americano sem dinheiro no bolso seguindo um impulso porque deu na telha. Ele, ciclista de primeira viagem, escolheu a rota da Estrada Real, de Ubatuba a Ouro Preto.

 

 

Foram 18 dias até chegar ao destino. Em pleno ritmo do carnaval de 2012, os viajantes alcançaram a cidade de Ouro Preto. Odara costumava ficar na sua cestinha, quietinha, sem saracotear ou pular para fora, só nas subidas íngremes tinha que caminhar. No segundo dia veio uma das partes mais difíceis da viagem. “Eu tive que subir 1600 metros em uma estrada de terra que só fusquinha conseguia passar”. A travessia da fronteira física virou seu mote pra continuar a viagem, quebrou esse paradigma de que ele não era capaz.

 

 

Mas, para [in]felicidade dos ciclistas que fazem o percurso, a Estrada Real não tem só uma subida. Nas outras várias pelo caminho, os três tinham que decidir se iam andando, pedalando ou se paravam e voltavam atrás. Ou melhor, os três não, um. Eles se entendiam através de olhares e gestos sutis, era como se fossem um só: um cachorro-humano-bicicleta. Leandrodarabike. “Eu comecei a ter uma maior telepatia com a Odara, se ela levantava a orelhinha eu já sabia que tinha acontecido alguma coisa”.

 

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Foto: Arquivo pessoal

 

 

Depois da sua primeira viagem, não dava pra ficar parado em São Paulo, sua vida não era mais a mesma, mesmo se quisesse. Em plena Copa de 2014, resolveu se aventurar em uma nova viagem. Dessa vez suas pedaladas atravessariam o Uruguai e, em meio ao litoral da cidade de José Ignacio, no dia 17 de junho, surge um novo personagem na história. Grandão, pêlos curtinhos e lisos, um tantinho branco e o resto corzinha marrom clara, cor de cachorro mesmo. Ele não abandonou os novos amigos, lutou até contra o vento que acelerava a bicicleta a 35 km/h. “Parecia um tourão correndo”.

 

 

Leandro teria que atravessar uma balsa e pensou que seria um adeus para o companheiro. Mas a situação foi outra:  “A balsa saiu da margem e o cachorro pulou para dentro. Agora eu seria responsável por ele”. O cachorro entrou para família e foi batizado de El Loco, já que seu comportamento tinha uma boa pitada de loucura.

 

 

Pedalar por aí permitiu que Leandro desconstruísse a ideia de que a bagagem da vida tem que ser repleta de recursos para se alcançar a felicidade. “Eu me senti muito como um cachorro selvagem sem frescura. Tava comendo lavagem de galinha… e era mó delicia”.

 

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Foto: Arquivo pessoal

 

 

Chegar em São Paulo não foi uma adaptação fácil. “Na volta, eu não consegui me adaptar muito aqui, não tinha motivação aqui”.  

 

 

Formado em audiovisual, hoje Leandro trabalha dando algumas oficinas. Agora um viajante de carteirinha, o jovem já marcou seu próximo destino no mapa: Logo estará deixando os seus rastros por outros países da América Latina em uma motorhome, sua nova casinha a 4 rodas.

 

 

 

É centro ou é norte?

 

Por Julia Moura

 
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Foto: Julio Viana

 

 

Com a elaboração da nova constituição em 1988, o governo aproveitou para atender uma solicitação popular centenária: a divisão do Estado de Goiás e a criação do Tocantins. Os moradores do norte goiano tinham uma realidade e necessidades diferentes daqueles no sul. Com o território vasto e de extremos díspares, a solução encontrada foi a separação. Dia 1 de janeiro de 1989, nasceu o Estado de Tocantins.

 

 

Mas, por que o pedido que havia sido negado por duas vezes foi aceito e uma nova linha no mapa foi traçada? Aliás, como deveria ser essa linha? Por que depois do rio Traíras deveria deixar de ser Goiás? Qual critério justificável por trás da regra que diz que desde o 13° paralelo até o Bico do Papagaio é Tocantins?

 

 

As respostas para estas questões não chegam a um consenso e nem sempre são satisfatórias. Uma justificativa seria que um novo estado, com um governo próprio, daria a devida atenção à região e traria o tão esperado desenvolvimento. Apesar da lógica administrativa, a decisão não deixa de ser arbitrária em certos aspectos. Até hoje existem 844 imóveis no interior de Tocantins que, oficialmente, pertencem a Goiás.

 

 

Apesar das adversidades, para Paulo de Tárcio e sua família, que era goiana e agora é tocantinense, a criação da nova fronteira não teve tanto impacto. A grande questão foi a escolha da nova capital. As opções eram Araguaína, Paraíso do Norte e Gurupi. A vencedora foi a inexistente, até aquele momento, Palmas.

 

 

“Eu ficava muito em Araguaína por causa da família, que inclusive mora lá até hoje. Durante a escolha da capital, as pessoas comentam que Sarney não permitiu que ela fosse escolhida porque era próxima da cidade de Imperatriz, no Maranhão, e ele não queria prejudicar a economia do seu estado”. Verdade ou não, Palmas para o Sarney.

 

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

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