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Arcos e flechas

 

Por Rafael Bahia

 

Arcos e flechas (4) (Crédito_ Coletivo Vie La En Close)

Rafael Hayashi prende os cabelos longos, compridos e negros em um coque por trás da cabeça. Com as têmporas raspadas e os olhos puxados como seu sobrenome sugere, ele parece mesmo um samurai. Ao menos é assim que brinca Enivo, ele também com os longuíssimos dreadlocks atados à nuca. Mas, por mais marcantes que sejam, não foram essas as feições que estiveram sob os holofotes midiáticos poucos meses atrás.

Os dois artistas estão por trás de uma das obras que estampam os vãos dos Arcos do Jânio, ali na avenida 23 de Maio. As famigeradas feições são aquelas de um grafite ilustrando o que era para ser um homem negro, mas acabou interpretado como um retrato do ex-líder venezuelano Hugo Chávez. Os grandes veículos de imprensa logo se apressaram a contatar Hayashi para a a fatídica pergunta: era ou não era?

“Foi sem querer querendo”, ri Enivo. “A gente juntou cinco artistas para fazer uma coisa legal, que não tivesse marca-d’água de nenhum de nós. Aí pegamos uma de várias imagens do Rafa e fomos lá numa madrugada.” Mas, no plano artístico, ser ou não ser é questão subjetiva. E o grafite é arte.

A afirmação parece descabida em tempos onde essa vertente da arte urbana aparece na novela das oito e em propagandas da Coca-Cola, mas pintar muros da cidade em público gera um retorno imediato da audiência. “A cada cinco minutos alguém passa e fala alguma coisa, muitos elogios, mas também muitas críticas”, diz Enivo, que nem sempre pede autorização para grafitar e, por isso, já teve seus incidentes com a polícia.

Rafael prefere fazer da periferia sua tela, e pede licença para pintar. Mas reconhece: “A essência do grafite é ser ilegal, é a contravenção mesmo”. A estética é apenas um lado de uma arte com potenciais múltiplos: o protesto social, a ocupação do espaço urbano. Isso, é claro, enfrenta resistência do poder público, com seus policiais e inexoráveis pincéis, como na história em que a prefeitura removeu, por engano, desenhos enormes na própria 23 de Maio. Cada grafite apagado, porém, é o surgimento de uma nova tela para ser preenchida.

Um episódio, que diz muito sobre a desaprovação do público, foi este protagonizado por Enivo e Rafael, quando sua obra amanheceu rabiscada com o inconfundível desenho de um pênis.

“A partir do momento em que termino a arte, ela não é minha: é da rua”, fala Enivo. “Mas aqueles rabiscos foram uma manifestação ridícula de um bando de fascistinha. Aquilo não é pixação; pixação é outra coisa. O prefeito Haddad me ligou para conversar. Disse: ‘Se foi mesmo a intenção, assumam. Vocês têm meu apoio.'” Mas o desenho do homem, com todas as interpretações e opiniões que fomentou, já virava personagem principal de um debate ao qual não pertencia. “O que ficou claro é que estávamos sendo usados em um jogo político bem mais amplo que aquele grafite”, Rafael acrescenta. “Fomos os bodes expiatórios.”

Os artistas sabiam que aquele seria um ponto de muita visibilidade. “Mas o local era fechado com grades, era sujo, abandonado, tinha gente que se abrigava lá.” Quando os desenhos surgiram, de repente, o valor histórico do monumento reapareceu e os Arcos se tornaram intocáveis. Se a vida imita a arte, a obra de Enivo e Rafael trouxe consigo uma profusão de concepções, ideias, de reflexões, de protestos, ideais políticos… O grafite, no entanto, ainda se mostra para quem vem da Zona Leste e pega a alça de acesso à 23. Agora, porém, com os olhos vendados e a boca calada.

 

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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