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Do studio ao feudo: um diálogo através dos séculos

 

Por Ana Gabriela Zangari Dompieri

 

─ Estive pensando… Porque eu sou eu, Ricardo, e não ele, Lucas? Meio estranho né, mas tipo assim, como eu exerço esse “ser eu e não ele”.

Aristóteles cochicha para si em sua cadeira “pois bem, garoto, a começar pelo fato de que vocês são feitos de matérias diferentes…”

─ Interessante. Chegou a alguma conclusão?

─ Bom, eu acho que, reparando melhor, uma coisa importante é a independência financeira. O Lucas, por mais que seja meu irmão, não tem isso ainda. É algo que nos diferencia… E também permite que eu me diferencie do meu pai; se não fosse isso era provável eu ainda estar morando lá e fazendo Direito, tal qual ele.

─ E onde você mora hoje?

─ Eu moro num apartamentinho bem pequeno, se chama studio. É um prédio. Várias pessoas moram em cada andar, mas o espaço que cada um tem é nada maior que o suficiente. Hoje quase tudo está ficando on-demand.

Jeff Bezos sorri com o canto da boca. Os inventores do Taylorismo se entreolham, satisfeitos.

─ Hum… Sobre o “não mais que o necessário”, temos algo em comum. Aqui é assim que funciona, nossa comunidade é autossuficiente em quase tudo. E eu moro com várias pessoas também. Ainda mais se você considerar o feudo inteiro. Mas, mesmo assim, espaço não falta.

─ Nossa, mas você não se sente preso? Minha casa é pequena, mas eu me sinto livre, porque posso fazer o que eu quero quando eu quero. Ir aonde quiser. E liberdade eu também diria que é essencial para que eu possa exercer aquele “ser eu” de que falava. Poder fazer escolhas…

Locke e Sartre assistem orgulhosos.

─ Temos escolhas. Escolho entre trabalhar, fugir e morrer. Os últimos dois são quase o mesmo, na verdade. Lá fora as coisas são piores… Apesar dos pesares, gostamos de estar entre os muros do nosso senhor.

Marc Bloch fuzila Marx com o olhar e comemora: “eu falei! não é só exploração; eles são parte ativa na relação de servidão, eles trocam mão de obra pelo serviço militar dos nobres”. “ok, Marc, se acha que isso te dá toda a razão…”

─ Que difícil! Bom, mas é isso então, você não sente a necessidade de ser diferente?

─ Olha, aqui cada um sabe bem o seu lugar, somos muito diferentes na largada, não preciso me esforçar pra isso. Sou Asher, filho de Francis e Marilen, servo do arquiduque Hemmingway. Meu sangue me define.

─ Mas você não quer escalar nada mais para si? Pôr algo de seu no mundo?

Um par de coaches observa debruçado na cadeira, intrigado.

─ Bem, eu acredito que estar escalando meu lugar no céu. E isso é muito; até para se dizer.

─ E seus interesses pessoais?

─ É do meu interesse que tenhamos o que comer. Do meu e de todos, que os clérigos estejam rezando por nós. E também que os nobres guerreiem, se preciso for, para defender as terras onde moramos. Meu interesse é o interesse de todos, vê? O seu é só seu?

─ Bom, sim… Vocês são bem unidos então. Aqui, pela Constituição, todos somos iguais, mas acho que o que mais nos aproxima é a vontade de sermos diferentes uns dos outros. Você tem que tentar fazer quem você é.

─ Nossa… Que difícil.

 

Colaboradores: Oswaldo Akamine Júnior, doutor em Direito pela USP  na área de Filosofia e Teoria Geral do Direito e professor de Filosofia do Direito na Facamp.

Como se fosse máquina

 

Por William Nunes

 

 

A câmera

 

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Olá. Sou a Sony, câmera de um prédio de classe média da zona sul de São Paulo. Preciso contar uma coisa que tenho reparado nas pessoas daqui. É engraçado… elas não pegam mais elevador juntas. Acho que esse tal de capitalismo transformou todos em uns robôs autosuficientes, individuais demais.

 

Outro dia, a Sheila, moradora daqui, estava cheia de compras na mão e não estava conseguindo abrir a porta do elevador. Logo atrás vinha o seu Antônio. Mas ela não pediu ajuda, não. Se apressou em colocar as sacolas pra dentro do cubículo e ó… Se mandou pro nono andar. Ela conseguia sozinha! Outra vez foram a Maria do Rosário e a Nena. Eu só observava pelo infravermelho. As duas foram até o vigésimo primeiro mexendo no celular. E nem falaram do tempo! E aí se deram um boa noite, tipo quando o Windows desliga, sabe? Automático. Fico pensando se elas não estavam preocupadas demais com esse tal de dinheiro e esqueceram de se falar, né? Porque é disso aí que muitos humanos precisam pra sobreviver. Sou só uma câmera de segurança, mas sei disso. E me contaram que ai! de quem não tiver… não sobrevive! Então deve ser normal a Nena e a Rosário não terem se falado. Elas precisam sobreviver.

 

É engraçado… o elevador devia unir mais as pessoas daqui do prédio. Parece que tudo o que essa tecnologia e esse tal de capitalismo tocam, eles separam, transformam em máquina. Até os humanos.

 

Mas, enfim, não sei do que estou falando. Eu sou só uma câmera de segurança…

 

Precisamos teclar

 

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Filho, precisamos ter uma conversa. Você não está colaborando com as coisas da casa. Não é justo eu trabalhar o dia inteiro, chegar, e a casa estar uma zona. Eu não aguento mais essa situação e, se as coisas não mudarem, vou ter que tomar algumas atitudes e cortar alguns privilégios, porque a casa é minha. Outra coisa: a gente anda muito afastado, você não conversa direito comigo, não conta pra mim como andam as coisas quando tento puxar papo. Sou sua mãe e acho que mereço um pouco mais de respeito. Vivemos debaixo do mesmo teto e, por mais que as coisas estejam difíceis, somos só nós dois e precisamos um do outro. A gente precisa conversar mais, porque nessa casa não tem diálogo.

 

Visualizada às 13h06

 

Pane

 

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Cinco em ponto. Funcionário 5246 da Volkswagem do Brasil. Era ele quem acordava o despertador. Iniciava. Escovava os dentes. Punha uma roupa. Calçava as botas. Dava um beijo na mulher e ia. Chegava. Batia o ponto. Entrava e agora só via metade dos colaboradores que via antes. A outra metade virou parafuso, metal, fluido em lugar de articulação. Segundo estatísticas, caíram pela metade também as oportunidades de se encontrar, conversar e integrar. O chefe agora o chama. “O funcionário 5246 está sendo desligado”. Pane no sistema.

 

*

 

Cinco em ponto. Funcionário 5247 da Volkswagem do Brasil. Era ele quem acordava o despertador…

 

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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