Saio do trabalho às 17h, depois de um dia de muito cansaço e encheção de saco, metas, espiadas no Facebook, quem é o líder do BBB, mais metas e mais encheção de saco. Voltar pra casa é tudo que eu mais quero na vida. Mas eu e outros 4 milhões de pessoas que usam o metrô de São Paulo diariamente ainda temos um último desafio: enfrentar a superlotação.
Nesse horário o número de pessoas parece ainda maior. Chego na estação, procuro meu Bilhete Único na bagunça da minha bolsa e não demora muito pra se formar uma fila atrás de mim. Três pessoas batendo o pé, olhando impacientes, murmurando alguma coisa. Me apresso.
– Vai logo, vai logo. Pega esse bilhete. Acorda!
Finalmente passo pela catraca. Mal consigo andar do outro lado.
Com paciência vou progredindo na fila até chegar à escada rolante. Aaaai! Sou empurrada por um apressadinho e me desequilibro. Esbarro em outras pessoas e já vou me desculpando. Desço um lance de escadas e a multidão só aumenta. Impressão minha ou está mais quente aqui dentro? Sou empurrada mais três, quatro vezes. À próxima pessoa que tenta furar a fila já dou uma cotovelada.
– Aqui não, queridinho!
Ele balbucia algumas coisas enquanto me olha de cara feia.
– Eu tô atrasado.
– Atrasado pra chegar em casa? RESPEITA A FILA – eu grito.
– É! Respeita a fila. – Tá todo mundo com pressa. – Olha a moça. Tenha mais cuidado. – Ai, como as pessoas são mal-educadas aqui, né? – Todo dia tem um filho da puta querendo levar vantagem. – O governo tem que dar o exemplo. – Também, com a inflação do jeito que tá…
Pokemon, eu escolho você!
Depois de alguns lances de escada e muita gente folgada, não existe mais paciência, muito menos gentileza. Conforme as pessoas vão se distanciando da superfície parece que também vão perdendo a noção da realidade e a transformação começa. Apagam-se as luzes da sanidade e salve-se (ou sente-se) quem puder.
A ÁREA PRÓXIMA ÀS PORTAS É RESERVADA…
Ninguém escuta mais nada. É gente correndo, empurrando, amassando. Conforme vamos nos aproximando da plataforma, o desespero aumenta e os Pokemons vão ganhando mais poderes. Dois corpos ocuparem o mesmo espaço é claramente possível para eles. Seus rostos franzidos, fechados, são rostos de quem vai pra guerra. Sai da minha frente que eu quero passar.
E passa. Quando o primeiro metrô passa a transformação já está completa. Os Pokemons assumem diversas formas. Saltam, voam, atropelam os semelhantes. Claramente não cabe mais ninguém. Todo mundo já está espremido sendo obrigado a ficar com a cara na axila de fulano, ou com o braço encostando nas partes de beltrano. Para entrar no vagão, vale tudo. Ele gruda no cabelo da coleguinha e fica aboletado ali. Miga, nós vamos conseguir juntas! – ele pensa.
Alguns enfiam metade do corpo, ficando com um braço e uma perna pra fora. Como se os minutos extras que o trem fica parado na estação até a porta se fechar fossem magicamente abrir um espaço e fazê-lo caber ali. E o pior é que por alguma super habilidade o danado se enfia.
Dentro do vagão encontram-se diversas espécies. Tem sempre um Charizard soltando fogo. Ele fala alto. Reclama do calor, do fedor, das pessoas encostando. Sempre há também um Squirtle: carregando sob o casco duas bolsas, três mochilas, sete sacolas. Batendo na cara de todo mundo enquanto corre – sempre correndo – pra pegar aquele metrô. E tem que ser aquele. Não pode ser um igualzinho que passa três minutos depois. Outros insistem em parar bem na porta. Já fica ali garantindo a descida daqui a 14 estações, e se você falar alguma coisa, ele solta raios e trovões.
PRÓXIMA ESTAÇÃO PARAÍSO
No meio da pancadaria entre diversas espécies e evoluções dos Pokemons, entra uma grávida. HUMANA!, apita o sinal da cabeça dos bichinhos. Logo eles abrem espaço, se apertam daqui, empurram dali, escorraçam o Bulbassauro sentado pra dar lugar à mestra. Parece que só ela é realmente capaz de acalmar os ânimos. Talvez porque quando a vejam se sintam humanos também. Existe amor em SP?
AGRADECEMOS A COLABORAÇÃO