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Perguntar é preciso

 

Por Guilherme Weffort e Pedro Gabriel

 

Hoje, mais do que em muito tempo, temos milhares de perguntas e pouca ou nenhuma esperança de resposta. A pandemia, o confinamento e a distância das pessoas que gostamos parece ampliar e diversificar nossas reflexões e questionamentos. O vírus tem cura? Qual ministro cai essa semana? Quantas histórias foram interrompidas? Será que nossos laços seguirão os mesmos após a quarentena?

É certo que foram as perguntas que nos trouxeram até aqui. A busca pelas respostas resultaram em invenções que reformularam nossa maneira de viver, e nos levaram a novas perguntas, que nos trouxeram novas respostas, e assim sucessivamente, até os dias atuais.

Qual a origem do Universo? De onde vêm os bebês? Existe vida inteligente fora da terra? Estas grandes perguntas, que se transformam e se atualizam com o tempo, são as que nos deixam mais ansiosos. Quantos não querem saber nenhuma das respostas para as perguntas apresentadas acima?

Mas não é só a busca por marcianos que move nossos questionamentos. Muitos de nós estão dia após dia buscando entender a si mesmos. Ou saber se suas paixões serão correspondidas. Ou se conseguirão achar o verso perfeito para os acordes de uma canção.

Perguntas bobas? Menores? Nada disso. Todas elas valem muito. Assim como vale uma criança que deseja conhecer o mundo, ainda que seu mundo tenha fronteiras muito menores que as de um astronauta.

Das pequenas às grandes perguntas, é nosso dever seguir perguntando. Questionar sempre é uma das chaves para seguirmos em frente, como indivíduos ou como sociedade. E caso existam perguntas as quais não conseguimos, ou não temos conhecimento para responder, é nosso dever apoiar quem tem. Para curar um vírus, ou para curar o ódio, sigamos perguntando.

Uma pitada de perguntas e criatividade a gosto

 

Por Mariah Lollato

 

“Deixa eu dar uma pancada na orelha do leitor.” É esse o objetivo de André Balbo, escritor e editor da revista literária Lavoura, ao iniciar um conto. Impactar quem está do outro lado também é o que desejam Edgar do Cavaco, compositor, e Lígia de Campos, atriz do grupo de teatro Esparrama. Perguntar para gerar reação os movimenta.

“Qual mensagem quero passar ao me sentar para escrever?”, se questiona Edgar, a cada nova canção. Compositor profissional, a música é, para ele, além de meio de vida, uma maneira de tocar o público. O mesmo acontece com o grupo de teatro de Lígia, que estuda conexões entre infância, cidade e arte. 

Para atingir seu objetivo, é preciso que Edgar se indague sobre a melhor maneira de construir uma história: “Em que formato ela será composta? Qual será seu fio condutor?” Como o compositor, André e Lígia também levantam questionamentos relacionados à narrativa. No caso dos romances, os personagens tem papel fundamental dentro dela. Por isso, o escritor se pergunta se quem surgirá primeiro será a história ou se a narrativa será construída para dar lugar a um personagem já idealizado. 

Além destes questionamentos, Lígia enxerga também vínculo entre dúvidas deixadas por um espetáculo e o surgimento de outro. É o caso de Navegar, obra criada com base em perguntas sobre o imaginário das crianças acerca de São Paulo, que o grupo se fez ao fim da peça anterior. Para respondê-las, uma pesquisa ouviu dos pequenos o que a metrópole significava para eles. O resultado foi transformado em espetáculo, e contou-se uma nova história. 

“A consequência de nossas peças tem sido perguntas. Outros questionamentos vem e isso é maravilhoso, porque alimenta o grupo”, conta a atriz. Na literatura, André também se depara com a tentativa de responder em novas obras questões deixadas pelas anteriores. Isso acontece no uso do humor em seus textos: o escritor busca que ele sirva à mensagem do conto, sem que se limite a apenas um vício.

Edgar, por outro lado, não vê conexão entre a jornada vivida em uma composição e o surgimento de outra. “Quando começo uma música, começo do zero”, diz. O que confirma: as dúvidas levantadas são distintas. Mas, entre os três autores, o que não falha em se repetir é o processo de fazer perguntas, combustível para continuarem criando

 

“Direito de permanecer em dúvida”

 

Por Caio Santana

 

Imagine que você acabou de entrar numa sala fechada, está sentado e uma grande luz aparece iluminando seu rosto. A seguinte frase ecoa: “você tem direito a um advogado e a permanecer em silêncio, qualquer coisa que disser poderá ser usado contra você”. Era uma prisão em flagrante e o suspeito foi encaminhado para uma sala, onde seria feito um interrogatório policial pelo delegado de plantão.

O que? Está pensando que o suspeito é você? Não. A sala descrita no começo do texto era de cinema e o que você imaginou era apenas o início de um filme policial americano. Aquela frase é conhecida, né? É o Aviso de Miranda, que surgiu graças a um famoso caso que aconteceu nos EUA em 1963: o Miranda versus Arizona. Um homem foi acusado de um crime, assumiu os atos, foi condenado, mas não foi lhe alertado sobre o direito de ficar calado e ter um advogado ainda na etapa do interrogatório policial, erro que levou a defesa a recorrer da decisão e ganhar na Suprema Corte, anulando a condenação.

Desde então, os países do ocidente alertam com precisão sobre esses direitos, explica Yuri Felix, diretor do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM). Caso você cometesse algum crime ou estivesse sob alguma investigação, também ouviria a frase vinda de um agente policial brasileiro, já que esse direito está garantido na Constituição de 1988. 

Certamente foi o que ouviu Mateus Santos* (nome fictício), cliente do advogado Caio Almeida, solicitado para interrogatório policial na Polícia Federal por supostas movimentações atípicas na sua conta bancária nos últimos cinco anos, identificadas pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).

Ele estava nervoso. Muito nervoso. Mas ao entrar na sala o delegado foi bastante solícito com ambos. Para se precaver, Mateus levou um dossiê com toda sua movimentação bancária dos últimos 15 anos. Passada a primeira etapa das perguntas pessoais como “Qual seu nome? Idade? Profissão?”, o delegado partiu para as perguntas específicas sobre as movimentações financeiras consideradas atípicas pelo relatório do Coaf. “De onde veio essa movimentação de 3 anos atrás? E essa de 4?”, lembra Almeida, recordando que seu cliente respondia, mas teve um momento que não conseguia mais responder.

Até que Caio e outro advogado de Santos tem a ideia de pedir licença ao delegado e perguntam se ele poderia pegar seu cartão de crédito, mostrando-o ao interrogador. Foi uma só pergunta dos advogados, que viram seu cliente em apuros por algo que ele tinha certeza que não tinha feito. Estavam certos. Ao verificarem os números do cartão, um dígito era diferente. Não tratava-se de movimentações de Mateus Santos. O relatório do Coaf errou. 

Naquele momento constrangedor, o delegado pediu desculpas e encerrou o interrogatório, arquivando o inquérito policial. “O erro do dígito fez eles investigarem um inocente. Se Santos não tivesse acompanhado de advogados, aquelas situações teriam sido super suspeitas pelo meu cliente não saber explicar as próprias movimentações”, argumenta Caio Almeida. É por isso que além de ser uma etapa de um inquérito policial importante que pode mudar os rumos de uma investigação, o interrogatório policial serve como meio de defesa do suspeito e a presença de um advogado se faz muito importante nesse momento.

 

*O nome foi alterado para preservação da identidade da pessoa em questão

 

Colaboradores:

Caio Almeida – mestre em Direito Penal e Criminologia pela Faculdade de Direito (FD) da USP, professor do IntroCrim (Introdução à Criminologia) e advogado.

Yuri Felix – doutor em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), diretor do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM).

Guilherme Silva Araujo – presidente da Comissão de Assuntos Prisionais da Ordem dos Advogados do Brasil Santa Catarina (OAB/SC) e professor de Direito Penal do Centro Universitário Estácio de Sá-SC.

 

Clicar ou não clicar ?

 

Por Laura Scofield

 

Sonolento, Caio acordou e seguiu para o banheiro. Não conseguiu entrar. Deu um pulo quando, na porta, desceu um banner com uma promoção de livros de um autor que ele conheceu ontem à noite. Se desvencilhou e jogou uma água no rosto. 

Foi pra cozinha. Chegando lá, de novo os livros. Dessa vez ficou mais difícil se esquivar. Denunciou o anúncio. “Por quê?”, o banner perguntou. “Não quero ver o anúncio”, respondeu. Coisa estranha, ele nunca tinha dito que queria. Ficou em silêncio, olhou para os lados. Se sentia vigiado.

Ao fazer seu café, questionou por que não tinha uma máquina da Nespresso. Ele sempre erra na medida, fica forte ou fraco demais, com muito ou pouco açúcar. Mas tudo bem, focaria no encontro com a Fê mais tarde. Estava animado. “Que tipo de bar ela curte?”, soltou.

Vestiu suas roupas e foi para o elevador, onde se deparou justamente com o que precisava. “Que coincidência!”, exclamou. A TV indicava “10 bares apaixonantes em São Paulo”.

Na rua, num terreno até ontem badio, hoje amanheceu uma loja da Nespresso. E, uau, a máquina de café estava na promoção! Parecia um sinal divino, ele teria que comprar.

Na esquina, um outdoor com mais dicas de bares. Quase foi atropelado quando, ao atravessar a rua, deu de cara com o mascote de seu time. Ele oferecia dois ingressos pro jogo de amanhã. Caio nem era tão fã. Contornou e seguiu. 

O dia foi intenso. Ele trabalha com marketing digital e em um meeting discutiu com sua boss sobre uso de dados. “Todas as interações na internet podem ser captadas”, disse Marina¹. “Os buscadores usam isso para ajudar na construção de uma melhor ‘experiência do usuário’”, complementou Raquel². Já eles usavam para entender seus clientes.

A grande questão era que não sabiam trabalhar com as novas regras da lei de proteção de dados, que começaria a valer em 2021. Reunidos, estavam justamente tentando entender o que mudaria com a LGPD. Parece que a lei tinha surgido para proteger o usuário e estabelecer limites seguros para o uso das informações.

“Os dados precisam ter uma finalidade. As coletas devem ser proporcionais e não excessivas”, trouxe Raquel. “São recursos valiosos, não à toa chamados de ‘o novo petróleo da economia mundial’”, terminou Marina. Caio só conseguia pensar em quanto isso custaria. A crise já chegava na empresa. 

Terminado o expediente, foi encontrar a Fê e, com ideias em mente, estava animado.

Foi então que ela ligou. Para atender a ligação, fechou um pop-up com um curso para adaptar sua empresa à LGPD gastando pouco. Estranho. “Vamos pra sorveteria?”, perguntou a garota. “Quero um sorvete desde ontem, e hoje por acaso conheci um lugar novo.” Decepcionado, topou. Nada romântico.

Caio antes pensava que Fernanda combinava com ele, mas não mais. Ele questionava A, ela indagava B. Ele queria uma cafeteira elétrica e ela só gostava de chá. Acreditam que ela nem lia? Claro que ele também não lia tanto, mas o novo autor mudaria isso.

Saiu do encontro contrariado, cada vez mais certo de que a interação humana não era pra ele. Morreria sozinho.

Chegando em casa, recebeu desconto pro Tinder Pro (e os livros sem frete).

 

Colaboraram: 

¹Marina Pita, coordenadora executiva do Coletivo Brasil de Comunicação Social e especialista em direitos digitais e telecomunicações

²Raquel Saraiva – Presidente do IP.rec – Instituto de Pesquisa em Direito e Tecnologia do Recife  (www.ip.rec.br), membro da Coalizão Direitos na Rede; advogada e doutoranda em Ciência da Computação pela UFPE

(As falas foram inspiradas em entrevistas feitas com as especialistas, não são a reprodução completa)

 

O que não sai da minha cabeça

 

Por Crisley Santana

 

Luiza estava exausta. Não havia dormido direito, estava muito preocupada, para variar. “E se me demitirem?”, perguntava-se, sentindo o coração palpitar. O travesseiro, naquela noite, não passou de um lembrete de todas as tarefas que ainda estavam por concluir no escritório. 

Nos últimos meses vinha sentindo muita dificuldade de se concentrar, o que fez os afazeres se acumularem. “E se estiverem todos falando de mim, por isso?” inquietava-se enquanto observava os colegas conversarem.

“Ei, Lu. Pode me ajudar com esse item aqui?“. “É claro que não! Estou muito ocupada!” Esbravejou. Sentia os nervos à flor da pele. Não queria ter tratado o estagiário daquela maneira, mas não conseguiu evitar.

A irritabilidade já era parte do seu cotidiano. Tanto, que ficou conhecida como “aquela do pavio curto”. Porém só ela sabia porque se sentia assim. Só ela, e seus músculos, sempre tensos e doloridos.

Foi depois da primeira crise que decidiu descobrir o que sentia. Estava em casa quando aconteceu. Sentiu a garganta fechando, mal conseguia respirar. Deitou-se no chão da cozinha para evitar um desmaio. A sensação de descontrole fazia sentir que o coração explodiria. Chorava desesperadamente enquanto os pensamentos se atropelavam: “e se eu enlouquecer?”

Antes disso, já suspeitava precisar de ajuda, pois seus constantes questionamentos a fizeram sair da faculdade. Não conseguia mais interagir e conviver com aquele estresse diário. “E se não gostarem da minha tarefa? E se não gostarem de mim?”. O estômago chegava a embrulhar. Não era fácil sentir-se tão vigiada.

Talvez não tenha procurado um médico antes por sempre ouvir ser frescura o que  sentia. “É só não ligar para o que pensam”, “não precisa se preocupar tanto”. Sentia-se ainda mais aflita quando ouvia coisas assim. De qualquer maneira, considerou ter sorte. Apesar dos comentários, ao menos sua mãe entendeu porque precisou parar os estudos.

Não era fácil conviver com seu distúrbio. Era difícil admitir para si própria que possuía o tal mal do século, compartilhado por 18,3 milhões de brasileiros. Mas aprendeu a não mais pensar em “e se não fosse assim?”. Precisava admitir: o transtorno de ansiedade generalizada fazia parte da sua vida.

Talvez desde a infância, quando passou a receber apelidos maldosos. Ou por causa daquele relacionamento que despertou-lhe gatilhos. Podia ser genética. Seus pais claramente sofriam do mesmo mal. Não sabia dizer. 

Só sabia que precisava tomar seu ansiolítico do dia e decidir se ligaria para remarcar o horário da terapia. “E se eu faltar para tentar terminar as tarefas? Mais uma vez…”

 

Colaboraram: Carolina Santos Lacerda, Renan Otavyo Ferreira

Fonte consultada: Michelle Binhame, psicóloga clínica

 

Não é só medo de agulha

 

Por Isabella Velleda

 

“Temos uma história de mais de 200 anos de informações que comprova a importância das vacinas. Conhece-se muito, até demais, a respeito delas.” É o que diz Guido Levi, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações. Embora essa noção aparente ser consensual, existem grupos que questionam a sua validade.

Rotulado de negacionista por médicos e cientistas, o movimento antivacina baseia-se na rejeição ao potencial benéfico das vacinas. Isma de Sousa, criadora da página “O lado obscuro das vacinas”, no Facebook, inclusive faz um jogo de palavras, invertendo o rótulo: “Como existem pessoas que vivem nesse ‘negacionismo’ de que vacinas são seguras, quando a realidade prova o contrário?”

As reações pós-vacinação são uma das principais preocupações do movimento. E, para Isma, é difícil enxergar além delas: “Não consigo ver nenhum benefício em estar provocando o organismo continuamente com vírus, metais pesados, formol.”

Para questões como essa, porém, a ciência tem respostas categóricas. Embora todos os componentes citados já tenham sido identificados em vacinas, eles sempre estiveram presentes em quantidades não nocivas ao corpo. Guido, contudo, afirma: “Nenhuma vacina é desprovida do risco de provocar reações adversas; essas, porém, são muito menores do que as das doenças contra as quais elas protegem.”

“E se eu acredito na eficácia das vacinas? Não.” Isma lista como fator conclusivo o que considera uma falta de transparência dos estudos científicos, citando uma pesquisa norte-americana da década de 1960 que não deixava à disposição os ensaios clínicos feitos. Embora hoje exista um amplo acesso a informações dessa natureza, estabeleceu-se uma desconfiança geral com a ciência por parte desse grupo.

Então, o movimento criou a sua própria rede de informação. Jorge Aramuni, administrador da página “VACINAS: o maior CRIME da história”, indica um livro que compila mais de 1200 estudos sobre o tema. Lá, aprende-se, por exemplo, como células de fetos abortados foram utilizadas para a produção da vacina contra rubéola. Enquanto essa parte não é mentira, a informação de que o DNA dessas células poderia se misturar com o DNA do paciente e causar autismo é.

Mas as vacinas nunca foram imunes de críticas. A vacina contra HPV, como um caso pontual, foi repreendida até por médicos especializados, por não ser totalmente eficaz contra a doença que pretende combater. Eno Filho, doutor em epidemiologia, inclusive cita o conflito de interesses nos estudos que fundaram seu lançamento: “Como o câncer cervical é objeto de outras ações preventivas, nada justifica trazer à comparação um produto caríssimo e mal-testado.”

Embora tenham erradicado doenças responsáveis pela morte de milhões, como a varíola, as vacinas ainda estão em constante desenvolvimento. “Agora, dizer que a gente usa a vacina sem estudar, sem tomar precauções, é uma calúnia”, diz Guido. “E depois que ela está disponível, tem todo um segmento para obter informações de possíveis eventos adversos e os seus significados.” As opiniões de médicos sobre o tema, porém, ainda não são suficientes para o movimento antivacina.

 

Boa noite, meu nome é computador. Com quem eu falo?

 

Por Eduardo Passos

 

Você está com um problema em um serviço como banco, internet ou fornecimento de luz. Telefona para o SAC da empresa e logo vê que o estresse está só começando. Vem uma sequência de “aperte 1”, “aguarde na fila” e, por fim, é atendido por um alguém que fornece respostas tão engessadas que fazem pensar “por que simplesmente não colocam um robô para fazer isso, então?”. 

Saiba que, de fato, essa conversa pode ser com bits e transistores, já que muitas empresas vêm optando pelo uso de máquinas no atendimento aos clientes. Chats automatizados estão presentes há mais de uma década, mas o uso da inteligência artificial (IA) vem elevando a prática a um outro nível. Esses chatbots já são muito utilizados em grandes empresas, sendo justamente essa a principal vantagem que Carlos Sabino, diretor da InHouse — uma das maiores empresas do Brasil de soluções de atendimento automatizado — destaca. “O imediatismo da resposta e a linguagem natural permitem atender a uma série de incidentes e operações básicas na organização”, explicou.

A busca por imitar o comportamento humano é tão antiga quanto a computação em si. Esse campo de pesquisa é importante, por exemplo, para evitar situações irritantes como quando chatbots ruins não entendem comandos do tipo “meu telefone não liga”, e respondem coisas como “ligue para nossa central para resolver seu problema”.

Se a intenção é que os robôs pareçam cada dia mais com seres humanos, por que não construí-los para ‘pensar’ como um? É com base nisso que pesquisadores como Eric Antonelo, doutor em Engenharia da Computação pela Universidade de Gent, Bélgica, vêm aperfeiçoando as redes neurais — programas inspirados no sistema nervoso animal. “Neurocientistas possuem ferramentas para desvendar os mistérios do cérebro, criando modelos matemáticos que imitam o funcionamento de partes dele”, detalhou.

Essas redes são capazes de aprender com seus erros e acertos. Assim, toda vez que um cliente reclama de uma resposta inútil e sem sentido, ela é capaz de melhorar e se basear em outra, onde o consumidor nem reparou que se tratava de um robô. Além disso, essas redes sabem ‘improvisar’ interpretações, evitando aquela famosa situação onde você escreve, por exemplo, “perdi meu çartão” (sic) e o chat não entende por conta de um caractere errado.

Enquanto a técnica se desenvolve, entretanto, nos resta “apertar 0 para ser transferido a um operador”.

 

O caminho para o saber não é feito de respostas

 

Por Larissa Silva

 

Você já se perguntou do que são feitas as coisas? Hoje, essa questão pode ser buscada na internet, porém, séculos antes de Cristo, pensadores queimaram os neurônios para respondê-la. Eles não estavam satisfeitos com a resposta de que tudo surge do nada. Mal sabiam que essa pergunta seria uma sementinha para ciência moderna, pois, ao deixarem de lado as explicações da mitologia, abriram o caminho para o raciocínio lógico.

Cada filósofo encontrou sua maneira de responder essa questão, por exemplo, Tales de Mileto, considerado o primeiro filósofo do ocidente, acreditava que a água é a origem de tudo. Já o filósofo Demócrito (546-460 a.C.) defendeu que tudo é feito de minúsculas partículas chamadas átomos. 

Essa ideia foi comprovada no século XIX, com as experiências do químico inglês John Dalton. Porém, ainda hoje não se sabe ao certo o que existe dentro das menores partículas conhecidas, então a grande pergunta do passado, “do que são feitas as coisas?”, continua sem resposta. 

Para a professora de Filosofia, Aline Medeiros, é preciso reformular as perguntas para abrir a possibilidade de novas respostas. Por exemplo, quando se perguntar “como seria a sociedade ideal?”, refine essa questão dividindo-a em outras perguntas, como: 

“O que constitui uma sociedade?”;

“O que queremos dizer quando falamos de algo ‘ideal’?”;

“Que tipo de pessoa faria parte da cidade ideal?”;

“Como podemos garantir a formação desse tipo de pessoa?”.

Sócrates (469-399 a.C.) questionava as pessoas para incentivar a reflexão delas, não para encontrar respostas; para ele, havia muito valor filosófico em uma única pergunta. Então mesmo que não encontre respostas prontas, o trabalho essencial já foi feito, que é questionar o mundo. Para Aline, uma pergunta sem resposta não é indício de falha de inteligência. Mas o primeiro passo na busca pelo saber.

No entanto, será que o valor dela pode ser perdido com o passar dos séculos? De acordo Juliana Missaggia, professora de Ética e Filosofia, a tecnologia ajuda a matar parcialmente a curiosidade humana, afinal, não são todas as respostas que estão a um clique de distância. E esse cenário não irá mudar, pois ao encontrar uma resposta, como as partículas de átomo, outras perguntas surgirão e, enquanto elas despertarem curiosidade no ser humano, não perderão valor.

Colaboradores: Aline Medeiros Ramos é professora de Filosofia na Université du Québec à Trois-Rivières e doutoranda em filosofia na Université du Québec à Montréal, no Canadá. É especialista em filosofia medieval e história da filosofia. Juliana Missaggia é professora de Ética e Filosofia na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).

 

Do studio ao feudo: um diálogo através dos séculos

 

Por Ana Gabriela Zangari Dompieri

 

─ Estive pensando… Porque eu sou eu, Ricardo, e não ele, Lucas? Meio estranho né, mas tipo assim, como eu exerço esse “ser eu e não ele”.

Aristóteles cochicha para si em sua cadeira “pois bem, garoto, a começar pelo fato de que vocês são feitos de matérias diferentes…”

─ Interessante. Chegou a alguma conclusão?

─ Bom, eu acho que, reparando melhor, uma coisa importante é a independência financeira. O Lucas, por mais que seja meu irmão, não tem isso ainda. É algo que nos diferencia… E também permite que eu me diferencie do meu pai; se não fosse isso era provável eu ainda estar morando lá e fazendo Direito, tal qual ele.

─ E onde você mora hoje?

─ Eu moro num apartamentinho bem pequeno, se chama studio. É um prédio. Várias pessoas moram em cada andar, mas o espaço que cada um tem é nada maior que o suficiente. Hoje quase tudo está ficando on-demand.

Jeff Bezos sorri com o canto da boca. Os inventores do Taylorismo se entreolham, satisfeitos.

─ Hum… Sobre o “não mais que o necessário”, temos algo em comum. Aqui é assim que funciona, nossa comunidade é autossuficiente em quase tudo. E eu moro com várias pessoas também. Ainda mais se você considerar o feudo inteiro. Mas, mesmo assim, espaço não falta.

─ Nossa, mas você não se sente preso? Minha casa é pequena, mas eu me sinto livre, porque posso fazer o que eu quero quando eu quero. Ir aonde quiser. E liberdade eu também diria que é essencial para que eu possa exercer aquele “ser eu” de que falava. Poder fazer escolhas…

Locke e Sartre assistem orgulhosos.

─ Temos escolhas. Escolho entre trabalhar, fugir e morrer. Os últimos dois são quase o mesmo, na verdade. Lá fora as coisas são piores… Apesar dos pesares, gostamos de estar entre os muros do nosso senhor.

Marc Bloch fuzila Marx com o olhar e comemora: “eu falei! não é só exploração; eles são parte ativa na relação de servidão, eles trocam mão de obra pelo serviço militar dos nobres”. “ok, Marc, se acha que isso te dá toda a razão…”

─ Que difícil! Bom, mas é isso então, você não sente a necessidade de ser diferente?

─ Olha, aqui cada um sabe bem o seu lugar, somos muito diferentes na largada, não preciso me esforçar pra isso. Sou Asher, filho de Francis e Marilen, servo do arquiduque Hemmingway. Meu sangue me define.

─ Mas você não quer escalar nada mais para si? Pôr algo de seu no mundo?

Um par de coaches observa debruçado na cadeira, intrigado.

─ Bem, eu acredito que estar escalando meu lugar no céu. E isso é muito; até para se dizer.

─ E seus interesses pessoais?

─ É do meu interesse que tenhamos o que comer. Do meu e de todos, que os clérigos estejam rezando por nós. E também que os nobres guerreiem, se preciso for, para defender as terras onde moramos. Meu interesse é o interesse de todos, vê? O seu é só seu?

─ Bom, sim… Vocês são bem unidos então. Aqui, pela Constituição, todos somos iguais, mas acho que o que mais nos aproxima é a vontade de sermos diferentes uns dos outros. Você tem que tentar fazer quem você é.

─ Nossa… Que difícil.

 

Colaboradores: Oswaldo Akamine Júnior, doutor em Direito pela USP  na área de Filosofia e Teoria Geral do Direito e professor de Filosofia do Direito na Facamp.

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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