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Não é de crítica que crítico gosta?

 

Por Julio Viana

 

Toda vez, antes de pagar o ingresso do cinema, a gente escuta:

“Espera um pouco, mas esse filme é bom mesmo?”

“É claro que é bom, eu vi e tem 96% de ranking no Rotten Tomatoes, além de uma crítica aí falando bem que tava rodando pelo Face.”

“Ah então tá.”

O preço do ingresso está, em média, uns 20 reais. Uma quantia valiosa nos dias de hoje. Quem investe quer fazer valer o seu dinheiro. Por isso mesmo, as  tais críticas são os termômetros de segurança nesses casos.

Mas para jornalistas que se propõem a analisar filmes como Matheus Pichonelli, que escreve para o Carta Capital, o “sistema de críticas” é absolutamente relativo: “A ideia é compartilhar a descrição de cenas, momentos e eventos com o público e a produção, e não necessariamente dizer se ela é boa ou ruim, o que em si reduz muito as possibilidades de leituras sobre ela.”

Para ele, o critério para análise de filmes é o contraponto que eles possibilitam em relação a nossa realidade. Segundo Pichonelli: “se ele [o filme] apontar caminhos e ampliar visões sobre determinado assunto que diz respeito a um momento e contexto, mesmo que se passe em um país distante, a análise é sempre válida.”

Hoje, ele prefere não escrever sobre filmes que não gosta, a não ser que seja uma grande produção: “Avaliei de forma negativa alguns filmes logo que comecei a escrever, mas me arrependi delas porque são geralmente filmes independentes que já não têm, de saída, um público formado.”

O trabalho de crítica, portanto, é mais predisposto ao debate do que para muitos aparenta ser. O jornalista conta como foi significativo para ele ouvir de uma leitora que uma de suas análises havia sido heteronormativa, por exemplo.

Não é a toa que ele afirma se arrepender de quase todos os textos que publica. Todos nós já tivemos a experiência de assistir a um filme novamente e ter uma ideia totalmente diferente sobre ele, para o crítico não é diferente. Principalmente em relação a seus textos: “também muda a forma como [a gente] lê, escreve ou interpreta os textos, de modo que alguns anos depois eles parecem algo entre o ingênuo, o antiquado e o insuficiente.”

Ao final do filme, o diálogo é bem diferente:

“Nossa, mas esse bando de gente falando bem do filme e eu não entendi nada.”

“Nem eu, teria sido melhor ter ido ver o filme do Pelé.”

Como Pichonelli também aponta: “há muito filme que a crítica fez troça e que lotou salas de cinema, e muitos elogiados que foram vistos por poucas pessoas.” O crítico, afinal, tem pouco interesse em determinar o sucesso de um filme. Ele quer, simplesmente, bater um papo.

Toda vez, antes de ir ao cinema e pagar o ingresso, se escuta um diálogo mais ou menos assim:

“Espera um pouco, mas esse filme é bom mesmo?”

“É claro que é bom, eu vi e tem 96% de ranking no Rotten Tomatoes, além de uma crítica aí falando bem que tava rodando pelo Face.”

“Ah então tá.”

O preço do ingresso está, em média, uns 20 reais. Se você for pensar, uma pequena fortuna nos dias de hoje. Quem investe essa quantia quer fazer valer o seu dinheiro.

Por isso as pessoas parecem tão obcecadas com a opinião alheia. Principalmente (e paradoxalmente) quando o assunto é algo tão subjetivo como o cinema.

Mesmo para jornalistas que se propoe a analisar filmes como Matheus Pichonelli, que escreve para o Carta Capital, o “sistema de críticas” é absolutamente relativo: “A ideia é compartilhar a descrição de cenas, momentos e eventos com o público e a produção, e não necessariamente dizer se ela é boa ou ruim, o que em si reduz muito as possibilidades de leituras sobre ela.” Ele mesmo afirma que prefere não chamar seus textos de “críticas” por conta dessa opinião. Ao invés disso, as chama de crônicas.

Para ele, o critério para análise de filmes é o contraponto que eles possibilitam em relação a nossa realidade. Segundo Pichonelli: “se ele [o filme] apontar caminhos e ampliar visões sobre determinado assunto que diz respeito a determinado momento e contexto, mesmo que se passe em um país distante, a análise é sempre válida.”

Hoje, ele prefere não escrever sobre filmes que não gosta:  “Avaliei de forma negativa alguns filmes logo que comecei a escrever, mas me arrependi delas porque são geralmente filmes independentes que já não têm, de saída, um público formado. Acho sempre melhor não falar nesses casos. A não ser que se trate de uma superprodução supervalorizada, aí talvez valha fazer um exercício de contraponto.”

O trabalho de crítica, portanto, torna-se fluido, mais predisposto ao debate do que para muitos aparenta ser. O jornalista conta como foi significativo para ele ouvir de uma leitora que uma de suas análises havia sido heteronormativa. “É a parte boa de estar em contato com o leitor: eles nos apontam caminhos, e também falhas que podemos cometer.”

Não é a toa que ele afirma se arrepender de quase todos os textos que publica. Como a experiência que todos nós já vivemos de assistir a um filme novamente e ter uma ideia totalmente diferente sobre ele, para o crítico não é diferente. Principalmente em relação a seus textos: “também muda a forma como [a gente] lê, escreve ou interpreta

Afinal, pra quê servem as novelas?

 

Por Rafael Ihara

 

A famosa Nazaré Tedesco, vivida por Renata Sorrah na novela Senhora do Destino (2004-2005),   rolou de cima de uma escadaria graças a um empurrão da vilã. Já ouviu alguém dizer: “como novela ensina coisa errada!”. Essa frase deve ter sido repetida muitas vezes quando ela, Nazaré; Odete Roitman, de Vale Tudo (1988-1989); Flora, de A Favorita (2008); Carminha, de Avenida Brasil (2012); Félix, de Amor à Vida (2013-2014) e muitos outros vilões da nossa teledramaturgia estavam em cena. Mas será mesmo que a novela ensina coisas más ao público?

 

Essa pergunta é muito genérica, disse a professora Esther Hamburger, estudiosa de telenovelas da ECA-USP. É importante analisar caso a caso. Lembra o que aconteceu no último capítulo de Amor à Vida? Félix, vivido por Mateus Solano, e seu namorado, na pele de Thiago Fragoso, protagonizaram o primeiro beijo gay entre homens numa novela. O feito foi tão importante que virou pauta do Jornal Nacional. Mas será que as novelas vêm chocando mais que antes?

 

foto nazare

 

A verdade é que as novelas já vêm causando esses rebuliços na sociedade há muito tempo. Malu Mulher (1979-1980), por exemplo, tratou do aborto. “As novelas trataram também de divórcio antes dele virar realidade no Brasil; o sexo antes do casamento também foi um tabu durante muito tempo, mas foi desvelado pelas novelas”, conta Hamburger.

 

Será que a teledramaturgia tem o papel de mostrar o que é certo e errado? “Novela não é feita pra educar, e sim pra levantar polêmicas”, explica Esther. O crítico de TV Mauricio Stycer vai no mesmo caminho. Pra ele, “a novela, quando tem a intenção, pode ajudar a colocar em questão temas a respeito dos quais há excesso de preconceitos (…) Mas não iria tão longe a ponto de acreditar que uma novela seja capaz de ‘educar’ a sociedade”. Mas não dá a impressão de que as novelas mais recentes têm causado mais que as outras? Saiba que essa impressão não é real.

 

O fenômeno das redes sociais ampliou essa nossa percepção. As novelas sempre ousaram, e o número de “choques” não vem crescendo não, segundo Hamburger. Hoje qualquer um fala o que pensa sobre o capítulo da novela. E essas reações aparecem pra você em suas redes sociais. Que essas reações e as novelas, que geram tanta polêmica, continuem botando todo mundo pra discutir questões delicadas.

Mais estranho que a ficção

 

Por Isabelle Almeida

 

É uma noite fria. Mr. Jones está sozinho no quarto. Sentado na poltrona, ele folheia o jornal sem prestar muita atenção. De longe pode-se ouvir o ruído de um disco de jazz tocando. Seus olhos se abrem e fecham, sonolentos. Alguma coisa está acontecendo aqui e você não sabe o que é. Sabe, Mr. Jones?*

É um rapaz de boa aparência, musculoso e de cabelo loiro. Ele não sorri enquanto conta para o repórter como foi assaltado e hostilizado, “fomos parados por bandidos que fingiam ser policiais”, declara sem piscar.

Mr.Jones pode ver o rosto das pessoas reunidas na sala enquanto assistem ao noticiário. “Por isso que não se deve fazer as Olímpiadas em países do terceiro mundo”, ouve alguém dizer.

Mas Mr.Jones se sente inquieto. Ele olha para a mulher ao seu lado e percebe que ela não tem rosto, ninguém ali tem. Vozes se repetem sem parar em sua cabeça, “O americano Ryan Lochte… pobre Ryan Lochte, assaltado em um país de terceiro mundo”. Assustado, ele se afasta até bater a cabeça contra a parede.

Ele abre os olhos e se vê parado em frente a uma casa. Uma menina abre o portão e sai para a rua, passando por Mr. Jones como se ele não existisse. Ela tem o celular em mãos e parece muito entretida olhando para a tela. Mr. Jones demora a entender o que se passa, mas percebe que ela está capturando pokémons. Algo ruim está para acontecer. Ela se afastava mais e mais, indo em direção ao rio. Quando finalmente para, seus olhos estão fixos em uma sombra deitada no chão. É um cadáver.

A televisão estava ligada, mas ele não prestava atenção. Ouvia a mulher reclamar com uma voz rancorosa e apenas concorda sem demonstrar emoção. “É uma piada de mal gosto. Uma piada de mal gosto”, ela repetia inconformada. Como poderia a maior democracia do mundo eleger um bilionário racista como Donald Trump?   

Em um estalo, Mr. Jones acorda. Levemente perturbado, se levanta e anda até a janela. Lá fora, a cidade se estende como um aglomerado sem sentido de luzes e barulho. Uma neblina espessa paira pelas ruas como uma doença. Mr. Jones coça a cabeça. São apenas sonhos, ele pensa. Apenas sonhos estranhos.

*Something is happening and you don’t know what it is. Do you, Mr. Jones? (Ballad of a Thin Man- Bob Dylan)

Personagens de ficção que influenciam a realidade

 

Por Ana Luisa Moraes e Tiago Aguiar

 

A história não é feita apenas por pessoas reais. Apresentamos aqui seis personagens de ficção que influenciaram ou influenciam até hoje o modo como vivemos nossas vidas.

 

Zé Carioca

O papagaio malandro nasceu no início da década de 40 de uma visita que Walt Disney fez ao Brasil, com o propósito de conhecer o país e produzir novas histórias e filmes inspirados no continente latino-americano. Chegando aqui, ele descobriu que piadas de papagaio faziam um tremendo sucesso entre os brasileiros da época. Juntando isso ao fato de o animal ser das cores da bandeira do Brasil, Disney e sua equipe criaram o Zé Carioca. O nascimento do personagem se deu no contexto da política da boa vizinhança, adotada pelos Estados Unidos para aumentar seu poder de influência sobre os países latinos. Ele era alegre, hospitaleiro e um grande mentiroso – morava em uma favela, mas queria fazer parte da alta sociedade, o que o levava a aplicar golpes. Zé carioca foi importante para que o “jeitinho brasileiro” tomasse mais forma e força, aumento a popularidade do arquétipo do malandro no país.  

Zé Carioca

 

Robin Hood

A origem da história do caçador inglês que roubava dos ricos para dar aos pobres é incerta – não existe nenhum registro histórico que aponte que ele existiu de verdade. O que se sabe é que os ideais de Robin influenciaram as nomenclaturas de alguns conceitos econômicos. O efeito Robin Hood por exemplo, acontece quando a renda é redistribuída para amenizar as desigualdades econômicas. Na prática, seria cobrar mais impostos de quem ganha mais dinheiro e menos ou nenhum imposto de quem ganha menos dinheiro. Atualmente, países como França, Suíça e Holanda taxam grandes fortunas, cada um com a sua própria regulamentação. O efeito Robin Hood reverso também existe. Nesse caso, os ricos ganham mais à custa de quem tem menos.

Robin Hood

 

Barbie

A boneca mais vendida do mundo foi lançada em 1959 e, desde então, tem feito a cabeça das meninas nos mais de 150 países onde é vendida. Ela foi criada pela norte-americana Ruth Handler, e o nome foi uma homenagem a sua filha, Barbara, que preferia brincar com fotos de modelos recortadas a brincar com as bonecas disponíveis. A influência da boneca se dá em duas principais vertentes: estética e consumo. Alta, magra e loira, a Barbie reproduz um estilo que é valorizado pela sociedade, mas que é inatingível. Não é raro encontrar por aí histórias de mulheres que gastaram rios de dinheiro com plásticas para ficarem parecidas com a boneca. A partir da década de 80, ela deixou de ser apenas um brinquedo: o rosto de traços finos começou a estampar mochilas, cadernos, roupas de cama, bolas, sabonetes e os mais variados produtos. Fascinadas, as crianças querem comprar tudo e ficam cada vez mais envolvidas pelo modelo barbie.

Barbie3

Dona Benta

A dona do Sítio do Picapau Amarelo apareceu primeiramente como uma contadora de histórias em livros avulsos de Monteiro Lobato dos anos 20. Com o advento da série, na década seguinte, a personagem toma forma de uma mulher idosa e erudita.

Em 1940 deu título a um dos livros de receita mais vendidos na história do Brasil e em 1979 à marca mais famosa de farinha de trigo. Paradoxalmente, a personagem “Tia Nastácia” é que cozinhava no sítio, as avós da elite brasileira não costumavam ir para a cozinha.

Dona Benta2

 

Sherlock Holmes

O detetive mais famoso do mundo é um personagem criado em 1887 pelo escritor Arthur Conan Doyle. Em sintonia com a época, usava o método científico e a lógica dedutiva para encontrar soluções de grandes mistérios. Morador da Baker Street, Holmes foi responsável por popularizar internacionalmente cartões-postais londrinos e estimam-se que hajam mais de 25.000 produções culturais relacionadas ao seu universo. Só de filmes são centenas.

Sua influência também afetou a realidade: Doyle, que era médico, inspirou a ciência forense. Muitos departamentos de polícia utilizaram as recomendações de Holmes para não apagar pegadas e algumas de suas técnicas “ficcionais” de reconhecimento de impressões digitais e caligrafias precederam os usos reais.

Sherlock

 

Rei Artur

Presente no imaginário britânico há pelo menos um milênio, Artur é uma figura lendária que teria comandado grandes batalhas contra os anglo-saxões, por volta do século V. Historiadores até hoje debatem alguma possível correspondência histórica, mas isso nunca impediu que a monarquia utilizasse de supostos vínculos com sua figura para ganhos políticos. A primeira menção escrita é do século IX, descrito apenas como um grande guerreiro. A partir daí sua presença se expande para todo o folclore e literatura da Europa, com adições posteriores de todos os elementos que conhecemos, como o mago Merlim, os cavaleiros da Távola Redonda e a espada Excalibur.

Arthur

 

 

 

Com informações de:

Roberto Elisio dos Santos, vice-coordenador do Núcleo de Pesquisas de Histórias em Quadrinhos (NPHQ) da ECA-USP,

Fernanda Theodoro Roveri, pedagoga e autora do livro “Barbie na educação de meninas: do rosa ao choque”

‘The Universal Sherlock Holmes’ de Ronald De Waal.
The 101 Most Influential People Who Never Lived, de Allan Lazar, Jeremy Salter, Dan Karlan

King Arthur, Myth-Making and History – Higham, N. J. (2002)

IG

Realidade Virtual: a ficção ficou pra trás

 

Por Guilherme Caetano

 

Imagine um filme de ficção na qual uma personagem, através do contato com alguma tecnologia avançada, consegue interagir com um universo distinto do seu próprio. Pode ser que lhe venha à cabeça histórias como Avatar ou Matrix, mas essa cena está mais perto da realidade do que você imagina.

 

Uma das tecnologias que atualmente são capazes de dar materialidade a essa fantasia toda é a chamada Realidade Virtual (RV). Ela se baseia na interação entre ser humano e máquina com o objetivo de recriar a máxima sensação de realidade para o usuário.

 

Talvez o maior ícone dessa tecnologia seja o uso dos óculos de RV, que permitem visualizar imagens em 360º em proporção real. Basta o portador do equipamento mover a cabeça e enxergar o cenário virtual como se estivesse dentro de outro lugar, como em uma cena de Avatar em que o protagonista Jake Sully migra para Pandora enquanto seu corpo fica em outro planeta. Mas há outras técnicas por trás desse conceito.

MIDIU

 

A história do estudo dessa tecnologia no Brasil passa inevitavelmente pela USP, mais precisamente na Caverna Digital, uma infraestrutura criada em 2001 para desenvolver esse tipo de sistema. Marcelo Zuffo, professor da Escola Politécnica e coordenador do CITI (Centro Interdisciplinar de Tecnologias Interativas), onde se localiza a Caverna Digital, explica que é preciso compreender antes o conceito de imersão para se entender a RV.

 

“Para se ter a Realidade Virtual é preciso estar em um espaço simulado, artificial”, diz o pesquisador. “Essa relação do ser humano com o espaçoimersivo é mais antigo do que a linguagem. As primeiras inscrições rupestres, por exemplo, eram feitas de forma imersiva: queimavam-se fogueiras em rituais xamânicos.”

 

A aplicação da RV na indústria é variada, como simuladores de treino para as indústrias aeronáutica e automotiva, ou com o mapeamento remoto de cavernas para a arqueologia, mas sua percepção no cotidiano das pessoas ainda se limita ao entretenimento. Video games e cinema 3D, com o qual a RV ganhou propulsão a partir de 2009, são exemplos disso. Quem sabe, dentro de um futuro não tão distante, antigos filmes de ficção científica passem a ser vistos como “histórias baseadas em fatos reais”… Quem sabe!

 

Criando realidades

 

Por Amanda Oliveira e Joana Darc Leal

 

Uma pitada de imaginação é o ingrediente fundamental para gerar boas histórias. Por trás de mentes criativas surgem reinos, heróis, vilões e até mesmo novas tecnologias. Nas histórias, personagens ganham vida e nos fazem acreditar que, um dia, realmente existiram. A figura lendária do Rei Arthur já até entrou na árvore genealógica de alguns governantes  ingleses.

Superman

Talvez por essa razão, algumas narrativas soem tão reais e paralelos com a realidade surjam naturalmente. Jovens com poderes fomentam o debate sobre minorias e heróis reafirmam a necessidade de lutar contra o preconceito racial.

 

Ao mesmo tempo, transformar a realidade em ficção não é uma tarefa fácil. Algumas novelas, no entanto, já se aventuraram por esse caminho: temas sociais como o racismo, homofobia e aborto foram problemas que diversos personagens sentiram na pele. Mas há sempre a dúvida, qual seria o limite entre informação e desinformação? Será que as novelas estão abordando esses temas de forma positiva? Nesta edição, o Claro! abre as portas do universo ficcional, para explorá-lo e entender a razão de sermos tão atraídos por esse mundo do faz de conta.

 

Mitos são mais reais do que você imagina

 

Por Daniel Quandt

 

Muito tempo atrás, antes das estrelas caírem do céu, houve uma terrível batalha entre o deus do submundo, Skell, e La-o, deus do mundo de cima. Cada um habitava uma montanha, vizinhas uma da outra, e Skell saiu do seu lar, cuspindo fogo, cinzas e pedras. Depois de um longo combate, La-o derrubou a montanha sobre seu inimigo do submundo, produzindo um enorme rombo, que se encheu de água depois de meses de chuvas torrenciais. Desde então, os habitantes da região nunca mais ousaram se aproximar do lago, conhecido hoje como Crater Lake, no estado do Oregon.

 

É assim que o povo Klamath, nativo à costa oeste dos Estados Unidos, explica a origem do Crater Lake. O mito foi registrado por escrito pela primeira vez em 1865 e não difere muito de outras histórias contadas por povos indígenas em volta das fogueiras.
Mas há algo que torna esse mito um pouco mais especial. Nos anos 1920, estudos descobriram o processo geológico por trás da formação do lago: há mais de 7.000 anos, uma erupção vulcânica causou o colapso do topo de uma montanha, que posteriormente foi inundado pela chuva.

 

Com uma margem de erro de um ou dois deuses, a evidência geológica é extremamente parecida com a história dos índios Klamath e levanta um questionamento no mundo acadêmico: seria possível que os mitos de diversos povos são baseados em eventos reais, ocorridos há milhares de anos?
Parte da comunidade acadêmica diria que não. Segundo Andrei Simic, professor de antropologia da Universidade do Sul da Califórnia, lendas orais sobre eventos que aconteceram há mais de 1.000 anos “contêm pouca, ou nenhuma, verdade histórica.”

crater lake image (1)

Nick Reid, linguista da Universidade de New England, seria um dos primeiros a discordar. Para ele, as tradições orais podem ser capazes de transmitir fatos verídicos por muito mais tempo do que se imagina.
Em sua pesquisa, Reid descreve histórias de aborígenes que falam sobre um tempo em que os povos costumavam transitar livremente entre o continente australiano e as ilhas que hoje o cercam, como a Tasmânia. Isso só poderia ter acontecido há mais de dez mil anos, antes de o fim da Era do Gelo provocar um aumento no nível do mar que separou os territórios.

 

“Embora esse exemplo não deva ser usado como motivo para interpretar de forma descuidada a antiguidade das tradições orais, ou mesmo para acreditar que todas as histórias como essas tenham uma base empírica, ele abre a possibilidade de que algumas tradições em algumas culturas tenham sobrevivido por muito mais tempo do que já se pensou ser possível”, ele conclui.
Tudo isso serve para considerarmos uma ideia no mínimo interessante: a de que as histórias podem ser mais do que meras histórias. Às vezes, podem ser História com H maiúsculo.

 

FONTES:
REID, Nicholas. “Indigenous Australian Stories and Sea-Level Change”. Disponível em http://www.academia.edu/16307214/Indigenous_Australian_Stories_and_Sea-Level_Change

SIMIC, Andrei. “Affidavit addressing oral tradition and cultural affiliation.” Disponível em http://www.friendsofpast.org/kennewick-man/court/affidavits/oral-tradition-5.html

Corpo de Gigante

 

Por Julio Viana

 

Você entra em uma sala. Em frente à porta, um cartaz. Traçadas nele, linhas simples de comprimentos diferentes. À sua frente, um papel pergunta qual delas é a maior. “A segunda de cima para baixo” é a sua resposta. Está na cara, é óbvio. Mais algumas pessoas entram na sala. “Qual delas é a maior?” pergunta o moço junto à porta. “A terceira”, fala uma das mulheres na sala. Você ri. Claramente ela está errada. “A terceira”, diz outro homem. “A terceira”, afirma, com segurança, o terceiro homem. “A terceira”, “A terceira, “A terceira”. Aquele frio no estômago. Um peso que desce na garganta. Algo está errado. Você não vê o mesmo que os outros. Você está errado. Com certeza errado. Não está vendo direito. Se os outros dizem, está certo. “A terceira” você fala.

 

Esse é um clássico experimento da psicologia social. Segundo o pós-doutorando da Universidade de São Paulo, estudioso da área, Everton de Oliveira Maraldi, todas as vezes em que ele é realizado, a pessoa testada o inicia certa. Entram atores que afirmam algo completamente diferente e, ao final dele, a maior parte dos participantes muda sua resposta, totalmente convencidos de que os outros estavam corretos. “A realidade é uma construção”, ele diz. Em princípio cerebral, neurológica, e depois social. Sua realidade, quem você é, o que você faz, podem ser nada mais que o resultado do que todos os outros ao seu redor vêem e fazem.

 

Foi Gustave Le Bont, importante pesquisador do século XIX e grande influenciador do campo da psicologia social, quem escreveu “A Psicologia das Multidões”. O estudo defende o efeito dominador que a massa provoca sob o indivíduo: pense em você perdendo-se em um mar de gente. Um corpo de gigante formado por milhares de outros corpos. O anonimato é certo e com ele cresce uma força, uma sensação de onipotência. Todos estão ao seu lado. Vocês se apertam, todos gritam juntos. Aquela exaltação, antes não sentida, cresce dentro de você. Todos começam a pegar pedras. Você pega também. Eles começam a atirá-las, você as atira também. Eles olham para o céu e gritam “Um OVNI, os extraterrestres estão vindo nos buscar!”. Você vê também. “Um espírito! Ele vem nos salvar”. Você enxerga também. Você crê também.

 

Todas essas situações são não só possíveis, como comuns, afirma Everton Maraldi. Desde OVNIs a manifestações religiosas ou sobrenaturais. Tudo isso pode acontecer fruto de uma mente como a nossa que anseia em corresponder expectativas que o grupo gera e constrói.

 

Existe, então, alguma autonomia? Existe um “eu” só seu? Um “eu” exclusivo delimitado pelo seu corpo? O pesquisador da USP diz que, na verdade, não há resposta para essa questão: “Depende da linha que você segue.” Na psicologia, nada está muito certo. Nada se afirma. Afinal, como ele diz, “o ser humano é um animal social.” Eu sou eu. Você é você. Mas no fundo, talvez sejamos sempre nós. Sem nunca percebermos isso.

Corpo social

 

Por Julio Viana

Eu enxergo o mesmo que você?

 

Por Ana Luisa Moraes

 

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O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

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