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Contra o intolerável, há resistência

 

Por José Carlos Ferreira, Renan Sousa e Tainah Ramos

 

Contra o intolerável, a resistência

Arte: Bianca Muniz; fotos: Bianca Muniz; Pixabay

 

 

Vinte mil. Esse é o número de pessoas torturadas durante as duas décadas de ditadura civil-militar no Brasil, segundo levantamento da Human Rights Watch (HRW), publicado em 2019. Pelo menos outras 434 pessoas foram mortas ou desapareceram.

 

As cifras fizeram parte da realidade da historiadora e ex-militante do Partido Operário Comunista (POC), Angela Mendes de Almeida, que perdeu seu companheiro, o jornalista Luiz Eduardo Merlino. Ele foi torturado e assassinado no DOI-CODI, em 1971.

 

Antes mesmo de perdê-lo, a historiadora já havia se engajado na luta de resistência contra o governo. Para ela, foi essencial o contato com ideias progressistas na universidade. “Você entrava na faculdade e um mundo se abria. Eram discussões pessoais e discussões que se faziam no movimento estudantil”, conta.

 

A influência do ambiente aconteceu com muitos estudantes, revela a pesquisadora do Memorial da Resistência e mestre em História Social, Julia Gumieri: “Uma grande parte passa a enxergar as desigualdades e sentir que isso é uma violência contra si, que no contexto da ditadura se intensifica, e a pessoa acaba entrando para uma organização [como um partido político]”.

 

Para Gumieri, cenários autoritários como o da ditadura trazem consigo movimentos de resistência política e social, que propõem modos de construir uma sociedade mais igualitária e quebrar uma autoridade considerada violenta.

 

As ações vão desde se engajar em partidos políticos até manifestações artísticas – no caso do Brasil, a música foi uma das principais expressões contra o regime, como Roda Viva, de Chico Buarque –, que usavam duplo sentido para passar pela censura.

 

 

INTOLERÁVEL

 

Na ditadura vivida por Angela, o fechamento do regime por meio do Ato Institucional n°5 (AI-5), em dezembro de 1968, mudou a vida de todos, independente do caminho que escolhessem: “Era um temor absoluto quando alguém era preso. A repressão chegava até a universidade, mesmo para quem escolheu não militar”. Por isso, frentes de resistência passavam por uma coletividade, conta. Ela mesma teve uma passagem rápida pelo Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e entrou para o POC.

 

Mesmo  sem o contato com o ambiente universitário, a opressão também era sentida em outras esferas da sociedade. Um exemplo foi a formação de Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), frentes religiosas de luta contra a ditadura. Nas CEBs, grupos católicos se reuniam para fazer uma leitura politizada dos evangelhos e defender os pobres, por meio de mudanças políticas e econômicas, explica o pesquisador em História Cultural da Unicamp, Mauricio Pelegrini.

 

“Onde há poder, há resistência. Sempre há a possibilidade de resistir e se revoltar contra o que você considera um governo injusto”, diz. Segundo Pelegrini, todos têm o ponto do “intolerável”, mas esclarece que o momento exato da explosão é imprevisível.

 

Enquanto em uma ditadura, a mobilização necessita de uma frente ampla, como partidos políticos e organizações da sociedade civil. Em uma democracia, as lutas são cotidianas e a resistência acontece o tempo todo, sem uma ruptura definitiva. Por exemplo, a aprovação de ações afirmativas, como as cotas raciais, que levaram anos de luta do movimento negro para se concretizarem, por meio da Lei de Cotas, de 2012.

 

Mesmo o reconhecimento das vítimas do regime militar se tornou uma luta de longos anos na democracia, revela Angela Mendes. Até hoje, ela e os familiares de Merlino buscam justiça para sua morte.

Colaboradores:

Alberto T. Ikeda, professor de Etnomusicologia, Culturas Populares e Metodologia de Pesquisa na Escola de Comunicações e Artes da USP;

Angela Mendes de Almeida, historiadora e ex-militante do Partido Operário Comunista (POC);

Mauricio Pelegrini, pesquisador em História Cultural da Unicamp;

Julia Gumieri, pesquisadora no Memorial da Resistência de São Paulo e mestre em História Social pela USP;

Renato Gonçalves, doutorando em Ciências da Comunicação na Escola de Comunicações e Artes da USP e professor da Escola Superior de Propaganda;

Walter Garcia, professor da área temática de Música do Instituto de Estudos Brasileiros da USP e pesquisador e crítico da canção popular-comercial brasileira.

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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