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Em (des)construção

 

Por Gabriela Sarmento

 

Há dias que você acorda e pensa “quero mudar a cor do meu cabelo”. Em outros você decide colocar silicone. Pode ainda escolher pigmentar os olhos de preto. Tudo bem, esta última pode ser uma opção ousada para a maioria das pessoas, mas é uma das modificações corporais mais extremas e admiradas por quem gosta de body modification.  

 

Karine Guimarães começou a modificar o corpo ainda adolescente quando colocou um piercing na sobrancelha. Hoje, ela é tatuadora e tem alargadores, língua bifurcada, implantes subcutâneos na testa e na mão, além dos olhos pigmentados, prática conhecida como eyeball tattoo. “Me vejo de uma forma que gosto muito mais do que antes quando não tinha meus olhos e corpo tatuados”, afirma Karine que vê que as modificações fizeram bem para sua autoestima.

 

Normalmente as pessoas alteram o corpo por questões estéticas. “Como todo mundo sempre tem algo que gosta mais, eu acabei gostando de tatuagem e piercing. Sempre foi algo que me chamou atenção”, conta Alexandre Anami, que entrou nesse universo também profissionalmente, como tatuador.

 

Tanto Karine quanto Anami pesquisaram bem o profissional antes de modificar seus corpos. Tais procedimentos não são realizados por médicos, uma vez que o Conselho Regional de Medicina proíbe qualquer modificação extrema na anatomia do corpo do paciente. No entanto, qual é a diferença entre colocar silicone na mama e na testa? Segundo o cirurgião plástico Rogério Ruiz, glúteo, mama, panturrilha, braços são lugares anatomicamente viáveis. “Eles já existem, estou apenas redefinindo-os e/ou revolumizando-os. Quando eu coloco um implante na testa, começo a distorcer a anatomia daquela parte do corpo”. Outra diferença está no material implantado. A prótese usada na mama é um gel, portanto, líquido, enquanto os implantes são feitos na maioria das vezes com silicone sólidos. Além disso, as cirurgias plásticas são realizadas em centros cirúrgicos 100% esterilizados.

 

Os processos de modificação corporal podem gerar infecções, reações alérgicas e deformidades, mesmo assim Karine e Anami continuam pensando em fazer outras mudanças. De todas as modificações que fez, a única que deixou Karine mais apreensiva foi a  pigmentação do olho. Durante o procedimento, há  o risco da tinta ser aplicada na íris e na córnea. Além disso, os quatro dias seguintes ao processo são de tensão, na medida em que a tinta pode espalhar por debaixo do olho, o corpo pode rejeitar o material introduzido, entre outras reações. No entanto, ouvir Karine contar com tanta felicidade cada dia que acordava e via que estava tudo bem, que tinha dado tudo certo, faz com que seus olhos, mesmo que inteiramente pretos, brilhem.  

 

Sangue vivo

 

Por Pamela Carvalho

 

 

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Subitamente perdeu a noção de espaço. O ar lhe escapou e sentiu que o corpo ganhava peso. Foi como se estivesse caindo, mas sem se mover um centímetro sequer. Abriu os olhos. Surpresa.

 

Seu primeiro instinto foi olhar para baixo. As pequenas patas haviam se transformado em duas longas pernas. Seu corpo estava bem maior, inegável. Obviamente não era mais o que costumava ser. Inesperadamente, a consciência do que se era tomou conta da sua essência. Mulher. Ela agora era uma mulher. O que isso significava ou o porquê da metamorfose repentina não ficaram claros.

 

Tomada pelo susto, sentiu uma quentura na parte inferior do ventre e percebeu que um líquido vermelho forte, meio viscoso, escorria entre suas pernas. Tocou o desconhecido, sentiu a textura. A sensação tátil que aquele fluido lhe provocava era ótima. A cor era vibrante, realmente muito bonita. Queria expor aquela cor viva, mostrar para outros seres iguais a ela o quão bonito ele era. Sentia uma animação sem igual. Fez força para se levantar -como movimentar-se sem as asas, céus?-, mas foi impedida por um movimento brusco. Algo sólido, externo a ela, a travava. Olhou para o lado e identificou alguém grande, de aparência mais forte e viril que ela própria se tornara. Olhava-a com ar de desconfiança e julgamento enquanto apertava seu ventre e a segurava.

 

“Argh! Que nojo! Olha só, você sujou todos os meus lençóis. Vai se lavar e vê se deixa tudo por aqui limpo também”, disse ele. Não sabia o que era “nojo”, tampouco porque ele a olhava daquele jeito. Estava confusa, então seguiu seus instintos: tocou o líquido novamente e mostrou para ele, que se esquivou violentamente e esbravejou: “você está louca? Tira isso da minha frente. Que brincadeira mais sem graça!”.

 

Sentia dificuldade para expressar seus pensamentos em voz alta, mas conseguiu balbuciar poucas simples palavras: “É bonito. Vou sair”.  Ele se levantou e começou a rir nervosamente. “Sair? Mas você está toda suja de sangue, não pode sair assim! O que deu em você hoje?”. Ele saiu do quarto.

 

Entendia pouco sobre o que estava acontecendo, mas sentia que aquele outro ser que acabava de deixar o cômodo a aprisionava. Por que ele poderia decidir por ela? Queria poder fazer o que tinha vontade. Queria sair dali com aquele líquido tão bonito aparecendo. Parecia-lhe certo. E foi isso que fez. As asas foram embora, mas não ninguém podia impedir que voasse.

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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