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Trem vital

 

Por Marina Yukawa e Ana Paula Machado

 

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Seis da tarde. Metrô lotado. Marasmo…

 

De repente, um gemido. Ao seu lado, um nariz sangrando.
 
Sangrando apenas não, jorrando sangue. Pequenos respingos mancham sua camisa. O que você faz?
 
Nunca viu tanto sangue sair assim de uma pessoa. E que sangue tão vermelho, tão assustador, tão sufocante! Você desvia o olhar quase que automaticamente, mas algo nele te chama e te obriga a encará-lo novamente. Como algo tão horrível pode ser tão bonito?
 
Enquanto aquele vermelho vivo e quente te hipnotiza, cedem lugar à pessoa sangrando e tentam acudi-la. A sua volta à realidade é brusca e você tem que se segurar para não cair. Tontura… Muita tontura… Ah, o sangue…
 
O sangue para, a pessoa vai embora. Passado o susto, fica o vazio. Você não fez nada, mas o que poderia fazer? O sangue o assustou como assustaria a qualquer um. Engraçado como ele nos assusta… Ele corre por nossas veias, apressado, como trens deslisam por trilhos, nos dando vida a cada novo instante. Está próximo de nós, está dentro de nós, e ainda assim nos causa medo, repulsa, horror. Ah! E como é belo o sangue!
 
Talvez não haja nada tão paradoxal quanto o sangue. É horrível e é belo. É morte e é vida. É destruição e é renascimento. Por mais que o evitemos, nunca sai de perto de nós. Está nas nossas conversas — e aí, sangue bom?! — nos nossos machucadinhos cotidianos, na nossa dieta e na nossa personalidade, nos crimes, nas guerras, nos partos. Ele está em nós e às vezes querem escapar por nossas narinas. Não dá pra fugir.

Tinha um caminho no meio da rotina

 

Por Giovana Feix

 

No meu caminho, além do trânsito e de alguns ônibus quebra­dos, há também cavalos, bois e gado. Isso porque há sítios na região que deslocam seus animais para pastar às margens da represa Billings, que acabam atravessando a estrada, principal­mente depois das 10h. Dos trajetos, guardo as boas leituras, as músicas que escutei e conversas com amigos e desconhecidos. Lembro também do gesto de uma senhora, quando ti­nha 13, 14 anos. Vendo-me dormir, ela deixou que minha cabeça recostasse em seu ombro. Acordei com um susto, eu ri, ambas riram.

Gabriely Araujo – Balneário São Francisco

 

“E quando a porta abrir na próxima es­tação? Será que vou cair?” Andava em passos curtos pensando que se acontecesse uma emergência eu seria pisoteada fácil, fácil. Finalmente, em 2015, tive coragem de di­rigir na Marginal. Nas primeiras vezes eu ia tensa. Os motoqueiros, as buzinas, a di­ficuldade para mudar de faixa, meu corpo doía de tão tensa que eu ficava.

Yria Freitas Tandel – Interlagos

 

 

Uma vez eu tava estressada com provas, botei os fo­nes e fui andar pela cidade à noite, passei pelas agui­nhas do parque Ibirapuera, passei por uns grafites, foi muito gostoso.

Bárbara Villela – Higienópolis

 

De ônibus até o metrô e de metrô para ao mundo real.

Thiago Alves Custódio Jorge – Vila Nova Cachoeirinha

 

Dizem que o metrô vai chegar, até as estações já têm nome e local certo, mas a licitação foi suspensa por polêmicas de preço e nem sei se tem mais previsão.

Thaís Vallim – São Bernardo do Campo

 

Foi no ônibus o lugar onde eu comecei a perceber como existiam pessoas diferentes no mundo.

Rebeca Yoshisato – Jardim Bonfiglioli

 

Todo mundo que eu vejo de bike pela cidade está sempre com um sor­risinho no rosto e isso deixa a cidade mais leve.

Jeanine Padilha – Jardins

 

No início da faculdade, antes da linha ama­rela, eu levava cerca de 2h30 para chegar até a USP. Totalizando 5 horas diárias e 25 horas semanais. Era como se a cada sema­na passasse um dia inteiro no transporte público para ir e voltar da faculdade.

Thatiana Martins – Vila Nova Cachoeirinha

Temos que pegar

 

Por Thaís Matos

 

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Saio do trabalho às 17h, depois de um dia de muito cansaço e encheção de saco, metas, espiadas no Facebook, quem é o líder do BBB, mais metas e mais encheção de saco. Voltar pra casa é tudo que eu mais quero na vida. Mas eu e outros 4 milhões de pessoas que usam o metrô de São Paulo diariamente ainda temos um último desafio: enfrentar a superlotação.

Nesse horário o número de pessoas parece ainda maior. Chego na estação, procuro meu Bilhete Único na bagunça da minha bolsa e não demora muito pra se formar uma fila atrás de mim. Três pessoas batendo o pé, olhando impacientes, murmurando alguma coisa. Me apresso.

– Vai logo, vai logo. Pega esse bilhete. Acorda!

Finalmente passo pela catraca. Mal consigo andar do outro lado.

Com paciência vou progredindo na fila até chegar à escada rolante. Aaaai! Sou empurrada por um apressadinho e me desequilibro. Esbarro em outras pessoas e já vou me desculpando. Desço um lance de escadas e a multidão só aumenta. Impressão minha ou está mais quente aqui dentro? Sou empurrada mais três, quatro vezes. À próxima pessoa que tenta furar a fila já dou uma cotovelada.

– Aqui não, queridinho!

Ele balbucia algumas coisas enquanto me olha de cara feia.

– Eu tô atrasado.

– Atrasado pra chegar em casa? RESPEITA A FILA – eu grito.

– É! Respeita a fila. – Tá todo mundo com pressa. – Olha a moça. Tenha mais cuidado. – Ai, como as pessoas são mal-educadas aqui, né? – Todo dia tem um filho da puta querendo levar vantagem. – O governo tem que dar o exemplo. – Também, com a inflação do jeito que tá…

Pokemon, eu escolho você!

Depois de alguns lances de escada e muita gente folgada, não existe mais paciência, muito menos gentileza. Conforme as pessoas vão se distanciando da superfície parece que também vão perdendo a noção da realidade e a transformação começa. Apagam-se as luzes da sanidade e salve-se (ou sente-se) quem puder.

A ÁREA PRÓXIMA ÀS PORTAS É RESERVADA…

Ninguém escuta mais nada. É gente correndo, empurrando, amassando. Conforme vamos nos aproximando da plataforma, o desespero aumenta e os Pokemons vão ganhando mais poderes. Dois corpos ocuparem o mesmo espaço é claramente possível para eles. Seus rostos franzidos, fechados, são rostos de quem vai pra guerra. Sai da minha frente que eu quero passar.

E passa. Quando o primeiro metrô passa a transformação já está completa. Os Pokemons assumem diversas formas. Saltam, voam, atropelam os semelhantes. Claramente não cabe mais ninguém. Todo mundo já está espremido sendo obrigado a ficar com a cara na axila de fulano, ou com o braço encostando nas partes de beltrano. Para entrar no vagão, vale tudo. Ele gruda no cabelo da coleguinha e fica aboletado ali. Miga, nós vamos conseguir juntas! – ele pensa.

Alguns enfiam metade do corpo, ficando com um braço e uma perna pra fora. Como se os minutos extras que o trem fica parado na estação até a porta se fechar fossem magicamente abrir um espaço e fazê-lo caber ali. E o pior é que por alguma super habilidade o danado se enfia.

Dentro do vagão encontram-se diversas espécies. Tem sempre um Charizard soltando fogo. Ele fala alto. Reclama do calor, do fedor, das pessoas encostando. Sempre há também um Squirtle: carregando sob o casco duas bolsas, três mochilas, sete sacolas. Batendo na cara de todo mundo enquanto corre – sempre correndo – pra pegar aquele metrô. E tem que ser aquele. Não pode ser um igualzinho que passa três minutos depois. Outros insistem em parar bem na porta. Já fica ali garantindo a descida daqui a 14 estações, e se você falar alguma coisa, ele solta raios e trovões.

PRÓXIMA ESTAÇÃO PARAÍSO

No meio da pancadaria entre diversas espécies e evoluções dos Pokemons, entra uma grávida. HUMANA!,  apita o sinal da cabeça dos bichinhos. Logo eles abrem espaço, se apertam daqui, empurram dali, escorraçam o Bulbassauro sentado pra dar lugar à mestra. Parece que só ela é realmente capaz de acalmar os ânimos. Talvez porque quando a vejam se sintam humanos também. Existe amor em SP?

AGRADECEMOS A COLABORAÇÃO

 

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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