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Laços de sangue(ssuga)

 

Por Bianca Santa Anna Cabellero

 

 

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– Mãe! Cadê você?

 

– Olha só quem resolveu aparecer… Finalmente arranjou um tempo para ver como sua mãe está?

 

– Ver como você está? Eu sei muito bem como você está! Está louca, só pode ser!

 

– Ai, Marcos… O que aconteceu agora?

 

– Eu fiquei sabendo de uma conversa que você teve com seu advogado ontem, aqui nessa casa. Não pense que você me engana.

 

– E o que tem a minha conversa com o Carvalho?

 

– O que tem? Você está maluca? Que ideia é essa de deixar suas propriedades pra Maria e pra filha dela? Elas são só duas empregadas dessa casa, seus bens têm que ser dos seus filhos! Eu e o Antônio temos todo o direto sobre eles!

 

– É claro que só isso ia fazer com que você se desse ao trabalho de vir me visitar… Ai, Marcos… Infelizmente, vocês têm todo o direito sobre 50% do que eu tenho … Mas com os outros 50% eu faço o que bem entender e eles vão pra Maria e pra Clara sim, goste ou não, elas são muito mais do que só duas empregadas dessa casa.

 

– Por que você faria isso? O que está acontecendo com você?

 

– Por que eu faria isso, Marcos? A pergunta é porque eu não faria… Você e seu irmão são dois sanguessugas que pegaram o que puderam do meu dinheiro e foram viver a vida de vocês no bem bom! Eu avisei, eu avisei muitas vezes que vocês deviam construir algo próprio porque um dia esse dinheiro fácil ia acabar. Mas vocês não acreditaram, me viram envelhecendo e resolveram esperar pela herança. Vocês não ligam, não visitam, não se preocupam em saber se está tudo bem, só estão interessados em saber quando vão ter esse maldito dinheiro.

 

– Nós somos seus filhos! Esperamos esse dinheiro porque ele deve ser nosso! Não é possível que você ache que faz sentido deixar metade do que você tem para duas empregadas, elas são suas funcionárias, vocês não são sequer parentes, achei que a família fosse algo importante para você!

 

– A família é sim importante pra mim! Mas família é muito mais do que ser sangue do meu sangue, Marcos. Família é apoio, é companheirismo, é, no mínimo, estar presente. Depois de tanta dedicação na criação dos dois, você e seu irmão cresceram e se tornaram dois egoístas, gananciosos, mesquinhos… Nós podemos ter o mesmo sangue, mas há tempos não temos os mesmos valores, não temos uma relação de confiança ou sequer de afeto. Vocês me abandonaram, Marcos, eu criei os dois e vocês me abandonaram…

 

– Isso é uma mentira, a gente sempre liga aqui para saber como você está! E por acaso a Maria e a Clara se preocupam mais com você do que a gente? Elas saõ duas interesseiras, só você não enxerga isso…

 

– Vocês ligam uma vez por mês pra saber se eu já morri e olhe lá, Marcos… A Maria e a Clara foram minhas companheiras todo esse tempo em que vocês não estavam aqui. A vida inteira a Maria me apoiou em tudo, e agora, na velhice, na doença, a Clara é quem se preocupa comigo, quem cuida de mim. Enquanto você e seu irmão se tornaram dois desconhecidos, elas se tornaram filha e neta para mim…

 

– Dona Marta, com licença, desculpa interromper, mas você precisa tomar seus remédios.

 

– Olha aí a sua querida “netinha”! Você acha que a Clara está cuidando de você, mas eu aposto que ela está é te dopando com esses comprimidos! Ela é uma interesseira, uma aproveitadora! E você é maluca de cair nessa, uma velha maluca!


– Marcos, por favor, saia agora da minha casa.

Do outro lado

 

Por Pamela Carvalho

 

 

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Ela olhou no espelho mais uma vez. As ondas dos cabelos acobreados caíam como cascata pelos ombros. Nenhum fio branco! A pele também estava reluzente: a ultima injeção tinha funcionado maravilhosamente. Passou as mãos pelas maçãs do rosto e sorriu. Estava pronta. 50 anos na identidade, mas aparência de 28.

 

Escolheu andar até o restaurante. Estava tarde, mas combinou de encontrar Marcos perto de casa. Estratégico. Caminhar também ajuda a refletir. Naquela noite ela precisava colocar os pensamentos em ordem.

 

“Você sempre foi tão segura, Ju. Sempre levantou a voz para defender o direito das mulheres se sentirem belas em qualquer corpo, qualquer idade. E agora você gasta maior grana em estética para fugir da idade que tem. Isso não faz sentido”. As palavras da amiga tiveram efeito cortante. Sim, ela se deu ao luxo de gastar em tratamentos. Mas é assustador perceber o corpo cedendo às pressões do tempo. Até os 40, ela recebia elogios por aparentar ser mais jovem do que era. Mas depois dos 45… parece que tudo desandou! Os fios brancos se multiplicavam ferozmente, as rugas brotaram sem piedade e os músculos pareciam resistir a qualquer tentativa de torneá-los.

 

Não gostava de se ver refletida. Queria mudar de aparência, queria voltar no tempo. Queria, mais do que tudo, ser aquela jovem de 22 anos que subia no palanque da faculdade para falar sobre empoderamento feminino. Naquela época ela usava manequim 38, tinha cabelos esvoaçantes e voz aveludada ao discursar sobre a necessidade de quebrar os padrões estabelecidos pelo patriarcado. Três anos atrás ela havia lido dados divulgados pelo IBGE: pesquisas afirmavam que o brasileiro gasta mais em estética do que em comida. Chocante. Bem, hoje em dia, entre os tratamentos e a dieta restritiva, talvez ela faça parte desse grupo.

 

Chegou adiantada. Ele não estava lá. Pediu uma água e esperou. “Sua água, senhorita”. Se-nho-ri-ta! Ela se deliciou com cada sílaba daquela palavra. Os tratamentos vieram a calhar. Mas a alegria durou pouco. Lembrou das palavras da amiga. Quando será que começou a temer tanto o futuro? Sempre se viu como uma pessoa que envelheceria com gosto. Mas não, tratou de esconder cada marca que o tempo lhe trouxe.

 

“Está esperando alguém?”. Respondeu que sim, que havia reservado mesa para dois e se perguntou onde estaria Marcos. Ah, Marcos. Chefe da repartição, diziam que ele saia com as estagiárias. Gostava mesmo das novinhas. Mas mostrou interesse nela desde o início.

 

“Você está linda”, disse ele ao chegar, logo antes de lhe dar um beijo na testa. Cavalheiro, um charme. Mas não conseguiu deixar de pensar se ele estaria ali com aquele entusiasmo se na sua frente estivesse uma mulher com 50 anos aparentes. Provavelmente não. Saiu com um homem superficial. No escritório, ele é cheio das piadinhas sobre mulheres mais velhas. “Eu já passei dos 50, sabia?”, a pergunta escapou, totalmente sem contexto, entre garfadas. Ele fez cara de espanto, seguido de um sorriso. “Nossa, deve ter dado muito trabalho manter seu corpo assim. Fica tranquila que qualquer homem que te olhar não te dá mais que 30”. Ele quis ser sensual, mas foi ofensivo. Parecia que todas aquelas mudanças foram feitas para agradar o olhar masculino. Mas não foram. Não podiam ser. O jantar acabou cedo.

 

Levantou-se. No caminho para a saída, parou e se olhou no espelho. Os cabelos acobreados ainda lhe caiam muito bem como cascata pelos ombros. A pele parecia estar ainda mais impecável. Sorriu. A mulher do outro lado do espelho lhe sorriu de volta. Ali estava a única aprovação que precisava. Ela se sentia bem com sua aparência. E é isso que importa. Cada centavo valeu a pena.

Editorial – Quando chega o amanhã?

 

Por Bianca Sant'Anna Caballero e Amanda Manara

 

Quem nunca quis saber o futuro? Talvez ir a uma cartomante para descobrir se vai conhecer o amor da sua vida, ou quem sabe ser promovido no trabalho… Vai dizer que não é tentador? Mesmo os mais céticos não escapam das previsões do futuro, afinal, até aquele jornal que você assiste todas as noites faz questão de tentar prever o que vai acontecer: será que vou precisar levar guarda-chuva amanhã? Ou talvez um casaco…

 

De uma maneira ou de outra o futuro é algo que nos desperta interesse. Talvez pelo mistério de não sabermos o que vem pela frente, talvez pela magia de podermos fazer dele tudo que imaginarmos. A espera por esse tempo que parece tão certo molda nossas ações, nossos planos, nossos desejos.

Ilustração por Marcelo Grava
Ilustração por Marcelo Grava

 

“Preciso economizar dinheiro para ter uma velhice confortável…”

“Pretendo me casar por volta dos 30, o primeiro filho com 33 e o segundo com 36…”

“Vamos esperar o dólar baixar para ir à Disney, ok? Ano que vem já melhora…”.

 

O futuro está sempre lá, se aproximando, e nós estamos sempre aqui, aguardando sua chegada ou imaginando como será. O problema é justamente esse: aguardar e imaginar enquanto ele pode nem chegar. Diferente do que pensamos, o futuro é incerto, e deixar tudo para depois não é a melhor saída. A única certeza é o hoje, o agora, o já, e ele deve ser encarado como se não houvesse amanhã – afinal ele pode realmente não existir.

 

Ainda assim, as preocupações com um tempo que está por vir não cessam em nossas cabeças. São pessoas buscando a fonte da juventude de um lado, cartomantes sendo consultadas de outro. Preocupações com o futuro da crise e com a situação do mercado também são frequentes. “Será que as previsões econômicas tem alguma lógica de fundamento?”.

 

O imaginário não para no que vai acontecer amanhã, dentro de poucos anos ou quando estivermos velhinhos. É possível também imaginar as relações em um futuro bem mais distante, com os homens se tornando cada vez mais parecidos com máquinas e se esquecendo das relações pessoais. O futuro pode estar se transformando em uma distopia..

 

Aqui no Claro! exploramos um pouquinho de tudo que o futuro pode nos trazer. Mas não demora muito pra ler, já pensou se de repente acontece um apocalipse zumbi ou um vírus mortal se espalha pela Terra? O fim do mundo pode não estar tão longe assim (e você deve estar preparado).

Futuro do pretérito

 

Por Giovana Feix

 

2015-09-13 19.53.03

Com 77 anos de vida, 57 de casada, preciso admitir. Não sei bem o que fazer de tantas lembranças.

Meus filhos estão sempre aqui em casa, mas nenhum jamais teve interesse em abrir isso junto comigo – em conhecer esse quase museu de memórias que juntei ao longo da vida.

Fazia tempo que eu mesma não dava atenção a ele. Foi a mudança que me obrigou. O escritório é o cômodo que mais está dando trabalho: esse armário do canto direito, que costumo fechar a chave, tem tanta lembrança dentro que muitas vezes me vi hesitante em explorá-lo.

 

Quando abri estas portas, hoje, as coisas foram diferentes. Além do passado, era também o futuro que eu temia. Diferente do primeiro, este novo medo me trazia um frio gostoso à barriga. Eu e Silvio nunca fomos acomodados, mas, com a idade, as coisas mudam. Assim que nos demos conta, decidimos pela casa nova, no bairro onde, tanto tempo atrás, nos conhecemos e construímos nossa vida.

 

Aqui dentro estão, catalogados, os mais de quarenta álbuns de foto da nossa família. Diante deles, uma sensação estranha: ao contrário do que acontece com as madrugadas que passei organizando as imagens, já não lembro com clareza dos momentos que elas registram.

 

No canto direito está a caixa com minhas cadernetas. São mais de quinze, preenchidas de ponta a ponta com versinhos que escrevi, quando ainda não tinha família para fotografar. A tentativa de lembrar como foi composta minha vasta poesia também causa estranhamento. Desse tempo, o que pareço ter registrado com mais intensidade é a esperança: as cadernetas, muito além de momentos, têm o poder de me lembrar de sonhos. Elas são lembranças do futuro que, durante muitos anos, me dediquei a planejar.

 

Ainda que esses planos tivessem, sim, um espaço reservado aos álbuns de família, não posso negar que a ideia central do meu roteiro nunca chegou a se concretizar. Ter meus versinhos publicados sempre esteve rotulado, em um canto escondido dos meus pensamentos, como nada além de um sonho juvenil. Nenhum poeta famoso nasce em Caxias do Sul, eu pensava. Melhor seguir os conselhos da mamãe: as responsabilidades da casa e da família são as únicas capazes de fazer da menina uma mulher.

 

A tarde que passo relendo os versinhos atrasa a mudança e castiga  minha coluna, mas também torna evidente: a beleza do novo frio em minha barriga ultrapassa o mero frenesi da novidade.

 

Voltar ao bairro onde eu e Silvio nos conhecemos é voltar à sensação que um dia tive, de que as palavras me reservavam um futuro brilhante. Afinal, esse também é o bairro onde eu cresci, e onde, além das cadernetas, meu futuro foi um dia preenchido com sonhos.

 

Depois de finalmente terminar a separação do que vai à casa nova e o que vai ao lixo, é engraçado o quanto já não me sinto confusa sobre o que fazer das lembranças desse armário.

 

Não há mais espaço para receio. Ainda tem futuro pela frente, e quem sabe agora, com 77 anos de vida, 57 de casada, seja hora de apostar em ideias juvenis.

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

Tiragem impressa: 5.000 exemplares

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