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A revolução será sangrenta

 

Por Marcelo Grava e Vinicius Crevilari

 

 

ilustração melhor

 

No século XIX, em O Capital, Karl Marx disse que a violência é uma espécie de parteira da história. Todo o sangue derramado para a formação do mercado global capitalista, sugere, seria voltado contra o decadente sistema numa revolução.

 

Para o historiador Oswaldo Coggiola, o marxismo não é “partidário da violência”, mas também não a rejeita de modo abstrato, pois “as classes anacrônicas não costumam deixar o poder pacificamente”. Nestes momentos, ela seria empregada como “legítima defesa” pela classe ascendente.

 

Assim, não se deve encarar a violência como “princípio revolucionário” ou rejeitá-la em absoluto, mas enxergá-la como reflexo da luta de classes em diferentes momentos.

 

A Revolução Francesa, que simboliza a vitória burguesa sobre o sistema feudal, se assentou sobre o peso da guilhotina. No século XIX, as primeiras investidas contra a crescente exploração capitalista foram reprimidas de forma sangrenta pela nova classe dominante, da Comuna de Paris à Primavera dos Povos.

 

Em meio à brutal expansão capitalista, surgiram os socialistas utópicos, que defendiam a supressão gradual e pacífica da sociedade de classes – posição desmascarada no início do século XX pela revolução russa.

 

O terror vermelho e a violência stalinista

Graças a um lento trabalho de oposição revolucionária dentro da social-democracia russa, os bolcheviques tomaram o poder em 1917 com quase nenhum sangue derramado. Mas não demorou para que os soviéticos se vissem cercados por dezenas de exércitos e imersos em uma guerra civil agravada pela Primeira Guerra Mundial.

 

Para muitos, este período em que o Exército Vermelho empregou alto grau de violência sobre os contrarrevolucionários revela a “natureza” violenta do socialismo. Mas, para os bolcheviques, o “terror vermelho” era a legítima defesa do poder soviético.

 

Já a sanguinária ascensão de Stalin, que degenerou o estado operário russo e perseguiu e matou muitos antigos líderes bolcheviques – como Leon Trotsky – não pode ser confundida com a violência revolucionária.

 

A barbárie stalinista não é “legítima defesa” contra a burguesia, pois se volta contra os líderes da própria revolução. Ela não tem respaldo do povo, através dos sovietes, mas de uma direção burocrática, vertical.

 

Século XX e pacifismo

A burocratização da URSS, acelerada pelas revoluções fracassadas no restante da Europa, trouxe consigo pequenos “levantes” ditos socialistas na América Latina que fizeram uso da luta armada.

 

Coggiola aponta que tais lutas não eram amparadas por uma classe revolucionária, como previra Marx e ocorrera na guerra civil russa, mas em “vanguardas políticas autoproclamadas e descoladas das massas”.

 

Graças à degeneração ou deformação dos estados operários (URSS, China etc), no século XX cresceram o ceticismo quanto à revolução proletária e a crença no pacifismo, que nega em abstrato o uso de violência, sem oferecer um caminho concreto para a superação da barbárie capitalista.


Considerando que, no geral, as condições analisadas por Marx  no século XIX se mantêm até hoje, é seguro dizer que a história mostrará se uma transformação radical pode ser atingida por meios idealistas, como a conciliação pacífica de classes, ou por uma luta de massas, dialeticamente amparada nas experiências históricas, e sangrenta se necessário.

Polícia! Para quem precisa

 

Por Bruna Larotonda

 

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Aconteceu numa segunda-feira. Era início de madrugada e o tempo estava quente, típico de verão na capital paulista. O céu, iluminado por uma grande e reluzente lua cheia. As ruas já não estavam mais apinhadas de pessoas, apressadas com seus compromissos para lá e para cá. Uma música soava distante, carros e luzes passavam por mim esporadicamente. Uma farmácia aberta, um boteco com uns poucos bêbados virando sua última dose antes de ir para casa. Tudo calmo, tranquilo. A cidade inteira dorme para então despertar e renascer no dia seguinte.

Gosto de sair à noite: é um dos poucos momentos que se consegue ficar sozinho, em paz. Sem trânsito, sem pressa, sem fila. Sem gente estressada que só espera pelo fim de mais um dia. Nesta segunda, minha mãe alertou:

– Não saia hoje, meu filho. Estou com um mau pressentimento. Por favor, fique. Essa cidade está cada dia mais perigosa.

Não entendi o aviso. Tantas vezes que fiz exatamente a mesma coisa, que andei pelas ruas adormecidas dessa cidade que nunca dorme. Por que hoje seria diferente?

Acontece que, como dizem, as mãe sempre têm razão. E a minha, para o meu azar, estava certa também. Eu deveria ter escutado, mas há coisas que simplesmente acreditamos que nunca vai acontecer com a gente. Ouvimos histórias – no cabeleireiro, na fila do supermercado, no ônibus, nos noticiários – um caso do primo do vizinho do amigo de um amigo meu. Um homem morto à queima-roupa, outro ferido, outro humilhado. Mas isso tudo parece algo tão improvável. Pensamos: “que falta de sorte esse garoto teve. Se não estivesse no lugar errado na hora errada… Coitado”. Há também aqueles comentários mais cruéis e egoístas: “Bom, antes ele do que eu…”. A questão é que nunca estamos preparados para o pior.

Tudo começou quando percebi uns caras se aproximando de mim. Eu estava andando normalmente, calmo. Apertei o passo, não queria arriscar. Afinal, a rua já estava completamente deserta e silenciosa. A sombra das árvores na calçada e os sacos de lixo amontoados na sarjeta, com insetos dando as caras vez ou outra, tornavam a cena toda ainda mais sombria. Só queria sair logo dali, encontrar um lugar seguro. De repente, os homens me alcançaram. Tentei ficar calmo, não havia motivos para me fazerem mal. Rapidamente, fui cercado por eles. Fiquei encurralado. Começaram a me dar ordens. Gritaram comigo. Me jogaram no chão. Quando percebi, já estava apanhando. Não demorou cinco minutos, eu estava num carro, sendo levado para algum lugar desconhecido. O que queriam de mim? Por que eu? Invisível, ninguém viu o que aconteceu. Não havia ninguém para ver.

Me avisaram para não reagir. Me avisaram que eles poderiam me machucar. Esses caras são capazes de fazer qualquer coisa para conseguir o que querem. Torturar. Ameaçar. Subjugar. Matar. Me avisaram para ter cuidado, para tentar não chamar atenção. Me avisaram sobre a impotência diante do acontecimento. “Por que o senhor bateu em mim? Por que está fazendo isso? O que eu fiz?” – essas perguntas enchiam a minha cabeça.

Estou com frio. Estou com medo. Perdido. Esquecido. Quem irá me salvar? Para quem posso gritar por socorro? “Misericórdia!”. Peço para pouparem minha vida. O que querem de mim? O que está acontecendo? Não há resposta.

Machucado, amarrado, eles me levaram. “Para onde? Por quê?” – nada. Continuo ouvindo ordens. Eles pensam que podem fazer o que bem entenderem.

– Fique quieto, você é nosso agora. Você sabe muito bem por que está aqui – dizia um.

– Você sabe o que nós queremos. Agora seja bonzinho e coopere, senão… Você já sabe. Não brinque com a nossa paciência – falou o outro.

Silêncio.


Uma em cada cinco mortes em São Paulo foi cometida por policiais em 2014.

No ano passado, a violência policial foi a maior dos últimos 11 anos. Foram ao todo 343 mortes registradas na capital paulista.

Entre 2009 e 2013, a polícia de São Paulo foi considerada a segunda mais letal do Brasil.

Em 2015, 117 pessoas foram mortas pela polícia em todo o estado de São Paulo. Das mortes por militares e civis, 73,5% foram na capital e Grande SP.

Segundo o ouvidor das polícias, Julio Cesar Neves, “95% das mortes deste ano (2015) serão arquivadas e, se algum policial agiu contra a lei, ele não será punido”.

212 policiais militares mataram 110 pessoas e 11 policiais civis mataram sete pessoas em São Paulo nos dois primeiros meses deste ano.

O claro! é produzido pelos alunos do 3º ano de graduação em Jornalismo, como parte da disciplina Laboratório de Jornalismo - Suplemento.

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