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A importância de dormir bem

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A importância de dormir bem

 

João Vitor Oliveira

Qualidade de vida

Acúmulo de tarefas e distúrbios do sono prejudicam as noites e a saúde de habitantes de grandes cidades

Você acorda com os repetitivos e incessantes disparos do despertador martelando em seu ouvido e pensa: “Já? Não é possível”. Levanta a cabeça e vê com desgosto a claridade do dia entrando pela janela, mas alguns minutinhos de sono extra não o atrasarão. Ativa então a função “soneca” do celular. Após dez minutos – que mais pareceram dez segundos – o barulho recomeça, e está na hora de encarar mais um dia de trabalho com a sensação de não ter descansado o suficiente.

Geraldo Lorenzi-Filho operando aparelho de polissonografia

A qualidade do sono está diretamente ligada à qualidade de vida do ser humano. Enquanto dormimos, nosso organismo realiza funções extremamente importantes: fortalecimento do sistema imunológico, secreção e liberação de hormônios, consolidação da memória, entre outras. Porém, a falta de tempo de descanso provocada pelo corrido cotidiano urbano, aliada aos inúmeros distúrbios noturnos que atingem boa parte da população, prejudica o desempenho dessas funções. “Dormia-se 9 horas por noite no começo do século 20. Hoje, este tempo é cada vez menor”, explica o pneumologista, professor da Faculdade de Medicina (FMUSP) e diretor do Laboratório do Sono do Instituto do Coração (InCor), Geraldo Lorenzi-Filho.

A privação do sono atinge principalmente jovens e adultos. O excessivo acúmulo de tarefas torna habitual trocar algumas horas na cama por um pouco mais de tempo para terminar os afazeres. Médicos recomendam que se durma cerca de 8 horas por dia, e estudos recentes feitos na Europa, Estados Unidos e Japão mostraram, inclusive, que quem cumpre a agenda tem maior expectativa de vida. “Dormir mal é uma desgraça. Em um momento que seu corpo deveria estar descansando e se restaurando, ele faz tudo ao contrário”, comenta Lorenzi. As consequências de um sono de má qualidade vão de estresse e ansiedade, a curto prazo, a complicações cardiovasculares após alguns anos.

Ilustração de veículo de imprensa da época mostra o imperador Dom Pedro II dormindo durante leituras

O primeiro passo para uma noite bem dormida é respeitar, então, essas 8 horas. Dormir muito mais do que isso não é melhor e pode ser sintoma de algum distúrbio. Continuidade e profundidade do sono, porém, são aspectos essenciais. Segundo o neurologista especialista em medicina do sono e professor da FMUSP Rubens Reimão, “cada estágio do sono tem sua importância fisiológica. Por isso, é fundamental dormir bastante nas fases mais profundas. Isso melhora a qualidade da noite dormida”.

O que dizer então sobre o famoso cochilo após o almoço? Aquele que é inclusive cultural em alguns países – a sesta? Se tirado com regularidade, ele não faz mal, e a pessoa se sente bem, renovada ao acordar. Mas quando acontece esporadicamente, somente se sobra um pouco de tempo, já não é bom. “De uma forma geral, atrapalha o sono durante a noite e mostra que a pessoa está dormindo pouco durante a semana”, explica Reimão.

 

Distúrbios do sono

“Quem sofre de distúrbios deve analisar os hábitos que possui e identificar o que pode ser modificado para melhorar a qualidade de seu sono” – Rubens Reimão

Os historiadores contam que Dom Pedro II, último monarca da breve história imperial brasileira, possuía sonolência excessiva durante o dia e dormia em situações inapropriadas, como em peças de teatro ou durante conferências públicas. O hábito era satirizado por seus opositores, que aproveitavam a situação para divulgar charges dizendo que ele não se importava com o Brasil. Não sabiam – nem tinham como saber –, porém, que o imperador sofria de um distúrbio do sono.

O diagnóstico foi feito após estudo conduzido por Reimão e outros pesquisadores. O distúrbio, no caso, era a apneia obstrutiva. “Além da sonolência em excesso, ele roncava, respirava pela boca e era obeso. Tudo característico de quem tem esse problema”, conta o neurologista.

Os distúrbios do sono prejudicam a qualidade do descanso, muitas vezes já precária por ser em tempo reduzido, causando ou acentuando problemas de saúde. A apneia é apenas um dos cerca de cem que atingem moradores de grandes cidades. Ao lado principalmente da insônia, é dos mais comuns: afeta 33% da população paulistana adulta, de acordo com pesquisa realizada pelo Instituto do Sono da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). A doença é caracterizada por eventos de pausas respiratórias durante a noite que duram mais de dez segundos e que são consideradas anormais quando ocorrem mais de cinco vezes por hora de sono. O ronco é um indicativo. “Quando dormimos, a musculatura da faringe relaxa e podem ocorrer obstruções na via aérea. É fisiológico isso”, explica Geraldo Lorenzi. A obesidade, portanto, contribui para essa obstrução, já que o depósito de gordura na via aérea superior estreita a garganta.

No Laboratório do Sono do InCor, Lorenzi e sua equipe estudam a relação da apneia com riscos e complicações cardiovasculares. “O sono é o momento de descanso, entre outras coisas, do sistema respiratório, do cardiovascular e do cérebro. Nele, há diminuição da pressão arterial, da frequência cardíaca e da respiração”, comenta o pneumologista. Segundo ele, a apneia obstrutiva, uma vez presente, piora os efeitos de doenças do sistema circulatório. “É uma relação causal meio misturada”, explica. “Aproximadamente 70% dos apnéticos possuem hipertensão arterial, por exemplo, e 30% dos que têm hipertensão arterial são também apnéticos”. Quando o distúrbio é tratado e atenuado, vê-se uma melhora no quadro de hipertensão. Além disso, arteriosclerose, fibrilação arterial – tipo mais comum de arritmia cardíaca –, aumento do risco de AVC (Acidente Vascular Cerebral), de infarto agudo do miocárdio e até de diabetes estão associados à apneia obstrutiva.

Para Vivien Schmeling Piccin, o fisioterapeuta deve dar atenção especial aos desconfortos do paciente no começo da terapia com a máscara CPAP

A insônia também é muito comum. Pesquisas da Unifesp mostram que 40% dos paulistanos em geral se queixam dela, sendo 15% deles diagnosticados como insones. A questão é que existem dois tipos: a situacional – sentida por qualquer um em períodos de ansiedade e nervosismo, como antes de provas importantes – e a crônica, quando os problemas para dormir duram mais de um mês. “Nesse caso, a pessoa tem que fazer um tratamento para ver qual é a causa e combatê-la”, explica Rubens Reimão. A falta de sono à noite faz com que a pessoa fique agressiva e ansiosa durante o dia seguinte. A longo prazo, prejudica a saúde por não deixar o corpo cumprir as funções que executa quando dorme, além de poder causar depressão.

Outros distúrbios são menos comuns, mas quando ocorrem também complicam a qualidade do sono: bruxismo – ranger e apertar com força excessiva os dentes durante a noite –,  sonambulismo e síndrome das pernas inquietas – necessidade irresistível de movimentar os membros inferiores por causa de um extremo desconforto – são alguns deles.

Tratamento

Laboratório do Sono do InCor pesquisa a relação entre doenças cardiovasculares e distúrbios do sono

É importante, portanto, ao sentir que a qualidade de seu sono está sendo prejudicada por algum distúrbio, que a pessoa procure resolvê-lo. A polissonografia, exame que monitora os pacientes dormindo por uma noite através de uma série de canais, permite diagnosticar os problemas com precisão.

Para os apnéticos, a máscara CPAP (Continue Positive Airway Pressure) é o tratamento mais eficiente. O aparelho provoca um fluxo de ar contínuo que entra pelo nariz do usuário e abre sua garganta, impedindo a obstrução da via aérea durante a noite e evitando os efeitos do distúrbio. O desconforto estético provocado pelo uso da máscara e a dificuldade em se acostumar com a pressão positiva, no entanto, diminuem a adesão à terapia. Segundo Vivien Piccin, fisioterapeuta do Laboratório do Sono do InCor, somente em torno de 50% das pessoas que experimentam a CPAP continuam usando-a depois. Diante desses empecilhos, existem tratamentos alternativos, como exercícios de musculatura ligados à área da fonoaudiologia ou até, como conta Vivien, “sugerir que seja costurado um bolso nas costas do pijama e que se coloque uma bola de tênis dentro dele, o que impedirá que o paciente durma de barriga para cima, posição não recomendável para apnéticos”.

Quanto aos insones, o tratamento por medicação deve ser feito apenas pelos crônicos e sempre com orientação profissional. Se tomados de forma inadequada, os hipnóticos fazem com que a pessoa fique dependente deles para dormir e não solucione verdadeiramente seu problema. Utilizar remédios com outras funções, mas que causam sono como efeito colateral, também não resolve nada.

O que vale mesmo, para a maioria dos distúrbios, é o velho “prevenir é melhor do que remediar”. A simples mudança de hábitos no dia a dia diminui a ocorrência de vários problemas.

Praticar exercícios físicos, ter um sono regular e até deitar em posições confortáveis melhoram a qualidade do sono de qualquer um. A alimentação também desempenha um papel importante: comidas gordurosas antes de dormir, assim como estimulantes e álcool, atrapalham. Além disso, “os procedimentos de higiente do sono são extremamente importantes”, destaca Vivien. “Se a pessoa leva trabalho para a cama, dorme com o computador ligado, acaba associando o leito com o ambiente estressante do dia a dia. O quarto deve ser um lugar condicionado para dormir.”

Segundo dados da OMS (Organização Mundial da Saúde), 40% da população mundial não dorme como gostaria e sofre de algum distúrbio do sono. Poucos são os que se preocupam em resolver os problemas. Conforme declara Geraldo Lorenzi, “dormir é uma função essencial, tão importante quanto comer ou beber água, mas parece que nossa sociedade, a sociedade da vigília, se esqueceu disso.”

Confira os detalhes sobre as fases do sono

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