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Descarte de remédios preocupa especialistas

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Debate recente entre especialistas, o descarte de remédios é apresentado à população por meio de campanhas voluntárias e sem legislação prevista

Por Isabela Morais

Acumular remédios é um hábito brasileiro. Mas quando vencem ou sobram, poucos sabem como se desfazer desses produtos de maneira correta. A atitude mais habitual é descartá-los ou no lixo comum, ou no vaso sanitário. Segundo uma pesquisa realizada pelas Faculdades Oswaldo Cruz, 75% das pessoas em São Paulo descartam a medicação no lixo doméstico e 6%, na pia ou no vaso sanitário. Essas medidas, até recentemente, eram as únicas apresentadas à população.

Para Mauri Sergio Alves Palma, professor da Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF), o debate sobre o descarte de medicamentos é recente. Como pesquisador, ele conta que os trabalhos têm se concentrado no estudo dos efeitos da presença de fármacos (princípios ativos dos remédios) na natureza. “No caso de antibióticos, já se constatou que, no meio ambiente, eles não chegam a causar a morte de animais, mas promovem o aumento da resistência de bactérias”, explica.

Mauri Sergio Alves Palma acredita que, a longo prazo, o acúmulo de fármacos na água pode atingir os humanos

Outro exemplo de impacto ambiental, explica o professor, são as sulfas (princípio ativo de determinados antibióticos) que se acumulam em vegetais e animais. Como essa substância não é destruída pela natureza, a tendência é de que ela “suba” pela cadeia alimentar, em direção ao homem. Palma relata: “Outro impacto acontece com os estrogênios, contidos em anticoncepcionais. Na Alemanha, verificou-se que nas regiões próximas às saídas de esgotos tratados, esses hormônios estavam provocando a feminilização de anfíbios e peixes”.

Questionado sobre as consequências da continuidade do descarte de medicamentos na rede de esgoto, o professor mostra-se pessimista. “Imaginamos que se está criando uma bomba que com o tempo vai explodir. Os fármacos não são destruídos na natureza. Com isso, sua concentração aumenta até chegar num ponto em que se imagina que consumiremos alimentos produzidos com água tratada, mas com quantidade suficiente de fármacos que possa nos fazer mal. Ainda não percebemos efeitos em nós. Mas como os estudos apontam, o efeito está subindo na cadeia alimentar”, ele opina.

Para Wanda Maria Risso Günther, os medicamentos descartados devem ser inutilizados durante o percurso até a destino final, para que não possam ser reaproveitados

Wanda Maria Risso Günther, professora da Faculdade de Saúde Pública (FSP), ressalta que medicamentos são considerados resíduos químicos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Por isso, não há método sanitário que os retire completamente da água, mesmo numa rede de esgoto tratada, o que explica a conclusão de Palma.

Segundo a professora, remédios descartados no lixo comum, além dos problemas ambientais, causam impactos sociais. Isso porque em “lixões” ou em locais de tratamento, as cápsulas, vidros ou cartelas de medicamentos podem  ser reaproveitados pelos trabalhadores. “Nesses locais geralmente trabalham pessoas de baixa renda. Ao verem ali um remédio ‘intacto’, eles podem pegá-lo para consumo próprio”, explica.

Ana Maria Maniero Moreira atenta quanto à falta de orientação no trabalho de descarte de medicamentos realizado pelas Unidades Básicas de Saúde

Wanda relata o modo mais adequado de descartar medicamentos: as caixas, sem contato direto com o produto, podem ser jogadas no lixo reciclável. Já cartelas, vidros e os próprios remédios devem receber tratamento especial. Eles precisam ser inutilizados, para impedir o reaproveitamento. A etapa final costuma ser a incineração. Mas Wanda alerta: “Como profissional da área, não afirmo que a incineração seja o melhor para todos os resíduos químicos. Mas enquanto esse assunto é mais estudado, essa tem sido a prática mais comum”. Pesquisas aprofundadas ganham força na USP. A professora destaca que, na FSP, elas devem começar no ano que vem.

O Brasil não possui regulamentação sobre o destino que deve ser dado aos remédios descartados pela população. Em março, porém, o Ministério da Saúde, com apoio da Anvisa, deu um importante passo com a criação do Grupo de Trabalho Temático (GTT) de Medicamentos. De caráter provisório, o GTT tem como objetivo elaborar uma proposta para a implementação da logística reserva de resíduos de medicamentos. As discussões ainda estão em andamento.

Remédios jogados na rede de esgoto ou no lixo comum poluem o solo e a água. Os efeitos podem chegar à saúde humana

Iniciativas públicas e privadas têm apresentado alternativas à população. Na cidade de São Paulo, todas as Unidades Básicas de Saúde (UBS) recebem medicamentos vencidos ou excedentes. Mas, segundo Ana Maria Maniero Moreira, mestranda em Saúde Ambiental pela FSP, não há orientações claras para direcionar a coleta. “Pelo que eu vi, em parte das UBS são os farmacêuticos locais que cuidam do descarte. Não há uma orientação geral. Cada um faz ao seu modo, que nem sempre é o ideal”, relata.

Redes de farmácia privadas começam a apresentar pontos de coleta, mas ainda de modo restrito. No Estado de São Paulo, as iniciativas se concentram na capital.

Serviço

 

A Rede Droga Raia tem mais de 30 pontos de coleta na capital. Para mais informações, acesse o site do programa Descarte Consciente.

A Drogaria São Paulo recolhe medicamentos em todas as lojas da capital. A rede não recebe remédios de venda controlada.

Por meio do programa Descarte Correto de Medicamentos, todas as drogarias do Extra e do Pão de Açúcar na capital possuem coleta. Confira os locais no site.

Todas as Unidades Básicas de Saúde da capital dispõem de pontos de coleta. Para saber qual a unidade mais próxima, consulte a lista no site da prefeitura.

2 comentários sobre “Descarte de remédios preocupa especialistas”

  1. Héldio Fortun disse:

    Senhores

    Na qualidade de médico, recebo muitas vezes amostras de produtos farmacêuticos que acabo não tendo a oportunidade de utilizá-los e faço o descarte na farmácia do Supermercado Extra do Itaim Bibi por ser próximo de minha residência. A ignorância da população geral sobre o risco de um descarte no lixo doméstico, no lavatório, no vaso sanitário ou mesmo enterrando-o no solo, nada mais é do que por culpa da ANVISA, que ao invés de orientar a população quanto aos riscos em relação à saúde pública, fica se preocupando em discussões vãs e, como grande parte dos orgãos federais, é mais burocrático do que prático. Um exemplo recente é com relação à Sibutramina, tendo criado uma querela com os médicos, através do Conselho Federal de Medicina. Levam tempo demasiado para estudar os assuntos pertinentes, como liberação e cassação de produtos, quando coisas muito mais importantes são relegadas a um segundo plano.

  2. No Brasil tudo é possível. Não dá para se pensar em um projeto de descarte perfeito, sempre teremos aqueles que se aproveitariam desses descartes para se beneficiar de alguma maneira. Em Nápole, depois do ritual fúmebre, vendedores de flores pegam no túmulo as coroas e revendem; dizem que até o olho do peixe deteriorado no mercado pintam para mudar a aparência.- Sobre a ANVISA, o que falar da proibição até da Água de Melissa, calmante natural que já atravessou gerações. Não querem ver a população calma e tranquila.

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