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Aposentadoria: futuro bem cuidado

 

Por Ana Luiza Tieghi
O professor da FSP lançou seu primeiro romance, Em Breve Tudo Será Mistério e Cinza, em 2013

O professor da FSP lançou seu primeiro romance, Em Breve Tudo Será Mistério e Cinza, em 2013

Alberto Olavo Advincula Reis

 

Psicanalista e professor da FSP, Alberto Reis também é escritor e possui uma trajetória digna de romance

 

Escrever um livro é o sonho de muitas pessoas. Escrever um livro, publicá-lo em uma grande editora e ainda ser sucesso de vendas é mais do que muitos poderiam sonhar. Alberto Olavo Advincula Reis, psicanalista e professor da Faculdade de Saúde Pública (FSP), lançou o livro Em Breve Tudo Será Mistério e Cinza, pela Cia. das Letras.
Mineiro de Belo Horizonte, Alberto Reis viveu na cidade até seus 20 anos, quando conseguiu uma bolsa para estudar em Paris. O ano era 1968 e o Brasil estava em plena ditadura militar. Reis era estudante de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e participava do movimento estudantil, o que o tornou alvo de investigações.

Casa em que Alberto Reis viveu, no município de Serro, Minas Gerais, em foto da década de 70

Casa em que Alberto Reis viveu, no município de Serro, Minas Gerais, em foto da década de 70

O professor conta que era chamado com frequência à Polícia Federal, recebia ameaças pelo telefone e muitas vezes uma viatura da polícia ficava parada em frente a sua casa. Isso continuou até que um general amigo de seu pai alertou-o para tomar cuidado. Nessa altura, parte do movimento estudantil estava se preparando para iniciar a luta armada. “Isso vai dar errado”, pensou. Era o momento para sair do País.

Ele conseguiu uma pequena bolsa de estudos por meio de uma associação francesa chamada Comitê Católico Contra a Fome e para o Desenvolvimento. Sua família lhe deu a passagem de ida e mais cem dólares. Os pais de Reis tiveram dez filhos, e, dessa forma, mesmo seu pai sendo um advogado bem relacionado, os recursos econômicos da família eram escassos. Ao chegar em Paris, trabalhou em diversos locais para se sustentar.

“Não tinha outro lugar para mim a não ser lá”

Reis (menor) acompanhado de seu irmão e do pai, em Minas Gerais, onde cresceu

Reis (menor) acompanhado de seu irmão e do pai, em Minas Gerais, onde cresceu

Alberto Reis chegou em Paris em outubro de 68, pouco após o histórico Maio francês, quando greves gerais paralisaram o país. “O movimento havia incendiado os nossos corações e as nossas cabeças”, conta. Além disso, havia outros jovens brasileiros na mesma situação que ele, e o professor fez grandes amizades. Uma delas foi com o fotógrafo Sebastião Salgado, que na época ainda era estudante de Economia. Do ponto de vista acadêmico, a França estava na era de ouro da psicanálise, com o despontar de Lacan, além dos já reconhecidos Foucault, Barthes e Lévi-Strauss. Por todos esses motivos, afirma que não havia outro lugar para se estar.

Argélia

Reis ainda não tinha 26 anos, mas já havia terminado sua graduação e feito especializações em recursos humanos e psicologia clínica em Paris. Na época, trabalhava na Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) como entregador de correio interno, o que garantia seu sustento, mas estava angustiado pela falta de uma ocupação que fosse relacionada com a sua área de formação.

Foi então que soube de um concurso para dar aulas de psicologia na Universidade de Constantine, na Argélia. O país árabe havia conquistado sua independência da França há pouco tempo, e as marcas da guerra de libertação ainda estavam muito presentes. “Em cada classe havia pelo menos um aluno cujo pai tinha sido morto na guerra”, conta. Por outro lado, a Argélia era um país socialista e de terceiro mundo, o que encantava o jovem professor.

Carteira profissional utilizada por Alberto Reis quando trabalhou como professor na Argélia

Carteira profissional utilizada por Alberto Reis quando trabalhou como professor na Argélia

Apesar de difícil, Reis classifica a experiência como “fantástica”. Foi no país africano que ele descobriu a docência e se apaixonou pela atividade. “Eu adquiri uma identidade, a docência virou uma dimensão fundamental da minha vida profissional”, afirma. Passou um ano e meio no país, voltando para a França após esse período para fazer seu doutorado.

A volta ao Brasil

Enquanto fazia o doutorado, nasceu o primeiro filho de Reis, Bruno, que teve com sua primeira esposa. A essa altura, o professor se deu conta de que estava há dez anos vivendo fora do Brasil. “Se você for ficar aqui, vai deixar de ser brasileiro”, pensou. Seus valores, seu modo de se comportar e de falar, tudo estava ficando cada vez mais francês.

Com muita dúvida, Alberto Reis decidiu que era o momento para voltar ao Brasil. O ano era 1978 e a situação do País já estava favorável para seu retorno. “Queria ser um cidadão inteiro, votar – o Brasil estava se abrindo naquele momento –, participar politicamente, falar sem sotaque. Ter direito a uma cidadania plena”, explica.

O professor da FSP lançou seu primeiro romance, Em Breve Tudo Será Mistério e Cinza, em 2013

O professor da FSP lançou seu primeiro romance, Em Breve Tudo Será Mistério e Cinza, em 2013

A readaptação foi um período difícil. Além de estar há uma década em outra cultura, ele foi para São Paulo, cidade que desconhecia. “Voltei para um país que achava que era o meu, mas sentia que era um estrangeiro sem sotaque”, confessa. O sentimento de inadequação abalou várias estruturas de sua vida, como seu primeiro casamento, que chegou ao fim.

O primeiro trabalho de Reis no Brasil foi como professor de psicologia da Universidade Paulista (Unip). A função lhe proporcionou contato com a juventude local, o que o ajudou em sua readaptação. Algum tempo depois, passou a trabalhar também como psicanalista, conciliando a vida acadêmica com o atendimento clínico. Reis também deu aulas no curso de Medicina da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo.

A função de docente era um complemento à atividade exercida em sua clínica. “O trabalho de psicanalista é muito solitário. Você se silencia para o outro falar, tem a confidencialidade, o seu ego se apaga diante do protagonista da cena, que é o analisando”, explica. Já o professor deve fazer o contrário, ele precisa falar, transmitir seu conhecimento para a turma.

USP

A relação de Alberto Reis com a USP teve início quando foi convidado para uma discussão sobre crescimento e desenvolvimento, na Faculdade de Saúde Pública, que posteriormente resultou na criação do Centro de Estudos do Crescimento e Desenvolvimento do Ser Humano. Quando uma vaga para professor foi aberta, hesitou em preenchê-la, pois na época estava mais focado em sua clínica psicanalítica. Por fim, decidiu prestar o concurso. Alberto trabalhou durante muito tempo em meio período, mantendo sua clínica. Apenas recentemente optou pela dedicação em tempo integral, com toda sua atenção para a vida acadêmica. O professor também é vice-diretor do CoralUSP, e afirma se sentir à vontade no grupo.

Em Breve Tudo Será Mistério e Cinza

Alberto Reis ao lado de seu filho Bruno, em Paris

Ao abandonar a atividade clínica, Reis sentiu que poderia falar sobre afetos e memórias, aquilo que durante toda sua vida profissional teve que reservar para si. Em Breve Tudo Será Mistério e Cinza foi o resultado de cinco anos de trabalho e pesquisa. A obra é um romance histórico sobre um casal de imigrantes franceses que chega ao Brasil no século 19 e se aloja no interior de Minas Gerais. “Foi uma forma de continuar no universo da ficção, da memória, das histórias e conflitos, mas de outra maneira”, afirma.

O professor pretendia escrever sobre um possível encontro de Proust, autor que adora, com Santos Dummont. Para ele, as condições históricas e a personalidade das duas figuras tornam muito provável que tenham se conhecido, apesar de não haver registros de tal encontro. Seguindo a ideia inicial, Reis investigou a vida dos pais do brasileiro e chegou aos seus avós, imigrantes franceses que vieram para a região de Diamantina, que na época era local de extração de diamantes e tratada pela coroa portuguesa como um território à parte dentro do Brasil.

“Aproveitei esse casal, do qual se ignora tudo, e utilizei como personagem para escrever um romance sobre o destino humano”, conta. O autor enfatiza, porém, que tudo o que está no livro é pura ficção. Terminada a obra, Reis foi em busca de uma editora, pois acreditava que tinha um material bom nas mãos.

O psicanalista fez sete cópias de seu livro e deu para conhecidos lerem. Um amigo então lhe avisou que iria mandar o manuscrito para a Cia. das Letras. Tempos depois, ele recebeu a confirmação de que seu livro, que na época era nomeado O Silêncio das Pedras, seria publicado. Mesmo sem grande divulgação, Em Breve Tudo Será Mistério e Cinza ficou em primeiro lugar nos mais vendidos da Livraria da Vila da Alameda Lorena. “O pessoal lá em Minas também está comprando”, comenta o autor.

Reis afirma que pretende continuar escrevendo, pois, assim como foi fisgado pela docência quando estava na Argélia, foi atraído pela escrita. E como brincadeira com fundo de verdade, adiciona: “Tenho que escrever porque é muito vergonhoso ser autor de um romance só”. O professor já tem um novo projeto em mente, também histórico.

Alberto Reis também tem novidades na vida familiar. Em breve será avô pela segunda vez. “Achava meio esquisito ser avô, mas agora eu adoro, é uma alegria na vida da gente”, conta.

Em Breve Tudo Será Mistério e Cinza

perfil capaO romance de estreia do professor da Faculdade de Saúde Pública Alberto Reis conta, em uma prosa bem calibrada entre ficção e realidade, a história dos Dumonts, casal de franceses que se muda para o interior do Brasil para enriquecer com a extração de pedras preciosas.

No sertão mineiro, os imigrantes se deparam com presságios e encontros singulares. Avisados pelas autoridades locais de que a autorização para extrair diamantes nunca seria concedida a estrangeiros, vão em busca do ouro mineiro sem imaginar que a infame política local poderia arruinar seus sonhos.

Autor: Alberto A. Reis
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 568
Preço: R$ 56,00

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