comunidade usp

Hipertensão e obesidade não são só problemas de adulto

  • Facebook facebook
  • Twitter twitter
  • AddThis mais
Crianças e a hipertensão

 

Por Ana Luiza Tieghi
ReproduçãoA hipertensão arterial e a obesidade estão cada vez mais comuns e afetam também a saúde das crianças

 

A hipertensão, popularmente conhecida como pressão alta, é uma doença que atinge 30% dos adultos e 6% das crianças no Brasil, segundo dados da Sociedade Brasileira de Cardiologia. O valor é similar ao encontrado mundialmente. Dados divulgados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2012 indicam que um terço dos adultos possui hipertensão arterial. Essa porcentagem é ainda mais preocupante quando associada ao fato de que a hipertensão é o motivo causador de metade de todas as mortes por derrame e problemas cardíacos no mundo.

Alterações na pressão arterial podem acontecer por vários motivos, como aumento no volume de sangue a ser ejetado pelo coração – fato que pode ser causado pelo mau funcionamento dos rins ou excesso de sal na alimentação –, contrações insuficientes ou excessivas do coração e o aumento da resistência oferecida pelas artérias para a passagem do sangue.

“Se não tratada, a hipertensão causa danos nos órgãos nobres do organismo”, afirma o cardiologista do InCor Luiz Bortolotto

“Se não tratada, a hipertensão causa danos nos órgãos nobres do organismo”, afirma o cardiologista do InCor Luiz Bortolotto

Quadros graves de hipertensão arterial podem causar consequências sérias para a saúde. Segundo o cardiologista e diretor da Unidade Clínica de Hipertensão do InCor (Instituto do Coração), Luiz Bortolotto, “se não tratada, a hipertensão arterial causa danos nos órgãos nobres do organismo, que são o cérebro, o coração e os rins”.

 

O fator obesidade

A obesidade e o excesso de peso são considerados fatores de risco para o desenvolvimento de hipertensão. “Na infância e adolescência, a maioria dos quadros de hipertensão está associada à obesidade”, conta Bortolotto. A incidência de obesidade entre os jovens vem aumentando nas últimas décadas. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), uma em cada três crianças e dois em cada dez adolescentes estão acima do peso. O Ministério da Saúde aponta que nas últimas duas décadas a obesidade entre crianças de 5 a 9 anos passou de 4,1% para 16,6% entre os meninos e de 2,4% para 11,8% entre as meninas. O aumento também aconteceu entre os adolescentes, que em quatro décadas passaram de 3,7% com excesso de peso para os atuais e preocupantes 21,7%.

A psicóloga Ivonise Fernandes da Motta acredita que os pais precisam dar limites aos filhos, inclusive na alimentação

A psicóloga Ivonise Fernandes da Motta acredita que os pais precisam dar limites aos filhos, inclusive na alimentação

“Os hábitos das crianças mudaram muito. O aumento do consumo de alimentos industrializados, calóricos, gordurosos e ricos em sódio aliado a uma vida sedentária trouxe para a infância doenças que antes só eram vistas em adultos e idosos”, alerta Denise Lellis, idealizadora e coordenadora do Ambulatório de Obesidade Infantil do HU (Hospital Universitário).

 

O papel da família

Como a obesidade atualmente é um problema comum nas crianças e também porta de entrada para uma série de enfermidades, preveni-la é o melhor a se fazer. Como conta Denise, “não há melhor forma de combater essas doenças do que a prevenção desde o nascimento”. A função de evitar que a criança se alimente de maneira inadequada, adquira hábitos sedentários e ganhe peso excessivo cabe geralmente aos pais. Porém, em uma época na qual toda a família precisa contribuir para o orçamento familiar e o trabalho consome muito tempo do dia a dia, não se pode ignorar a dificuldade enfrentada pelos pais para realizar essa tarefa. Não bastasse a falta de tempo para estar com as crianças, a violência encontrada fora das residências é outro fator que dificulta a realização de atividades físicas, contribuindo para que elas permaneçam confinadas.

Para a coordenadora do Ambulatório de Obesidade Infantil do HU, Denise Lellis, a prevenção é a melhor forma de combater a hipertensão e a obesidade nas crianças

Para a coordenadora do Ambulatório de Obesidade Infantil do HU, Denise Lellis, a prevenção é a melhor forma de combater a hipertensão e a obesidade nas crianças

A psicóloga e professora do Instituto de Psicologia (IP) Ivonise Fernandes da Motta acompanhou uma pesquisa feita com crianças e suas famílias, em parceria com a Escola Paulista de Medicina. O projeto apontou que “havia um cotidiano esquematizado no qual os pais trabalhavam e a criança ficava com os avós ou outra pessoa, fazendo o que fosse possível. Por exemplo, se a pessoa que ficava com a criança não tinha condição de levá-la a um centro esportivo para fazer alguma atividade física, então ela ficava em casa e engordava”.

Esse fator é ainda pior em famílias de baixa renda, que vivem nas periferias. A falta de espaços de lazer seguros e os altos índices de violência são um convite ao trancafiamento domiciliar e, consequentemente, ao excesso de peso. “Nós estamos em uma época em que alguns padrões de vida mudaram. Por exemplo, era usual brincar, o que implicava em atividade física. Hoje é muito comum o sedentarismo, há uma restrição. A criança fica mais na televisão, no computador, já que os pais trabalham”, afirma Ivonise.

 

Poder dos exemplos

Como não é mais possível aos pais estarem grande parte do tempo com seus filhos, nunca foi tão importante ensinar as crianças através de exemplos. “O exemplo é contagioso, tanto o bom quanto o ruim”, conta Denise. Nem o poderoso marketing da indústria alimentícia infantil consegue superar o poder de um bom exemplo encontrado no ambiente familiar. “Se nos primeiros anos de vida alimentos saudáveis fizerem parte da vida da criança e mais tarde ela assistir aos pais comendo de forma saudável e se exercitando, provavelmente ela terá repertório para fazer as melhores escolhas alimentares”, conclui a médica.

O InCor (Instituto do Coração) faz parte do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina e é especializado em cardiologia, pneumologia e cirurgias cardíaca e torácica

O InCor (Instituto do Coração) faz parte do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina e é especializado em cardiologia, pneumologia e cirurgias cardíaca e torácica

A psicóloga Ivonise da Motta chama a atenção para outro dever dos pais que vem sendo negligenciado com frequência: a autoridade. “O que nós observamos é que os pais parecem até pedir um pouco de licença para estarem em seus lugares e colocarem limites. Eu vejo uma confusão muito grande entre autoridade e autoritarismo. Ficou estabelecido que colocar limites é algo ruim, mas colocar limites é fundamental.”

Ivonise também acredita que a falta de tempo para o convívio familiar está tornando as pessoas menos aptas a perceberem o óbvio umas nas outras. Um estudo feito pela Faculdade de Saúde Pública com 400 crianças em fase pré-escolar demonstrou que, entre aquelas que apresentavam sobrepeso, somente 20% dos pais tinham uma percepção da condição de seus filhos. “Eu acredito que isso é algo que não acontece só na obesidade, é o resultado de um dia a dia em que as pessoas fazem muito, mas se olham muito pouco”, afirma.

Crianças com excesso de peso também sofrem consequências morais sérias, devido ao bullying. “Hoje se sabe que as crianças obesas sofrem mais bullying na escola do que qualquer outra minoria”, conta Denise. Ivonise também ressalta o impacto da discriminação contra crianças obesas. “Pode causar problemas de autoestima, de esquema corporal e de uso do próprio corpo.” A criança pode apresentar sinais de ansiedade e depressão, sintomas que possuem potencial para marcá-la pelo resto da vida. “O impacto disso na infância e adolescência pode causar mais estragos do que muitas doenças orgânicas”, ressalta a médica do HU. Tentativas de realizar bullying contra outras crianças precisam ser reprimidas nas escolas e no ambiente familiar e não se pode culpar a criança obesa por sua condição, pois há muitos fatores complexos envolvidos. É preciso que ela se sinta encorajada a ser saudável, não reprimida.

 

Atenção médica

ReproduçãoOs dois médicos ouvidos pela reportagem consideram extremamente importante a realização de um exame simples, mas que vem sendo negligenciado por parte da comunidade médica: a aferição da pressão arterial dos pacientes. Segundo Denise, menos de 50% das crianças têm suas pressões aferidas em consultas de rotina, o que dificulta a percepção de casos de hipertensão infantil e adia o início do tratamento, podendo causar danos à saúde da criança. “Quanto antes a hipertensão for resolvida, menor a chance de complicações renais e cardíacas na idade adulta”, afirma.

A médica defende ainda que todas as crianças a partir dos três anos devem ter sua pressão arterial medida ao menos uma vez por ano, e esse índice precisa ser acompanhado de perto pelo pediatra se o paciente for obeso. Bortolotto acredita que o excesso de especializações na medicina é um fator que atrapalha o diagnóstico da hipertensão. “O especialista fica muito focado em sua área e esquece o global do paciente. As sociedades médicas e nós da academia temos trabalhado muito na conscientização da importância da aferição da pressão em todas as consultas médicas, independente da especialidade”, afirma. A situação da pressão arterial de um paciente é um dado importante demais para ser deixado de lado.

 

Tratamento

ReproduçãoApós ser realizado o diagnóstico de hipertensão, o tratamento é similar para crianças e adultos. Se houver excesso de peso, é preciso que o paciente se concentre em mudar hábitos alimentares e praticar exercícios físicos, tendo uma vida mais ativa e saudável. “Na maioria das crianças e adolescentes cuja hipertensão está ligada à obesidade e ao sedentarismo, e quando não há complicações, a adoção de hábitos saudáveis como diminuição do consumo de sal, de carboidratos, perda de peso e atividade física regular pode ser suficiente para o controle da pressão sem necessidade de medicação”, conta o médico do InCor.

Em casos mais simples, apenas a mudança de hábitos já soluciona o problema da hipertensão. Mas, se for necessário, existem diversos tipos de medicamentos que podem ajudar no processo de cura. Como explica Bortolotto, “os medicamentos para regular a pressão agem nos principais mecanismos de controle que possam estar alterados. Temos os diuréticos, os dilatadores de artérias, os que bloqueiam a liberação de uma substância produzida em vasos e rins que faz subir a pressão e os que bloqueiam a atividade do sistema nervoso simpático – isto é, que indiretamente diminuem a descarga de adrenalina e os efeitos sobre a pressão”. Os mesmos medicamentos podem ser prescritos para crianças e adultos, dependendo da dosagem.

Ivonise da Motta destaca o impacto psicológico que uma mudança profunda de hábitos pode provocar. “Não é tão fácil, você tem que mudar uma maneira de viver. Essa é a questão das cirurgias bariátricas, por exemplo. Agora se exige um trabalho psicoterápico com o paciente, porque se percebeu que as pessoas faziam a cirurgia e emagreciam, mas surgiam outros problemas, como o vício em álcool e compras. O excesso era deslocado para outras áreas.”

Realizar uma mudança profunda nos hábitos de vida é o melhor modo para combater a hipertensão e a obesidade, tanto em crianças como em adultos. Porém, essa é uma tarefa muito complicada, que precisa ser realizada com o apoio de familiares e pessoas próximas, além de acompanhamento médico. Se o paciente receber esse apoio, mais do que apenas sua saúde será beneficiada.

 

Dez mandamentos do coração saudável, segundo a Sociedade Brasileira de Cardiologia

 

1 – Controle o seu peso

2 – Consulte o seu médico periodicamente

3 – Meça a sua pressão arterial com frequência

4 – Diga não ao fumo

5 – Verifique a quantidade de sal nos rótulos dos alimentos

6 – Diga não ao sedentarismo

7 – Escolha bem os alimentos

8 – Saiba se é diabético e se tem colesterol alto

9 – Evite o estresse

10 – Ame a vida e o seu coração

Deixe um Comentário

Fique de Olho

Enquetes

As questões nas reuniões do Conselho Municipal de Política Urbana envolvem, indiretamente, transporte e mobilidade. Em sua opinião, qual item seria prioridade para melhorar o transporte público?

Carregando ... Carregando ...

Dicas de Leitura

A história do jornalismo brasileiro

O livro aborda a imprensa no período colonial, estende-se pela época da independência e termina com a ascensão de D. Pedro II ao poder, na década de 1840
Clique e confira


Video

A evolução do parto

O programa “Linha do Tempo”, da TV USP de...

Áudio

Energia eólica e o meio ambiente

O programa de rádio “Ambiente é o Meio” foi...

/Expediente

/Arquivo

/Edições Anteriores