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Leitura de uma vida

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A saúde brasileira tem cura?

 

Por Aldrin Jonathan
“Fico muito satisfeita de ser uma estudiosa da obra de Cervantes”

“Fico muito satisfeita de ser uma estudiosa da obra de Cervantes”

Maria Augusta da Costa Vieira

 

Docente da FFLCH, por duas vezes finalista do Prêmio Jabuti, é sinônimo de comprometimento com a educação

 

“Não tenho vontade de sair daqui [USP], aqui é minha casa.” Foi assim que a professora titular Maria Augusta da Costa Vieira, do Departamento de Letras Modernas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, se pronunciou a respeito de deixar o lar acadêmico. Há 43 anos na Universidade de São Paulo, é exemplo de dedicação ao ensino e à pesquisa.

A docente, que ama ler e odeia praticar esportes, graduou-se em 1975 e desde então não se separou da Universidade. Com uma pesquisa voltada para os estudos cervantinos, adora o exercício da profissão: “Eu gosto de dar aula, sempre gostei. É a atividade profissional com a qual eu mais me identifico. E outra coisa que vem paralela a isso é pesquisar. Eu gosto de pesquisar”. Ainda no tempo de graduação, ministrou aulas de alfabetização para adultos e para crianças. A pesquisadora, que integrou a direção da Associação de Hispanistas de 2001 até 2007, acredita que o contato com os alunos é fundamental para atribuir sentido a sua posição de educadora.

Como reconhecimento de seu trabalho científico, recebeu o terceiro lugar do Prêmio Jabuti 2013 com o livro A narrativa engenhosa de Miguel de Cervantes: estudos cervantinos e a recepção do Quixote no Brasil, na categoria Teoria e Crítica Literária. Já em 2006 havia sido finalista do prêmio, pela organização e elaboração de Dom Quixote: a letra e os caminhos, que foi uma coletânea em homenagem ao quarto centenário da primeira parte de Dom Quixote. Percebendo as premiações como indicação da importância de seus estudos para o contexto brasileiro, considera a materialização de sua pesquisa no livro como forma de divulgação do conhecimento desenvolvido na Universidade para a sociedade. “Tem muita coisa atrás do livro, muita coisa escondida”, explica.

Maria Augusta influenciada pelas aulas de literatura, na época do colégio, ministradas pela “excelente” professora Berta Waldman, docente titular aposentada pela USP, do Departamento de Línguas Orientais, descobriu o encanto pelos textos, pelos estudos literários e pelas indagações que eles suscitavam. A problematização do conhecimento, o direito à resposta e ao pensamento eram aspectos promovidos aos alunos durante as aulas de Berta Waldman.

Tal encantamento ganhou voz com a leitura de Dom Quixote. Miguel de Cervantes despertou na pesquisadora, ainda na época de graduação, a reflexão sobre aspectos fundamentais da existência humana: decisões, embates, fraquezas, injustiças. “A personagens que, dentro daqueles estamentos, nos séculos 16 e 17, estavam colocados na parte mais inferior, ele concede densidade humana, lhes dá o direito à palavra”, ensina a pesquisadora.

Em sua fase de vestibular, a estudiosa de Cervantes chegou a ficar balançada pelo curso de Arquitetura, pois se interessava por questões relacionadas ao urbanismo e à arte. No entanto, por não se afinar com disciplinas como matemática, física e química e possuir uma formação amadurecida nas ciências humanas, compreendeu que a opção por Arquitetura iria dificultar seu ingresso na universidade.

“Não tenho vontade de sair daqui [USP], aqui é minha casa.”

“Não tenho vontade de sair daqui [USP], aqui é minha casa.”

Iniciou a graduação no curso de Letras em 1971. Apaixonada pela obra de Machado de Assis, considerava a possibilidade de não só estudar o autor brasileiro, como também a literatura hispano-americana. “Entrei no curso de Letras pensando que eu gostaria de me especializar na obra de Machado de Assis. Tinha verdadeiro fascínio pelo autor. Gostava dos contos, das Memórias Póstumas. Eu gostava dos textos dele e tinha vontade de me embrenhar por esses cantos.”

Foi apenas no último semestre da graduação, em 1975, com leitura de Dom Quixote, que descobriu sua vocação: o estudo apurado da obra de Cervantes. Muito segura de sua escolha, a decisão pela área de pesquisa só ocorreu no final do curso: “Fico muito satisfeita de ser uma estudiosa da obra de Cervantes. Isso para mim é uma alegria e um prazer constante. Eu fui certeira na escolha. Não por mim, evidente, mas pela obra que eu escolhi”, revela.

Terminada a graduação, já em 1976, a docente foi para a Espanha para especializar-se no Curso Superior de Filología Española, peloConsejo Superior de InvestigacionesCientíficas. Tratava-se de uma bolsa oferecida pela Universidade de São Paulo aos alunos que se sobressaíssem de alguma forma ao longo da graduação. O curso também contava com bolsa para os alunos de melhor rendimento acadêmico. O resultado foi a especialização em língua e literatura espanhola pelo Instituto de Cultura Hispânica, em Málaga. As duas especializações eram voltadas para a literatura espanhola do século 20. A professora não pôde estudar Cervantes, mas juntou bibliografia, já que tinha a ideia de iniciar pesquisa em solo brasileiro.

Ao voltar para o Brasil, em 1977, foi convidada pela USP a ministrar aulas no curso de Letras, de forma voluntária. Apenas em 1984 foi contratada como docente da Universidade, passando a tempo integral. Com a criação, em 1978, do curso de pós-graduação em Língua Espanhola e Literatura Espanhola e Hispano-Americana, Maria Augusta começou o mestrado com um estudo mais detido sobre a obra de Cervantes, especificamente sobre o episódio dos Duques, de Dom Quixote: “Gostei demais de fazer essa pesquisa. Fiquei encantadíssima com isso”.

Com a finalização do mestrado, em 1985, iniciou o doutorado no ano seguinte, dando seguimento aos estudos sobre Quixote. O período de doutorado foi importante para os projetos de pesquisa da docente: a oportunidade de estudar na Espanha lhe possibilitou o contato com os acervos especializados que lhe proporcionaram o acesso a textos específicos sobre o estado dos estudos cervantinos. Segundo a pesquisadora, em pouco tempo sua biblioteca possuía mais títulos de Cervantes do que a da USP, que, naquela época, não detinha bibliografia extensa sobre a obra do autor.

Na década de 90, a professora, que possui afinidade com vida no campo, se vinculou à Associação de Cervantistas e à Associação de Hispanistas, cujas reuniões foram fundamentais não só para a apresentação e desenvolvimento de suas pesquisas, mas também pelo contato com os pesquisadores cervantinos de diversas partes do mundo.

Mãe de dois filhos, uma advogada e de um historiador, Maria Augusta é a atual diretora da Associação de Cervantistas, com a responsabilidade de organizar o próximo congresso da associação, que acontecerá em 2015, na USP. É a primeira vez que o evento ocorre na América: “A organização do congresso é uma grande missão para mim”, disse.

Aos 62 anos, pensa em se aposentar na USP e mostra apreensão pelo tema: “Eu já ando bem preocupada, no sentido de me perguntar o que que eu tenho que fazer aqui [na Universidade]”. Como quem não quer ver o tempo passar, a pesquisadora, comprometida com suas escolhas desde a graduação, mostra-se agradecida a todos que a acompanharam durante todo esse tempo: aos alunos, amigos, e principalmente aos pais, filhos e Cervantes. “Eles me ajudaram muito a entender um pouquinho da natureza humana, tanto na missão de mãe e educadora, quanto na parte intelectual.”

 

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