comunidade usp

Levando os dentes a sério

  • Facebook facebook
  • Twitter twitter
  • AddThis mais
Vencendo as dificuldades

 

Por Lucas Tomazelli

A criação de bancos de dentes tem ajudado a melhorar os índices de saúde bucal do País nos últimos anos

No Brasil, a ideia de doação de órgãos tem sido muito discutida, inclusive com campanhas de conscientização nos diversos meios de comunicação. Porém, a doação de dentes, que muitos não veem como órgãos, não é uma ação bem divulgada e esclarecida para a população.

A saúde dentária foi, por muito tempo, uma área que ficou longe das prioridades do nosso país, contudo, o quadro vem mudando. É o que mostra o SBBrasil 2010, Pesquisa Nacional de Saúde Bucal realizada pelo Ministério da Saúde, que mostrou uma melhora significativa no índice de dentes cariados, por exemplo. Ainda assim, há muito o que explorar na área, já que alguns problemas, como a falta de próteses para idosos, ainda estão longe de ser solucionados.

Tendo em vista a complexidade e a abrangência da área, professores da Faculdade de Odontologia criaram, há 20 anos, um banco de dentes. José Carlos Imparato, professor da Faculdade de Odontologia e coordenador do banco, revela o objetivo inicial do projeto: “Nosso banco começou com o intuito de colar dentes. A ideia principal era coletá-los para realizar a esterilização e então colar uma parte de um dente de um doador em um receptor”.

Os estudantes de Odontologia precisam frequentemente de dentes para determinadas disciplinas ou pesquisas. Antigamente, esses dentes eram obtidos de forma aleatória e sem registro algum.

“Para nós, hoje, é essencial que as crianças captem essa ideia de doação de órgãos e sejam doadoras de maneira muito mais natural”

Imparato acredita que a criação do banco foi essencial, nesse sentido: “Não havia a menor normatização sobre como os alunos obtinham os dentes. Então, a gente precisa agir da maneira mais ética possível, não posso chegar aqui na Universidade de São Paulo e dizer para meus alunos se virarem para buscar dentes, isso não existe mais na Universidade. É uma pena que ainda aconteça em diversas faculdades pelo País”.

Sobre a obtenção ilegal de dentes, comumente chamada de “mercado negro”, o professor é categórico: “Existia e ainda existe comércio ilegal, mas quem movimenta esse mercado está atuando distante das atuais normatizações e procedimentos éticos da área”.

Aliado à crescente tecnologia, a Odontologia já vem oferecendo outras opções para os alunos, porém essas inovações ainda são um pouco incipientes. “Pensando em retrospectiva, há alguns anos 100% dos alunos teriam que usar esses dentes naturais do banco. Hoje, nós já temos dentes artificiais, que não são muitos e não podem ser utilizados em todos os tipos de pesquisa”, afirma o coordenador do banco.

Outra alternativa para os alunos que necessitam de dentes para seguir aprendendo tem sido os dentes de animais. Segundo o professor, esse tipo de dente é uma boa saída, mas não contempla a demanda dos alunos. Contudo, o professor alerta novamente para a regulamentação: “Hoje já temos também um comitê de ética para uso animal, que é diferente de nosso comitê de ética para as pesquisas realizadas com material humano. É importante essa normatização contínua”.

Assim, com o tempo, o banco foi assumindo uma função bem mais importante: auxiliar no ensino e na pesquisa. “Coletar e doar dentes para os alunos são alguns dos nossos grandes objetivos. Isso ajuda a aprimorar o desenvolvimento técnico dos estudantes”, explica Imparato.

O professor ilustra a utilidade dos dentes armazenados com um exemplo de procedimento odontológico comum: “Imagine um tratamento de canal (endodontia), muitos dentes humanos que nós recebemos aqui no banco ainda possuem raízes, então os alunos podem utilizar esses dentes em um treinamento laboratorial, adquirindo conhecimento na prática”.

Os dentes chegam ao banco por diferentes meios: “Praticamente todos os dentes extraídos na Universidade são coletados e levados para o banco, mediante um termo de consentimento que o doador assina na hora da extração”, explica. Além disso, é realizado um trabalho externo: “Fazemos, uma vez por mês, um trabalho de coleta na prefeitura de Barueri, onde instalamos potes para coletas na rede pública”.

Mesmo com essas fontes de dentes, há ainda um grave problema de falta de conscientização quanto à importância e existência dos bancos. É interessante notar que o desconhecimento sobre a importância de se doar para auxiliar no ensino e na pesquisa vem de todas as partes.

Os próprios profissionais dentistas e outros que trabalham na área não estão completamente inteirados sobre a causa, é o que afirma o coordenador do banco: “Os bancos precisam ser mais conhecidos até pelos dentistas. Também é importante conscientizar secretários e coordenadores de saúde de que os dentes são órgãos que devem ser doados para acabar com coleções particulares e comércio ilegal.”

Falta também a consciência por parte da população sobre a importância de doar dentes que, por muitas vezes, são guardados sem utilidade alguma ou esquecidos pelas pessoas: “Outra situação é trabalhar com a conscientização da população, para que ela entenda que é um órgão também, passível de doação. Caso você passe por alguma cirurgia dentária, fale com seu dentista, converse com ele, tente ver se ele conhece um banco, faça com que o dentista doe o dente”.

Banco de dentes da FO completa 20 anos em 2012

Imparato destaca que o trabalho do banco é, também, criar uma cultura de doação entre a população e, se possível, desde o início: “A doação de dentes na infância é bastante associada à ‘fada dos dentes’, então o que estamos fazendo agora? Estamos escrevendo um livro (Imparato juntamente com uma pedagoga) no qual a fada trabalha para o banco de dentes. O livro tem duas funções: não eliminar o imaginário infantil e conscientizar a família de que o órgão pode ser doado. Espero que, no futuro, essa situação de doação de dentes seja comum, crie-se uma cultura”.

Em 20 anos alguns aspectos melhoraram, os indicadores de saúde bucal, a conscientização do dente como órgão e de sua doação. Imparato lembra que a doação é possível para qualquer tipo de dente: “Todos podem ser doados, até os ressecados e quebrados podem ser doados. Daremos algum destino para eles, com certeza”.

O SBBrasil 2010 aponta grandes melhoras desde 2003 (último ano em que a pesquisa foi realizada). A cárie, por exemplo, reduziu 19% na população até 12 anos. A necessidade de prótese em jovens reduziu em 52% e, em adultos, 70%. Com relação à periodontia (que trata de problemas na gengiva, por exemplo) apenas 1,8% dos idosos não apresentaram problema algum, contra 17% dos adultos.

Engajado na melhoria desse trabalho, o professor projeta um cenário positivo: “Indiretamente o que farão com os dentes doados servirá para a população como um todo. Os resultados das pesquisas já estão beneficiando e vão beneficiar muitas outras pessoas. É difícil mensurar em avanços científicos, mas é claro que o banco contribuiu para inúmeras pesquisas”.

 

Box:

Bancos de dentes no Estado de São Paulo:

Universidade de São Paulo (USP) – Faculdade de Odontologia
Av. Professor Lineu Prestes, 2.227 – Cidade Universitária – São Paulo – SP – CEP 05508-000
É preciso enviar uma carta de doação. Mais informações: (11) 3091-7835 ou acesse http://www.fo.usp.br/

Faculdade de Odontologia São Leopoldo Mandic (SP) 
Rua Dr. José Rocha Junqueira, 13 – Ponte Preta – Campinas – SP – CEP 13045-755 – A/C Banco de Dentes Humanos
É preciso enviar uma carta de doação, com nome, RG e quantidade de dentes enviados no envelope. Mais informações pelo site http://www.slmandic.com.br/

Universidade Camilo Castelo Branco (SP)
Rua Carolina Fonseca, 548 – Itaquera – São Paulo – SP – CEP 08230-030 – A/C Banco de Dentes
É preciso enviar uma carta de doação e os dentes em um pote com soro fisiológico. Mais informações: (11) 2070-0196 ou acesse http://www.unicastelo.br/

Deixe um Comentário

Fique de Olho

Enquetes

As questões nas reuniões do Conselho Municipal de Política Urbana envolvem, indiretamente, transporte e mobilidade. Em sua opinião, qual item seria prioridade para melhorar o transporte público?

Carregando ... Carregando ...

Dicas de Leitura

A história do jornalismo brasileiro

O livro aborda a imprensa no período colonial, estende-se pela época da independência e termina com a ascensão de D. Pedro II ao poder, na década de 1840
Clique e confira


Video

A evolução do parto

O programa “Linha do Tempo”, da TV USP de...

Áudio

Energia eólica e o meio ambiente

O programa de rádio “Ambiente é o Meio” foi...

/Expediente

/Arquivo

/Edições Anteriores