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Novas regras da caderneta de poupança

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Caderneta de poupança

 

João Vitor Oliveira

Economia

Governo diminui rentabilidade dos investidores, mas favorece política de redução dos juros

Quando o assunto é o governo agindo sobre regras da caderneta de poupança, impossível para muitos brasileiros – principalmente os de 30 anos ou mais – não se lembrar imediatamente do polêmico Plano Brasil Novo, ou, como ficou conhecido popularmente, Plano Collor.

Anunciado em março de 1990, um dia após a posse de Fernando Collor de Mello como presidente da República, o pacote incluía, entre outras medidas, a decisão de bloquear 80% dos depósitos de contas correntes e de poupanças que excedessem NCz$ 50 mil (cruzados novos) por 18 meses. O objetivo era reverter o quadro de hiperinflação que há tantos anos castigava a economia do País.

A notícia provocou pânico. Poupadores desesperados protagonizaram uma verdadeira corrida aos bancos para reaver seu dinheiro antes que fosse bloqueado. Alguns perderam tudo e chegaram a se suicidar. A política acabou se mostrando falha – apesar da redução imediata, a inflação voltaria a crescer no mesmo ano – e contribuiu para o inevitável impeachment do presidente dois anos mais tarde.

1. Para o professor Márcio Nakane, pequenos poupadores devem continuar investindo na caderneta

Mas quem viveu isso pode ficar tranquilo, pois a Medida Provisória (MP) divulgada no dia 3/5 pelo ministro da Fazenda Guido Mantega, que altera regras da caderneta, não tem nada em comum com o Plano Collor. “No caso, o que houve foi um confisco: as pessoas tinham seu dinheiro na poupança e, de repente, não tinham mais nada”, explica Márcio Nakane, professor do Departamento de Economia da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA). “O que está acontecendo hoje é uma mudança no modo de remuneração.”

Até a instituição da MP, a poupança rendia fixamente, ao ano, 6% mais a TR (Taxa Referencial). Agora, se a Selic – taxa básica de juros estabelecida mensalmente pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central – estiver igual ou abaixo de 8,5%, renderá 70% dela mais a TR. Este valor foi atingido em reunião do Copom no final de maio, então a regra já está valendo. Importante ressaltar que afeta apenas depósitos que tenham sido feitos a partir do dia 4/5.

A medida faz parte de estratégia do governo para dar continuidade à política de redução de juros que vem mantendo desde o ano passado. Com isso, mesmo que haja queda na rentabilidade da caderneta, os pequenos e médios poupadores serão beneficiados com taxas de juros menores para pagar e um consequente poder de compra mais elevado.

As mudanças e a política econômica

A poupança foi criada ainda no período Imperial brasileiro, por Dom Pedro II, junto à Caixa Econômica da corte. Desde então, mostra-se um tipo de investimento um tanto quanto atrativo. Segundo Nakane, isso se dá por ela ser uma aplicação fácil de lidar. “Se você quer investir em ações, por exemplo, tem que ficar quase todo dia acompanhando as variações de preço, os eventos que podem afetá-las de algum modo e outras coisas. É muito mais complexo do que simplesmente deixar seu dinheiro rendendo na caderneta.” Além de simples, é isenta de imposto de renda e possui alta liquidez – enquanto em outros investimentos é necessário esperar um tempo para se ter um rendimento razoável, a poupança, ainda que de maneira modesta, já oferece algum no mês seguinte ao depósito.

Thiago Martinez, economista do Ipea

Boa parte de outras opções de aplicação remunera com base na Selic, como o CDB (Certificado de Depósito Bancário), fundos de investimento e títulos do Tesouro Nacional. Essa, no entanto, vem sendo derrubada pelo Copom desde agosto de 2011, quando se encontrava em 12,5% ao ano. Tal queda torna mais atrativas as formas de investimento que não têm ligação com a taxa.

Diante desse cenário, o rendimento da poupança ficou excessivamente convidativo. “Essa não é uma situação que o Banco Central e o governo desejam”, explica Nakane. “Com uma poupança muito atrativa, você acaba tendo uma migração forte de recursos saindo dos fundos de investimento e indo para ela.” Esses fundos são grandes compradores de títulos públicos. O governo teria, então, dificuldades para financiar seus gastos.

Assim, através da nova regra, é possível desencorajar uma migração intensa de investidores para a caderneta e manter a política econômica de redução da Selic sem que a compra de títulos públicos seja prejudicada.

O fato é que estamos caminhando para um mundo de juros cada vez menores e o Brasil vem tentando se adequar a essa realidade. A política de reduzi-los tão rapidamente gera polêmica: alguns economistas acreditam que acelerará o aumento da inflação. Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgado em maio, no entanto, mostrou que é possível utilizar a fase de baixo crescimento econômico que vivemos atualmente para reduzir a Selic sem inflacionar o mercado. Conforme declarou o economista e coordenador de economia monetária e câmbio do Ipea Thiago Martinez, durante apresentação do estudo em comunicado para jornalistas, “existe uma distorção na economia brasileira, que são as taxas de juros – uma das maiores do mundo. Mas, em algum momento, temos que baixá-las para níveis compatíveis com os de outros países. A fase atual deve ser aproveitada para que se faça isso sem acelerar a inflação”.

3. “Havia, de fato, um risco grande de migração de investimentos que, no limite, comprometeria a estratégia de redução da taxa de juros.” – Diogo Coutinho

Diminuindo a Selic, o governo melhorará o desempenho da atividade econômica do País, combatendo as baixas perspectivas de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) estipuladas para o ano.

As mudanças e o pequeno poupador

O Instituto de Pesquisas Fractal constatou, recentemente, que cerca de 40% das pessoas que recebem até R$ 800 de salário investem na caderneta. Entre os que recebem de R$ 800 a R$ 4 mil, números ainda mais expressivos: quase 45%.

A nova regra de remuneração dificilmente alterará este quadro. Não é porque ela desencoraja a migração intensa de investidores de outras aplicações para a poupança que a última perdeu suas qualidades. “O conselho que eu daria para o pequeno e o médio poupador é que continue tendo a caderneta como principal forma de aplicação financeira. Ela ainda é a opção que mais vale a pena para ele”, declara Márcio Nakane.

A impressão imediata que se tem é negativa: o que parece é que a medida prejudicará os poupadores. De fato, seguindo um raciocínio lógico, há diminuição na renda da caderneta e, quanto menor for a Selic, menor será esse rendimento. No entanto, estima-se que a taxa deve fechar o ano entre 7,5% e 8%. A redução será, assim, pouco significativa. Além disso, os atrativos continuarão em cena: simplicidade, isenção de impostos e alta liquidez.

A alternativa de aplicação financeira mais próxima seria justamente os fundos de investimento. Mas aí algumas especificidades devem ser levadas em conta, como a taxa de administração. Segundo Nakane, “as contas que estão sendo feitas indicam que os fundos que cobram mais de 1% não vão ser competitivos com a poupança, mesmo com ela rendendo menos através das novas regras, e é muito difícil, para um pequeno investidor, conseguir uma taxa menor do que essa”. Mesmo que alguns cobrem 1% ou menos, a pessoa teria que, ainda assim, esperar por alguns meses para seu rendimento ser compatível com o da caderneta por conta da cobrança de imposto de renda.

E é preciso levar em conta os benefícios que a medida proporcionará em um contexto mais amplo. Segundo Diogo Coutinho, professor do Departamento de Direito Econômico, Financeiro e Tributário da Faculdade de Direito (FD), “é bom lembrar que elas foram tomadas em um cenário de tentativa de redução da taxa de juros. Essa, caindo, favorecerá o investimento e beneficiará o cidadão de baixa renda, que compra a prazo e se endivida pagando juros elevados”. Dificilmente uma pessoa nessa faixa salarial compra um automóvel ou outras coisas de preço alto à vista. Ela tem sempre que lidar com as taxas. Assim, apesar de diminuir a rentabilidade da caderneta, a medida aumenta o poder de compra não só do poupador, mas de todo e qualquer cidadão que se encaixa neste perfil.

Para Coutinho, os esforços de redução das taxas de juros a que assistimos são válidos e, por ora, o governo tem revelado uma boa estratégia. “Não são somente os pequenos poupadores que estão sendo afetados. Tem havido pressão sobre os bancos e, seguramente, há outras medidas a serem adotadas de forma integrada”, declara. “Se isso for feito e certas causas estruturais forem atacadas, estaremos no caminho certo.”

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