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O fim das sacolas plásticas

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O fim das sacolas plásticas

 

João Vitor Oliveira

Meio ambiente

 

Acordo entre Associação de Supermercados e governo retira material dos supermercados e levanta polêmicas

 

“Vamos tirar o planeta do sufoco.” Foi sob esse título que a Apas (Associação Paulista de Supermercados) lançou, em acordo firmado com o governo do Estado, campanha para suspender a distribuição gratuita de sacolas plásticas derivadas do petróleo por parte dos supermercados de São Paulo. O projeto teve início em agosto de 2010, quando foi implantado em Jundiaí como experiência, e se espalhou neste ano por estabelecimentos associados em 150 cidades do Estado, inclusive na capital.

 

O prefeito Gilberto Kassab já havia sancionado, em maio de 2011, lei com o mesmo intuito, mas a medida foi barrada pelo Tribunal de Justiça após pedido de liminar do Sindicato de Material Plástico de São Paulo. A entidade alegou que tal decisão era ineficaz e geraria altas taxas de desemprego.

 

O que não falta, portanto, é polêmica sobre o assunto. No começo do ano, o Sindicato dos Químicos organizou um protesto contra a proibição imposta pela Apas em frente a um supermercado no centro da cidade, contando com a presença de mais de mil pessoas. Durante fórum realizado em março, a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) se mostrou contrária à medida e declarou que ela desampara o consumidor.

 

O conflito entre o acordo e o direito do consumidor é um dos cernes da discussão. O que se alega é que o preço das sacolas plásticas, até então embutido no dos produtos, não será descontado, ou seja, o consumidor continuará pagando pelo material sem recebê-lo. Além disso, caso deseje obter a sacola alternativa oferecida pelo supermercado, terá de comprá-la. “Não me parece justo que o consumidor arque com os ônus desta mudança, mas sim aqueles que ampliarão seus lucros”, explica Paulo Santos de Almeida, professor no curso de bacharelado em Gestão Ambiental da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH).

 

Segundo a Apas, os supermercados devem economizar R$ 190 milhões anualmente com o programa. Tendo isso em vista, fala-se muito que o acordo possui, por trás de um suposto engajamento ambiental, um quê de oportunismo. O professor de Política e Gestão Ambiental da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) Marcelo Pereira de Souza critica: “Não há política ambiental, mas política de custos apenas. Se essas ações gerassem custos adicionais, e não redução, eu não acredito que haveria facilmente o tal acordo”. Até as sacolas alternativas estão sujeitas, segundo o professor, a intenções comerciais. Muitas das oferecidas pelos estabelecimentos são importadas de países distantes – China, Vietnã, etc. – por serem mais baratas. A poluição gerada para o transporte delas torna sua função ambiental contraditória. “Além da redução de gastos, os supermercados aproveitam para divulgar que estão colaborando com a redução de resíduos, adequando-se ao discurso de sustentabilidade”, acrescenta Souza.

 

O professor da EACH Paulo Santos de Almeida

Antônio Carlos Morato, professor do Departamento de Direito Civil da Faculdade de Direito, sintetiza a questão dizendo que não existe uma hierarquia entre proteção ao meio ambiente, proteção ao consumidor e a busca do pleno emprego. Para ele, ora as políticas públicas priorizam um princípio, ora priorizam outro. “Em qualquer ação governamental haverá sempre uma convergência ou divergência de interesses. Na área jurídica, utilizamos o conceito da proporcionalidade, no qual o princípio menos relevante deve ceder espaço ao mais relevante. Porém, quem irá decidir tal relevância será o próprio juiz, e sem referências tão claras no texto legal”, declara. O professor não concorda com a OAB quanto ao desamparo ao consumidor provocado pelo acordo, ressaltando que houve um prazo de sessenta dias para que este se acostumasse à nova realidade e que o preço atribuído às sacolas retornáveis (R$  0,59) foi o melhor possível naquele contexto.

 

Valor ambiental

 

Ao serem ingeridas, sacolas plásticas podem provocar morte de animais

Apesar dos métodos e dos interesses com que o acordo foi firmado serem questionáveis, os efeitos benéficos que seu fim último – a redução no número de sacolas – tem para o meio ambiente não o são. Os professores Paulo Santos de Almeida e Marcelo Pereira de Souza, mesmo contrários à forma com que a política vem sendo conduzida, concordam que a proibição da distribuição de sacolas plásticas é uma medida necessária.

 

“Lamentavelmente, em pleno séc. 21, ainda falamos em lixões nos grandes centros urbanos” – Paulo Santos de Almeida

Elas demoram centenas de anos para se degradar. Chegam a ser encontradas nos lugares mais inóspitos da Terra, até no estômago de seres marinhos. Os impactos vão da contribuição para o entupimento de bueiros e consequentes enchentes nas cidades à morte de animais por asfixia ou intoxicação. Para o professor e coordenador do Departamento de Química Fundamental do Instituto de Química (IQ) Luiz Henrique Catalani, especialista em polímeros, “assim como devemos substituir o uso do combustível que vem do petróleo, devemos fazer com outros materiais do tipo”.

 

1. “Os consumidores levarão suas próprias sacolas e caixas para transportar os produtos, da mesma maneira que muitos de outros países já fazem” – Marcelo Pereira de Souza

Essa substituição, medida comumente tratada como ecologicamente correta, levanta, no entanto, outras discussões. A vantagem é que algumas sacolas alternativas são reutilizáveis, representando menor volume de lixo produzido do que as plásticas. Muitos tipos das biodegradáveis, porém, contêm substâncias perigosas. Um material desses jogado no aterro acaba causando os mesmos problemas que um não biodegradável. “O mesmo vale para os oxibiodegradáveis”, explica Catalani. “Isso só daria resultado se tivéssemos no País outro tipo de tratamento de resíduos sólidos, como a compostagem.” Segundo o professor, 80% do lixo sólido brasileiro é levado para aterros sanitários. As sacolas de origem orgânica, como as de amido de milho, essas sim menos prejudiciais, pararam de ser oferecidas em abril por representarem maiores custos aos mercados.

 

Luiz Henrique Catalani, professor e chefe do Departamento de Química Fundamental do IQ

Ainda assim, mais do que o foco no combate à poluição residual, a medida busca uma mudança de hábito da população. “Pode ser um início”, acredita Almeida. “Contribuirá para a qualidade ambiental como fomentador dos instrumentos previstos pela legislação sobre resíduos, bem como com a conscientização do uso racional de embalagens.” É um sentido de educação ambiental que busca chamar a atenção quanto ao uso desnecessário, ou até errado das sacolas. O discurso de que as pessoas continuarão acondicionando seu lixo doméstico no plástico, tão repetido pelos contrários ao acordo da Apas – “estamos trocando seis por meia dúzia”, dizem eles –, é rebatido dentro dessa ideia por Catalani: “É um hábito absolutamente errado. Aquela sacolinha foi feita para levar as compras do supermercado, não o lixo. É uma questão de organização social”.

 

Isso não é, no entanto, conduzido da maneira correta. Para Souza, as medidas isoladas que vêm sendo tomadas não permitirão um processo educativo. “A reciclagem, o reúso, a diminuição de embalagens desnecessárias não são sequer mencionadas”, explica. A efetiva mudança de comportamento será, assim, apenas um efeito colateral incerto.

 

Pesquisa

 

Um dos principais argumentos utilizados pela OAB para se posicionar contra o acordo entre a Apas e o governo do Estado foi a falta de embasamento científico para a decisão. Para a Ordem dos Advogados, não há provas de que a sacola plástica é, de fato, mais prejudicial ao meio ambiente do que outros tipos.

 

É exatamente este o foco que uma pesquisadora do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) aborda em experimento iniciado em outubro do ano passado. Mara Lúcia Siqueira Dantas, do Laboratório de Embalagem e Acondicionamento (LEA) do instituto, coletou amostras de quatro diferentes tipos de sacolas de supermercados: plástico, polietileno com aditivo, papel e TNT (sacola retornável).

Pesquisa teve início em outubro de 2011

Os exemplares foram colocados em varais na laje do laboratório, ficando expostos às mesmas condições climáticas e simulando o processo de degradação que sofrem no meio urbano de maneira igual. “É importante porque existem estudos do tipo feito em outros países, mas não aqui, que analisem o assunto sob as condições brasileiras. Se você não tem algo feito aqui no Brasil fica difícil”, declara a pesquisadora.

 

1. A pesquisadora Mara Lúcia Siqueira Dantas quer definir qual tipo de sacola se degrada mais facilmente

Mara está trabalhando para obter respostas concretas até outubro deste ano. Como são muitas variáveis, o objetivo é, comparando-as, chegar a uma nota numérica para cada tipo de embalagem – em uma escala de 0 a 10, a sacola que for mais suscetível à degradação se aproximará da nota 10 –, não deixando dúvidas ao final da pesquisa.

4 comentários sobre “O fim das sacolas plásticas”

  1. Fernando Figueiredo disse:

    Parabéns a Rev. Espaço Aberto e João Vitor pela matéria sobre tão candente tema da atualidade. Como pesquisador na área de gestão ambiental de resíduos e que já realizamos diversos trabalhos na área, concordamos com alguns dos comentários dos entrevistados, como da OAB e discordamos de outros tantos que parece ainda não ter percebido que toda esta polêmica se trata muito mais de aspectos econômicos, políticos e financeiros de alguns poucos em detrimento da população, sob um manto de benesses ambientais vendida por tal acordo.
    Todas as alternativas que estão “vendendo” como ambientalmente melhores do que as sacolinhas, não se sustentam nas pesquisas e em trabalhos sérios realizados no Brasil e pelo mundo. Quando vemos trabalhos realizados pelo Governo do Reino Unido com aspectos de ACV de diversos tipos de embalagens observamos que as alternativas vendidas são muito piores do que sacolinhas em 10 de 11 aspectos analisados… onde está então a sustentabilidade de tais alternativas?
    Que aspecto ambiental pode ser positivo quando mais de 95% do peso adquirido em embalagens plásticas nas compras do dia a dia não são contemplados e menos de 5% do peso em sacolinhas são considerados ambientalmente incorretos e banidos enquanto sacolas grátis, mas as vendidas podem… que sustentabilidade se busca neste tipo de atitude?

  2. Nos hortifrutigrangeiros, que se vende de tudo, pouca diferença dos supermercados, a sacola plástica não foi proibida ! ! ! – Nos supermercados substituiram por outro tipo de sacola que deve ser a mesma…coisa !!!. – A quem interessa os lucros? – Estão pensando na saúde futura? Do Planeta? dos humanos? – Creio que existem outras prioridades a se pesquisar e pensar na saúde. E a juventude, está sendo levada a sério pelos defensores do Planeta? ! ? ! ? !.

  3. Jesiane disse:

    O que adianta retirar sacolas plásticas se agora as pessoas são obrigadas a comprar sacos plásticos?! É só observar a coleta de lixo, mudou de sacolinha para saco!!! E isso ninguém fala, ninguém reclama!

  4. espaber disse:

    As razões alegadas (não necessariamente as reais) para a campanha contra as sacolas plásticas de supermercado, ou melhor, para a polêmica gerada pelo acordo firmado entre a Apas e o governo do Estado de São Paulo, giraram em torno da busca pela sustentabilidade do planeta: Vamos tirar o planeta do sufoco. Este foi o ponto de partida da matéria O fim das sacolas plásticas a qual me instigou a algumas reflexões e comentários.
    Analisemos com cuidado!
    A pesquisadora do IPT está desenvolvendo uma pesquisa cujos resultados poderão servir de subsídio para uma tomada de decisão de escolha de material para sacolas de supermercado. Ao avaliar o tempo de degradação nas condições do meio urbano, a pesquisadora Mara Lúcia Siqueira Dantas está adotando como hipótese que as sacolas seriam descartadas no meio urbano, ou seja, “jogadas por cima do muro”. Estamos, mais uma vez, diante de uma questão atinente mais ao pilar social do que ao pilar ambiental da sustentabilidade. Independentemente do tempo de degradação do material que as compõe, as sacolas de supermercado não devem ser descartadas no meio urbano.
    Concluindo minhas reflexões e angústias em relação à matéria da Espaço Aberto, proponho à reflexão de toda a comunidade envolvida no assunto a proposta de que se implemente um projeto de Avaliação da Sustentabilidade das Sacolas de Supermercado. Tal projeto deve contemplar uma Avaliação do Ciclo de Vida Ambiental (ACV/A), uma Avaliação do Ciclo de Vida Social (ACV/S) e uma Avaliação do Ciclo de Vida Econômico (ACV/E) de todos os materiais elegíveis para matéria-prima de sacolas de supermercado. Desta forma teríamos uma avaliação, em bases científicas, da sustentabilidade das sacolas de supermercado.

    Este projeto teria como “principal cliente” o governo do Estado de São Paulo, para que o mesmo pudesse, com base, agora sim científica e não com base nos “achismos” com que as diferentes partes (ou forças) interessadas o pressionam, estabelecer a hierarquia entre os pilares da sustentabilidade de forma que a principal parte interessada – a população – seja atendida da melhor maneira.

    Além disso, o projeto uniria, de forma sinérgica, todos aqueles que vêm, infelizmente de forma isolada e pontual, trazendo sua contribuição para o tema, tais como os professores da USP e a pesquisadora do IPT citados na matéria da Espaço Aberto.

    Gil Anderi da Silva
    Coordenador do Grupo de Prevenção de Poluição do Departamento de Engenharia Química da Escola Politécnica da USP.

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