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Os encantos dos valores acadêmicos

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Por Giovanna Gheller

ReproduçãoPaulo Saldiva

Dividido entre muitos interesses e decidido a ficar no ambiente da Universidade, Saldiva dedica especial atenção às áreas de ensino e pesquisa.

 

No dia 24 de maio deste ano, Paulo Saldiva, professor titular e chefe do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da USP, foi agraciado com a Medalha Institucional do Centenário da Faculdade, que contempla aqueles que contribuíram para a valorização institucional, cultural, social e acadêmica da FMUSP. “Foi a que eu mais curti, porque fui escolhido pelos alunos.” Saldiva crê que sua maior interação com os estudantes foi o que os levou a propor ao Centro Acadêmico sua condecoração. Em 2002, um grupo de alunos do 2º ano, com a ajuda do professor, resolveu criar um projeto que pudesse ajudar o próximo. Surgiu, então, em 2002, o MedEnsina, curso pré-vestibular gratuito ligado ao Centro Acadêmico Oswaldo Cruz, voltado para alunos de escolas públicas e que funciona à noite nos anfiteatros da faculdade. Um fato curioso, como conta, é que a medalha normalmente é dada a professores já aposentados, e Saldiva ainda está na ativa.

Paulo Hilário Nascimento Saldiva nasceu em São Paulo em 1954. Ter nascido prematuro fez com que adquirisse uma doença chamada displasia broncopulmonar, que resultou em asma. “Aí você já consegue explicar porque fui estudar doença respiratória e poluição”, diz. Durante sua infância e juventude, estudou no Dante Alighieri, colégio paulistano de classe média alta. Sobre o local onde nasceu e cresceu, Saldiva confessa sempre ter tido um caso de paixão: “São Paulo não é uma cidade pela qual você se apaixona fácil. É um lugar normal, que você tem que entender para saber se vai gostar ou não”.

Paulo Saldiva é professor titular e chefe do Departamento de Patologia da FMUSP

Paulo Saldiva é professor titular e chefe do Departamento de Patologia da FMUSP

De uma família de médicos, sempre conviveu com a história da medicina. Diz ter se interessado pela profissão em decorrência do exemplo que teve principalmente do pai, pediatra. Seu gosto por biologia fez com que ficasse um pouco em dúvida na hora de escolher o curso que seguiria, mas, em 1972, aos 17 anos, acabou ingressando na Faculdade de Medicina da USP. “Decidi ser médico porque gostava de medicina e também porque achava que seria uma boa forma de manter uma relação com a biologia. Se eu quisesse ser biólogo e estudar ou fazer pesquisa, por exemplo, seria uma boa forma de começar.” E diz não ter se arrependido de sua escolha – considera que a faculdade mudou sua vida para sempre. Tendo vindo de uma família e de um colégio de padrões relativamente altos, a faculdade e os mais diversos mundos nela presentes foram um choque de realidade para ele. No entanto, nem tudo foi drama: durante seus anos na FMUSP, participou da Atlética, foi remador e estudou teatro com um grupo de lá. Ao final do curso, quando se esperava que a dúvida entre as carreiras já houvesse sido sanada, ainda havia alguns resquícios de indecisão. Para não ter de abdicar de nenhuma das coisas de que gostava, decidiu estudar patologia. Ao mesmo tempo, chegou à faculdade György Miklós Böhm, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. Böhm trabalhava com patologia instrumental em microcirculação pulmonar e, na época, por volta de 1977, trouxe consigo a ideia de aplicar a pesquisa básica em poluição do ar. Juntos começaram, então, a estudar a temática sem nenhuma base, em uma faculdade na qual Saldiva considera ter se voltado mais para a pesquisa somente nos últimos dez anos. Àquele tempo, ainda, fora convidado a dar aulas para a graduação, e com 23 anos começou a lecionar na FMUSP. Assim, tocava concomitantemente a rotina de Patologia Pulmonar da faculdade e as pesquisas com o professor Böhm.

Saldiva diz que a ideia de trabalhar em um hospital privado nunca o seduziu, e que planejou sua vida justamente para ficar independente disso. Com 25 anos já havia terminado sua residência e com 28 era doutor. Nessa mesma época, conheceu sua esposa, Silvia Regina Dias Médici Saldiva, que foi sua aluna no curso de Nutrição do Centro Universitário São Camilo. “Foi paixão à primeira vista.” Casaram-se cerca de três anos depois e estão juntos há três décadas. Durante suas horas vagas, o professor diz já ter fotografado muito e ter conhecido alguns bons lugares tocando música à noite na companhia de sua mulher. Sobre filhos, esperaram um pouco para ver se dava certo, depois mais um tempo porque queriam aproveitar a vida, e então nasceram Lucas e Leonardo, hoje com 28 e 27 anos.

Em sua trajetória acadêmica, Paulo Saldiva foi fisiopatologista, fisiologista da respiração, patologista pulmonar, já trabalhou com autópsia radiológica, foi botânico, lidando com respostas das plantas à poluição na intenção de prever as reações no corpo humano, e teve sua fase de estudos em epidemiologia ambiental. Por meio destes, escreveu um artigo analisando a relação entre poluição e mortalidade infantil. Um tempo depois, Saldiva recebeu um convite para pesquisar em Harvard, e então fez um artigo sobre mortalidade em idoso. A respeito da patologia, assim que virou professor titular, em 1995, foi nomeado chefe da divisão hospitalar de Patologia no Hospital das Clínicas.

- Durante as horas vagas, um dos hobbies do professor era tocar saxofone, posteriormente substituído pela gaita

– Durante as horas vagas, um dos hobbies do professor era tocar saxofone, posteriormente substituído pela gaita

“Eu passei quatro anos no laboratório e não sabia mais o que eu era, se era professor, pesquisador ou administrativo, cuidando das burocracias… Não sabia se ainda era capaz de realizar pesquisas, porque você não passa incólume por tanto tempo na administração de um serviço hospitalar tão grande. Estava em crise, naquelas de meia-idade”, brinca. Diante dessa situação, tentou ser aceito como pós-doutorando em Harvard, mas a Universidade o quis como visiting professor na Escola de Saúde Pública.  Depois desse período, tornou-se cientific advisor, fazendo parte de um grupo de dez pesquisadores, escolhidos com base em produção científica, que analisam o que Harvard realiza em poluição do ar para depois darem suas opiniões.

Liberdade e mobilidade

Se há uma coisa da qual se orgulha é de ser ciclista. Na época da faculdade, sempre pedalava pelo trajeto que ligava a Cidade Universitária à Faculdade de Medicina, alternando remo e aulas. “A cidade era muito mais amigável nesse período, e, à medida que foram piorando as condições do trânsito, fui me adaptando e aprendendo técnicas de sobrevivência em duas rodas na cidade. Houve um tempo em que precisei levar meus filhos de carro para a escola, e foi quando engordei 20 quilos, me estressei um tanto e perdi um tempo enorme.” Nessa mesma época, decidiu que aprenderia a tocar gaita, “porque gaita dá para levar no bolso”. Diz, então, que o ciclismo e o instrumento musical estão relacionados, conferem uma sensação de liberdade e de mobilidade que o fazem estabelecer um vínculo com a cidade. “Todo dia à noite eu sento na varanda do meu apartamento, com meu bassê Basílio e fico pensando naquele monte de vizinho como um monte de personagem, e estudo 40 minutos, uma hora de gaita.”

A participação no TED

Em 14 de novembro de 2009, integrou a versão local do TED (sigla para Technology, Entertainment, Design) no Brasil, o TEDx São Paulo, uma conferência para discussão e disseminação de ideias e experiências da qual participaram pessoas das mais variadas áreas de atuação, como Regina Casé e Fábio Barbosa, ex-presidente do Grupo Santander. Ainda que os convidados sejam bastante variados, cada TED tem sua temática central. A de 2009 foi “O que o Brasil tem para oferecer ao mundo hoje?”. Defendeu-se que o que o Brasil tem a oferecer são problemas, e com isso a capacidade de resolvê-los. Mais uma vez declarando sua admiração e respeito por São Paulo, Saldiva diz que a capital paulista é o laboratório perfeito para aprender a entender como uma cidade se desorganizou, e como se pode resolver esses problemas. Comenta, também, sobre o método que utiliza para dar aulas e o método que utilizou em sua apresentação na conferência. Diz que, quando entrou no TED, viu aquele pessoal na plateia e pensou: “Vou apresentar de um jeito diferente do que eu tinha planejado”. E do mesmo modo acontece com as aulas, e com cada público diferente que encontra – gosta de ter a liberdade de não se prender aos power points.

Projetos paralelos e planos futuros

Encontro em Harvard com os alunos e dirigentes do programa TOP USA Santander

Encontro em Harvard com os alunos e dirigentes do programa TOP USA Santander

No auge de seus 59 anos, o professor pretende aprender um pouco sobre neuropatologia, principalmente em decorrência de agora haver um avançado serviço de imagem na sala de autópsia junto a uma ressonância de alto campo para estudar demência. Igualmente quer tentar usar técnicas de autópsia para controle de qualidade hospitalar, e também para saber o que a cidade faz para as pessoas, no sentido de o quanto pode afetar positiva e negativamente sua saúde. “Se olharmos o pulmão de um paulistano não fumante, veremos que ele tem umas manchinhas pretas. Você pode medir isso e descobrir o quanto pode representar um risco de câncer, por exemplo; pode georreferenciar a informação e testar as desigualdades socioambientais.” Outra área de interesse é a violência – não suas razões sociais, mas suas consequências médicas, como o que pode acontecer com o cérebro de uma criança que desde cedo usa crack. Um problema que encontra, no entanto, é a relutância da Secretaria de Segurança Pública em tornar esses dados mais acessíveis, o que Saldiva supõe ser por falta de confiança das duas partes, Polícia e Universidade. Como atividade concomitante, o professor faz parte do canal Cultura, participando uma vez por semana do telejornal “Guia do Dia”. Encantado por comunicação, o rádio, segundo ele, é a mídia de que mais gosta.

Para Paulo Saldiva, estudar é uma maneira de se aprimorar, mas também ter noção de seus limites e de seu espaço é fundamental para o desenvolvimento. Levar-se muito a sério é outra coisa que, para ele, faz perder a capacidade de aprendizagem e discussão. “Tem até um componente egoístico em você não se levar muito a sério, porque com isso você consegue fazer mais coisas do que se você achasse que está sempre certo. E não tem coisa mais chata do que estar sempre certo e conviver com pessoas que estão sempre certas.”

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