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Trabalhando sob pressão

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Por Ana Luiza Tieghi
ReproduçãoO estresse no trabalho prejudica a qualidade de vida do profissional e pode levar a afastamentos

 

O trabalho consome boa parte do tempo de uma pessoa, que passa no mínimo um terço do dia exercendo sua profissão. Para que esse período não seja uma verdadeira tortura, é necessário que o ambiente profissional seja agradável e proporcione bem-estar.

A falta de um bom ambiente e de boas condições profissionais pode gerar uma série de transtornos físicos e mentais, comprometendo a saúde do trabalhador e a sua produtividade.

O médico do trabalho João Silvestre da Silva Júnior, ligado à Faculdade de Saúde Pública (FSP), entrevistou para sua tese de mestrado 365 pessoas que passaram pela perícia do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). Desse total, 160 foram afastadas devido a transtornos mentais. Grande parte desses transtornos, que obrigam os doentes a se afastar do trabalho, possui origem na própria atividade profissional. Perguntado sobre a prevalência de alguma ocupação específica para a ocorrência de transtornos mentais, Silva Júnior chegou à conclusão de que “a profissão não influencia tanto, mas sim a condição do trabalho”, o que reafirma a necessidade de um ambiente profissional saudável.

Estresse e excesso de trabalho

“Os transtornos não aparecem sozinhos”, afirma André Barcauí, pesquisador da FEA e professor da FGV-RJ

“Os transtornos não aparecem sozinhos”, afirma André Barcauí, pesquisador da FEA e professor da FGV-RJ

Passar várias horas sob situações desconfortáveis e de pressão constante abalam o equilíbrio psicológico do trabalhador. O estresse causado por essa situação pode comprometer diversos aspectos da vida de uma pessoa, gerando problemas de saúde, como ganho de peso, úlceras e gastrites, deficiências imunológicas, mudanças no humor, ansiedade, irritabilidade e distúrbios do sono, afirma André Barcauí, pós-doutorando pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) no Rio de Janeiro.

Barcauí pesquisou o estresse em gerentes, profissionais com uma posição elevada na hierarquia empresarial e que sofrem com a pressão a que são submetidos praticamente o tempo todo. “Dependendo do cargo que você ocupa, é esperado que você suporte esse tipo de pressão e que passe adiante esse modo de trabalho”, conta. Também chama a atenção o costume que esses profissionais possuem de levar tarefas para casa ou mesmo trabalhar mais do que oito horas por dia.

A internet é um fator que contribui para o descontrole das horas trabalhadas, pois dificulta a marcação de limites claros entre o horário de se trabalhar e o período destinado ao aproveitamento pessoal e ao descanso. O uso de e-mails fora do horário de trabalho pode roubar um tempo essencial para a recuperação do equilíbrio emocional, além de focar a atenção da pessoa em um projeto ou afazer profissional no momento em que ela deveria se desligar dessas atividades.

O médico do trabalho João Silvestre da Silva Júnior pesquisou afastamentos relacionados a transtornos mentais

O médico do trabalho João Silvestre da Silva Júnior pesquisou afastamentos relacionados a transtornos mentais

Não são somente os executivos de altos cargos que sofrem com o estresse gerado pela ocupação profissional. A professora da FEA de Ribeirão Preto Valquíria Padilha também realizou uma pesquisa sobre o tema, mas focando em uma ocupação diferente: os trabalhadores do setor de limpeza de shopping centers do Brasil e do Canadá. Como ela descreve, “essa categoria de trabalhadores sofre com a humilhação da tarefa – que eles dizem estar no chão de tão degradante – e na relação com determinados clientes. Também relatam humilhação na relação com os supervisores, que se sentem muito superiores a eles e os tratam com arrogância e desrespeito”.

Os profissionais da limpeza sofrem ainda com a baixa remuneração, quadro mais grave no Brasil do que no Canadá. “Esses trabalhadores são pouco qualificados e quase a totalidade, no Brasil, dobra a jornada de trabalho para complementar a renda”, afirma Valquíria. Sendo obrigados a trabalhar mais para receber um salário melhor, eles passam pelo mesmo problema dos executivos: estresse por excesso de carga de trabalho.

Lidando com a pressão

O estudo realizado por Silva Júnior apontou os transtornos mentais que mais causaram afastamentos. Em primeiro lugar estão os depressivos, seguidos pelos transtornos de ansiedade e o uso excessivo de drogas e álcool. A utilização de substâncias para aliviar o estresse também foi encontrada com frequência na pesquisa de Barcauí. “Os transtornos não aparecem sozinhos, a pessoa pode usar medicamentos, bebida. Principalmente entre executivos de cargos altos, é comum o uso de antidepressivos, estabilizadores de humor e outros fármacos”, conta o pesquisador.

Para Barcauí, quanto mais alto uma pessoa está na hierarquia de sua profissão, mais isolada ela fica. Suas responsabilidades aumentam e as chances de falhar diminuem, além de não ter colegas na mesma função que possam auxiliá-la a lidar com os problemas e a pressão.

Valquíria Padilha, professora da FEA-RP, critica a precarização das condições de trabalho

Valquíria Padilha, professora da FEA-RP, critica a precarização das condições de trabalho

Fica claro que estresse no trabalho não é algo restrito a determinada profissão, ou apenas uma doença que atinge executivos de grandes empresas. Toda profissão tem suas demandas, prazos e escolhas, fatores que, se estão além da capacidade do trabalhador ou se fogem do controle dele, causam uma situação de difícil adaptação. O estresse é essa dificuldade em realizar determinadas tarefas, somada à preocupação em não conseguir realizá-las.

Afastamentos

Os transtornos mentais são a terceira causa de longos afastamentos do trabalho. Apenas em 2011, R$ 211 milhões foram gastos pelo INSS em novos benefícios devido a esses transtornos. A quantia é ainda maior se considerarmos que as pessoas afastadas podem passar anos nessa condição.

Silva Júnior esclarece que, se for comprovada relação entre doença e ocupação profissional, as empresas são obrigadas a pagar o seguro de acidente de trabalho, que vai aumentando conforme mais casos de afastamento surgirem. Mas isso nem sempre acontece. “Se o INSS não conseguir dizer que a pessoa se afastou por conta de uma exposição ao estresse no trabalho, infelizmente aquelas empresas não vão pagar por isso. Quem termina pagando é toda a sociedade que contribui”, afirma.

A professora da FEA-RP destaca que nem sempre os diagnósticos de doenças causadas pelo trabalho são feitos adequadamente. “Há uma histórica resistência por parte das organizações e dos médicos do trabalho de avaliarem corretamente o sofrimento na ocupação profissional. Isso é evidente porque curar ou evitar que ele ocorra implica mudanças que as organizações não estão dispostas a fazer”, critica.

Principalmente no setor de serviços, muitas empresas optam por uma alta rotatividade de funcionários ao invés de melhorar as condições de trabalho daqueles que já estão empregados. “Caímos naquilo que a sociologia do trabalho chama de “rotatividade estratégica”, ou seja, as empresas terceirizam, precarizam as condições de trabalho e aumentam a rotatividade visando a reduzir custos. Isso é uma perda enorme para trabalhadores e para os clientes, porque percebemos a piora na qualidade dos serviços”, explica Valquíria.

Redução de danos

ReproduçãoAs empresas podem desenvolver meios de reduzir os problemas causados pelo trabalho na saúde de seus funcionários. Oferecer auxílio para que eles tenham atendimento médico e psicológico e incentivar o término do expediente dentro dos horários normais são formas de minimizar o impacto do estresse. Cargos administrativos mais altos podem contar ainda com o serviço de coach, que são profissionais dedicados a auxiliar nas questões gerenciais, de liderança e de relacionamento com os funcionários, entre outras.

Silva Júnior destaca ainda a importância da atuação médica nas empresas. “A área médica precisa trabalhar em conjunto com os setores produtivos e de recursos humanos, para identificar situações de risco a fim de proporcionar uma condição de trabalho adequada à capacidade do trabalhador”, ressalta. A fiscalização por parte das instituições públicas é essencial. Punir as empresas que tratam mal seus funcionários é um modo de buscar uma cultura de preservação do bem-estar.

Os próprios profissionais podem se unir para buscar um ambiente de trabalho mais saudável. A sociedade está hoje muito mais atenta às questões de qualidade de vida e a estrutura do trabalho deve se adaptar a essas novas exigências. Se um trabalhador feliz e saudável produz mais, é do interesse das empresas fazer com que ele se sinta bem.

Dicas para controlar o estresse:

– Faça exercícios físicos e respiratórios, pois eles melhoram a imunidade e diminuem a tensão e a ansiedade

– Mantenha uma alimentação saudável

– Durma bem

– Tenha um tempo para si mesmo

– Mantenha amizades e relacionamentos emocionais

– Quando possível, tire férias quebradas ao longo do ano

– Faça planejamentos pessoais de curto, médio e longo prazo

– Consulte um terapeuta, se necessário

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