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Três décadas de pesquisas na Antártica

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Vencendo as dificuldades

 

Por João Vitor Oliveira

CIÊNCIA
Instituto Oceanográfico participou da primeira expedição brasileira ao continente polar, em 1982, e colabora até hoje com o Programa Antártico Brasileiro

No verão de 1982/1983, pesquisadores do Instituto Oceanográfico (IO) embarcaram no Navio Oceanográfico (NOc) Prof. Wladimir Besnard e partiram, acompanhados pelo Navio de Apoio Oceanográfico (NApOc) Barão de Teffé, da Marinha do Brasil, para o que seria a primeira expedição brasileira à Antártica. A operação, que inaugurou o Programa Antártico Brasileiro (Proantar), tinha como objetivo o reconhecimento hidrográfico, oceanográfico e meteorológico da área onde seria instalada a futura Estação Antártica Comandante Ferraz, no noroeste do continente.

A iniciativa trouxe o reconhecimento internacional necessário para que o País se tornasse, ainda em 1983, membro consultivo do Tratado da Antártida, documento que regulamenta as pesquisas no continente. Hoje, a região é estudada por diversas instituições brasileiras financiadas pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e apoiadas pelos Ministérios da Ciência, Tecnologia e Informação, do Meio Ambiente, das Relações Exteriores, das Minas e Energia e da Defesa.

1. O navio Prof. Wladimir Besnard voltando de missão na Antártica na década de 80. Para Elisabete Braga, o navio, hoje inativo, não pode cair em esquecimento. Ele deve ser tratado como patrimônio histórico do Brasil

Agora, 30 anos mais tarde, o IO comemora o sucesso de suas três décadas de participação no Proantar. “Anos antes, não era nem imaginável a presença do Brasil na Antártica”, declara Elisabete Braga, professora do Departamento de Oceanografia Física, Química e Geológica (DOF) do IO e pesquisadora com experiência no continente polar. “O próprio Besnard não era uma embarcação adaptada para o trabalho na região, mas as medidas tomadas na época foram audaciosas e os pesquisadores do IO competentes para realizá-las.”

A Antártica é alvo de uma série de domínios de pesquisa. O fato de estar localizada em um ponto extremo do globo faz com que abrigue condições de vida especiais, que despertam o interesse dos pesquisadores. “Na oceanografia trabalhamos com uma visão continental da região, focando nos aspectos geológicos, físicos, biológicos ou químicos”, explica Elisabete. Para ela, há um forte apelo climático nas pesquisas por conta do aquecimento global. A Antártica é o principal regulador térmico do planeta, controlando as circulações atmosféricas e oceânicas e influenciando, assim, no clima e nas condições de vida da Terra.

Atualmente, pesquisadores do IO coordenam uma dezena de atividades no continente polar. As principais atuações se dão através do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Antártico de Pesquisas Ambientais (INCT – APA). Rosalinda Montone, também professora e pesquisadora do DOF do IO, é vice-coordenadora do INCT – APA. Ela explica: “Nosso objetivo é estudar as mudanças ambientais que ocorrem na Antártica, o papel delas e a suscetibilidade de seus impactos no meio ambiente terrestre”.

Rosalinda e Elisabete já estiveram em diversas expedições ao continente antártico. Segundo elas, as dificuldades enfrentadas no trabalho de campo são desafiadoras. Como a região é inóspita, os cuidados devem começar a ser tomados ainda no Brasil. “Se você perde alguma coisa, fica difícil repor. Dizemos que, no mar, quem tem um não tem nenhum. É preciso ter no mínimo dois”, comenta Elisabete. O percurso até o continente pode ser feito somente pelo mar ou de avião e navio. No segundo caso, toma-se um avião militar até a estação chilena na Antártica e depois chega-se à base brasileira navegando. O acompanhamento médico é restrito, então é necessário estar bem de saúde para fazer a viagem. Há ainda condições climáticas extremas: é preciso procurar abrigo contra as fortes rajadas de vento, que, por vezes, exigem dos comandantes dos navios manobras complicadas para levar suas embarcações a uma zona de segurança.

Elisabete Braga e Rosalinda Montone, professoras e pesquisadoras do IO

Para passar por tudo isso, as professoras destacam que é criado um forte sentimento de união e cooperação não só entre os integrantes de determinado grupo, mas entre os próprios grupos. “É uma verdadeira aventura a se enfrentar”, declara Rosalinda, completando: “O pesquisador que vai à região antártica é, de certa forma, um herói, e por trás de cada paper publicado há muita história para contar”.

Sonho Antártico

O palco era a Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, em dezembro de 1982. Edilson Faria, então servindo na Escola Naval (EN) da Marinha do Brasil, observava o NApOc Barão de Teffé sumir no horizonte para encontrar o NOc Prof. Wladimir Besnard e sonhava com a Antártica. Semanas antes, uma matéria publicada em um jornal de circulação interna da EN despertara sua paixão pelo continente polar. “Mas, para mim, era algo inatingível. Era como ir à Lua”, declara.

O tempo passou. Faria voltou para São Paulo, se formou biólogo e trabalhou por alguns anos no Instituto de Psicologia da Universidade. Seu interesse por biologia marinha o levou a tentar uma vaga no IO, onde se tornou técnico do Laboratório de Sedimentologia.

O que ele não imaginava é que, cerca de quatro anos mais tarde, seria chamado para auxiliar um trabalho em solo antártico. “A confirmação da notícia veio na data do meu aniversário. Não poderia pedir um presente melhor.” Vinte anos após ver o Barão de Teffé partir, Faria embarcava, em dezembro de 2002, para a Operantar (Operação Antártica) 21.

Ele conta que a expedição, que durou quase um mês, foi tudo o que esperava e muito mais, e descreve a emoção da chegada: “A hora que você entra em contato com o continente, sente a temperatura, o ar, é emocionante. Fui de avião até a base aérea na estação chilena. Quando pulei dele para o solo, a impressão que deu foi que tinha saltado em um lugar sem gravidade. Levou uns segundos a mais para chegar ao chão”.

Edilson Faria durante sua missão na Antártica

Faria está transformando sua história em um livro. O esboço já está pronto. A ideia é que seja como um diário de bordo: os eventos foram anotados conforme aconteciam durante a viagem, com data e horário, do momento em que recebeu a notícia de que iria ao momento em que o avião pousou de volta em Guarulhos. “Tentei registrar os acontecimentos de maneira que os leitores sintam-se viajando comigo pela Antártica”, explica, completando: “Para mim, que não sou pesquisador, é realmente um privilégio ter tido essa experiência”.

Trecho transcrito do esboço do livro:

“18/12/02, 15h55: Todos vivendo a grande expectativa para o final das próximas duas horas e meia, quando pousaremos em solo antártico. É quase indescritível, mas tentarei narrar a expressão dos rostinhos debutantes desta missão: … Ééé…Hummm…não dá! São expressões particulares, cada uma com uma história, motivos, sonhos pessoais…Um certo silêncio em que quase se ‘ouve os pensamentos’ e os corações acelerados como ensaio do Olodum.”

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