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Um fator de risco

Estudo mostra influência das embalagens nas crianças

 

Por Clara Roman

Segundo a última pesquisa realizada na população brasileira em 2009 pelo IBGE, o número de crianças acima do peso está crescendo, sobretudo nas áreas urbanas. Já percebido como uma questão de saúde pública, esse dado está aliado a hábitos alimentares pouco saudáveis e uma rotina mais sedentária.

O aumento no consumo de produtos processados é uma das causas. Os alimentos industrializados são ricos em sódio, açúcar e gorduras o que, além de ser responsável pelo aumento da obesidade na população, gera doenças crônicas como diabetes, hipertensão e alto nível de colesterol no sangue.

A redução desses hábitos alimentares tem sido uma preocupação do governo. Em contrapartida, as empresas têm se esforçado para aumentar a publicidade e as estratégias de marketing, impulsionando as vendas.  Ana Paula Gines Geraldo, mestre em nutrição pela Faculdade de Saúde Pública, constatou através de estudo com crianças em idade escolar quais elementos da embalagem ficaram mais marcados na memória dos alunos de 6 a 10 anos.

Desenhos cedidos pela pesquisadora Ana Paula

Segundo ela, a maioria dos entrevistados que responderam à pesquisa foi impactada pelas estratégias de marketing das embalagens de marcas de biscoito recheado e salgadinhos. “Os mais velhos se recordavam mais das embalagens, por ter sistema cognitivo mais desenvolvido”, diz ela.

Ana Paula resolveu pesquisar o assunto quando percebeu que havia poucos trabalhos na área. Esse dado reflete a falta de regulamentação existente no Brasil em relação à questão. Hoje, não existe nenhuma norma para o uso de cores fortes, desenhos atraentes, brindes e personagens na hora de vender esses alimentos. “Esses elementos funcionam como um vendedor silencioso”, afirma.

O trabalho foi desenvolvido com 152 estudantes de uma escola da rede privada da cidade de Taubaté. Ana Paula conta que sua entrada em escolas de São Paulo foi rejeitada muitas vezes, por suspeitarem que ela estivesse a serviço da indústria alimentícia.

Apesar de não concluir se de fato essas estratégias são responsáveis pelo aumento de vendas, seus estudos apontam alguns elementos que se mostraram mais atraentes entre os pesquisados. Em relação aos salgadinhos, as cores mais lembradas foram vermelho, amarelo, azul e verde (em menor quantidade). Os brindes também foram muito citados, assim como os personagens de cada marca. Entre os biscoitos doces, o azul e o marrom foram as cores que mais apareceram. O marrom é fortemente associado ao chocolate.

Leandro Leonardo Batista, professor de Ética e Legislação Publicitária, do Departamento de Relações Públicas, Propaganda e Turismo da Escola de Comunicações e Artes, aponta que cada cor remete a uma associação. É muito difícil diagnosticar a que cada cor remete, mas a maior incidência de certos matizes não é coincidência.

Dois outros elementos que ficaram bastante marcados na memória das crianças são o brinde e o personagem. Batista cita que essa é uma estratégia muito eficaz com o público infantil. “Para a criança, o brinde é uma motivação a mais. Assim como a própria bolacha ou salgadinho são brinquedos para ela.”

Ana Paula Gines Geraldo

Apesar de constatar quais estratégias de marketing nas embalagens são mais eficientes, Ana Paula não pode afirmar que isso é responsável pelo aumento no consumo desses alimentos. Segundo ela, a disponibilidade em casa e os hábitos da família são os principais fatores para a alimentação pouco saudável e recheada de produtos industrializados.

Batista coloca a questão da seguinte maneira: a embalagem é um dos aspectos que levarão a criança ao consumo exagerado de processados. “Depende dos outros fatores de risco.” Ou seja, se a criança viver em uma casa onde essas variedades sejam controladas e onde haja uma boa educação alimentar, as chances de ela exceder nos salgadinhos e bolachas são menores do que em um lugar onde esse hábito seja estimulado.

Ele ressalta que uma atitude muito comum dos pais e que pode acarretar graves problemas no futuro de seus filhos é a “comida como recompensa”. Para comemorar, ou presentear a criança por alguma coisa boa que ela fez, o pai dá um alimento como salgadinho ou bolacha. O menino ou menina fica com essa herança durante a vida, associando esses alimentos a recompensas para circunstâncias boas ou ruins.

Mesmo assim, a nutricionista comentou que o Brasil carece de regulamentação para embalagens de alimentos, no que se refere às estratégias de marketing. Os brindes, personagens e cores são liberados e não há nenhuma restrição.
A Anvisa, que seria responsável por essa jurisdição, tem artigos referentes aos componentes metálicos dos invólucros, mas não diz nada sobre seus aspectos de venda. Ela especifica informações necessárias ao rótulo, como dados nutricionais, o que já é um avanço para esclarecer as pessoas sobre o que elas estão consumindo.

Já o Conselho de Autorregulamentação Publicitária, o Conar,  expressa que a publicidade de alimentos dirigida a crianças (em que publicidade abrange as embalagens dos produtos, segundo setor jurídico do próprio conselho) não deve encorajar consumo excessivo, menosprezar a importância da alimentação saudável, apresentar os produtos como substitutos das refeições, desmerecer o papel dos pais e educadores como orientadores de hábitos alimentares saudáveis e gerar confusão quanto à sua qualidade, valor calórico, se natural ou artificial. No entanto, mesmo quando as embalagens respeitam esses preceitos, elas ficam marcadas na memória dos menores. Segundo Ana Paula, ainda falta uma regulamentação mais específica para o caso das embalagens.

Batista destaca que o impacto da publicidade e do marketing na sociedade é pouco estudado pela área de comunicação social. Assim, pesquisadores de outras áreas se lançam ao desafio. É necessário aumentar as pesquisas nesse setor, inclusive por especialistas. É um primeiro passo para garantir a saúde das crianças brasileiras. Outra solução é criar uma campanha de conscientização para que essa publicidade atinja menos a população e para que, desde a infância, as pessoas se habituem a uma alimentação saudável.

Um comentário sobre “Um fator de risco”

  1. Marco Antonio Sanche disse:

    Esta reportagem deveria ser publicada em outros meios de comunicação, pois com certeza irá afetar o comportamento dos pais que em primeiro lugar devem dar o exemplo e depois permanentemente passar as mensagens para os filhos; pela minha experiência, nunca falar direto às crianças, mas debater o assunto um com o outro na frente dos filhos, mantendo um nível que seja comprensível para as crianças.

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