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Jacó Guinsburg: um pensador a serviço do teatro brasileiro

Jacó Guinsburg aos 87 anos

Jacó Guinsburg aos 87 anos

“Se a literatura representa o cérebro, o teatro representa o corpo, do qual o cérebro é uma das manifestações” – Jacó Guinsburg

Por Gustavo Paiva

“Se a literatura representa o cérebro, o teatro representa o corpo, do qual o cérebro é uma das manifestações”  Jacó Guinsburg

Aos 87 anos e em plena atividade, Jacó Guinsburg foi homenageado pelo Prêmio Shell de Teatro no dia 17 de março por sua contribuição ao pensamento crítico do teatro no Brasil. É o reconhecimento por anos dedicados à atividade de crítica, pesquisa e ensino de teatro, além da edição de inúmeras obras sobre o tema.

Guinsburg nasceu em 1921, na cidade de Rascani, no interior da antiga Bessarábia, território que hoje constitui a Moldávia. Filho de José e Adélia Guinsburg (nomes em português), veio para o Brasil entre 1924 e 1925. O desejo de melhorar de vida, o antissemitismo acentuado na região e um tio já vivendo no Brasil levaram a família judia a mudar-se primeiramente para Santos, onde moraram até 1930 e onde nasceu seu irmão, e depois para São Paulo.

Já na capital, embora não morasse no Bom Retiro, Jacó Guinsburg costumava frequentá-lo assiduamente. Lá teve seu primeiro contato com o teatro, no clube progressista judeu Cultura e Progresso, que depois deu origem à Casa do Povo. As peças eram apresentadas em língua iídiche, que representa para Jacó uma segunda línguamãe.“Conheci o iídiche porque era a língua que meus pais falavam em casa”, declara o teatrólogo que lê, escreve e fala iídiche. Ele não esconde o fascínio que o teatro exerceu sobre ele desde o princípio e justifica: “Teatro é um meio quente, é uma arte que fala do homem ao homem na relação corporal ao vivo e tem muito apelo porque o espectador está ali como o outro, num apelo à imaginação”.

Esse contato inicial levou Guinsburg a assistir peças em português e a conhecer o teatro brasileiro da época, vivenciando de perto suas grandes transformações conceituais e estéticas. “O teatro brasileiro era o teatrão. Era bom, mas era ligado mais à comédia de revista, à farsa. Os jovens fizeram a revolução teatral na forma de encenação, nos repertórios, na maneira de encarar o teatro. Isso veio principalmente com os comediantes e com o TBC [Teatro Brasileiro de Comédia]”, explica o professor, que conviveu de perto com os mais importantes agentes dessa revolução. “Uma das principais figuras nesse movimento foi Décio de Almeida Prado. Ele e o teatro universitário passaram a trazer isso ao público”, comenta.

Seu trabalho intelectual começou quando fundou a editora Rampa, em 1948. A editora foi a responsável por colocá-lo em contato com o mundo intelectual paulista de sua época. No mesmo período, ele iniciou suas atividades como jornalista, escrevendo para a revista Brasil-Israel, onde fez suas primeiras colunas de crítica teatral. Posteriormente, foi trabalhar no suplemento literário de O Estado de S.Paulo.

Jacó Guinsburg casou-se em 1950 com Guita Guinsburg, professora do Instituto de Física, hoje aposentada. Alguns anos depois, o teatrólogo buscou um estágio editorial na França, onde morou por dez  anos, ao longo dos quais pôde frequentar cursos de Filosofia na Sorbonne e na École des Hautes Études de Paris, além de assistir a muitas temporadas do teatro francês.

Ao voltar para o Brasil, foi convidado pelo suplemento literário de O Estado de S. Paulo para escrever uma série de artigos sobre o teatro do absurdo. Seus seis artigos publicados no suplemento foram bastante apreciados. Seu trabalho como crítico era muito respeitado no meio teatral, tanto que, em 1963, ele foi convidado  a dar aulas de crítica na Escola de Artes Dramáticas (EAD). Posteriormente, com a incorporação da EAD à USP, as disciplinas que ministrava passaram para o curso de Teatro da Escola de Comunicações e Artes (ECA).

Jacó Guinsburg, que não havia feito curso de graduação, no ano de 1973 foi indicado por Clóvis Garcia para fazer um doutoramento direto, que foi aprovado pelas Congregações da Universidade. Sua tese, orientada por Antonio Candido, versava sobre literatura e teatro iídiche, remontando a suas origens e a seus primeiros contatos com o teatro. Jacó fez ainda livre-docência, tendo Stanislavski e o Teatro de Arte de Moscou por tema. Como professor da ECA desde 1969, ele não se rendeu à aposentadoria compulsória. “Fui professor até 1991, quando a ‘expulsória’ me expulsou”, brinca o professor, que continua orientando dissertações e teses e atualmente tem cinco alunos. A dedicação à formação de profissionais e à pesquisa acadêmica teatral foi reconhecida pela Universidade em 2001, quando ele foi homenageado com o título de Professor Emérito da USP.

Guinsburg não era professor em tempo integral e sempre manteve suas atividades editoriais, fundando em 1965 a editora Perspectiva, da qual é presidente até hoje. Trabalhando durante todos esses anos com o ensino de teatro, afirma ter identificado certa carência de bibliografia em português e resolveu unir suas áreas de interesse, trabalhando na tradução e publicação de obras sobre o tema. Embora reconheça as dificuldades, “é um campo restrito do ponto de vista econômico”, a Perspectiva tem quase 200 títulos lançados na área. Foi sua atividade editorial que rendeu a Guinsburg a homenagem recente do Prêmio Shell de Teatro.

Na cerimônia de entrega do prêmio, em meio a muitos artistas que foram seus alunos, Jacó Guinsburg dirigiu seu agradecimento a Maria Tereza Vargas,  Décio de Almeida Prado, Anatol Rosenfeld, Sábato Magaldi e a sua mulher, Guita Guinsburg. Ele explica os agradecimentos: “Quando entrei na EAD, não era conhecido no meio teatral. O doutor Alfredo [Mesquita] tinha todos os motivos para não esperar muita coisa de meu trabalho. Quem criou a confiança que o Alfredo depositou em mim foi a Maria Tereza [Vargas]”. E continua: “A visão de teatro devo a Anatol e a Sábato. Tinha muita admiração por Décio de Almeida Prado. Poucos críticos foram tão bons. Ele teve um papel importante na transformação do teatro brasileiro. Ele era um homem de uma vasta cultura e, ao mesmo tempo, extremamente acessível”. Quanto à sua mulher, Guita, Jacó diz: “Não tenho muito o que explicar. Por razões de ordem econômica e social específicas, eu cresci de uma maneira anárquica. Se acabei tomando jeito na vida foi graças a ela”.

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