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Novos olhares para as São Paulo antigas

Como um dos pilares do processo de readequação e restauração de regiões da cidade, novos projetos conectam o passado ao presente da metrópole

Por Maria Clara Matos

Fotos retiradas do livro A Cidade-Exposição, de Heloisa Barbuy. Acervo Fundação Patrimônio Histórico da Energia de São Paulo e acervo do Museu Paulista da USP

“A cidade de São Paulo é um palimpsesto – um imenso pergaminho cuja escrita é raspada de tempos em tempos, para receber outra nova.” É assim que no livro São Paulo três cidades em um século Benedito Lima de Toledo, professor aposentado da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, define a cidade que de tempos em tempos ganha novas conformações de espaço e de funcionamento. A partir da década de 30, iniciam-se os tombamentos de áreas muitas delas atualmente vazias e em processo de deterioração. Neste ano de 2009, a cidade ganha o projeto do Museu da História de São Paulo, a ser finalizado em 2010, e o Catavento que acaba de ser inaugurado, ambos no Parque D. Pedro II – dentre outros objetivos visam a promover a revitalização da área.

Benedito Lima de Toledo, professor aposentado da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU)

Benedito Lima de Toledo, professor aposentado da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU)

A cada momento histórico diferente é como se a cidade de São Paulo agregasse novos elementos e se reconstruísse, substituindo uma São Paulo anterior. Segunda Heloísa Barbuy, professora do Museu Paulista da USP, convivemos com o mito do novo, em que não existe a ideia de que o antigo pode ser bom. “O novo é que é o moderno. A modernização aqui supõe a demolição, com a construção de novas estéticas e materiais”, opina.

Depois do estabelecimento das pequenas aldeias, é no chamado triângulo do centro de São Paulo, formado pelos conventos de São Francisco, São Bento e Carmo, que tem origem as principais vias de formação da cidade. Mas já no final do século 19 as edificações em alvenaria anunciam uma cidade que começa a enriquecer pela expansão do café.

“O que podemos chamar de primeira grande destruição é o momento em que São Paulo fica rica. Podemos dizer que tem três séculos de pobreza em sua vida, até o momento em que o café atrela a cidade à economia capitalista mundial, porque até então era um lugar isolado”, destaca Roberto Pompeu de Toledo, jornalista, escritor e curador do Museu da História de São Paulo.

Para o transporte do café surgem as estradas de ferro, com elas os barões do café passam a ter suas residências em SP e assim surgem sucessivamente os sofisticados bairros dos Campos Elíseos, Higienópolis e avenida Paulista. “Esses são todos momentos em que São Paulo vai tirando uma “casca” e colocando outra, o que ao longo no século 20 se acelera muito”, afirma Pompeu de Toledo. As novas feições da cidade também são moldadas pela imigração, fator importante para as alterações que São Paulo passa na época.

A partir da década de 1920 a já cidade de concreto inicia um processo de verticalização, substituindo as edificações mais planas. Em 1929 está finalizado o Edifício Martinelli, por muito tempo o maior prédio da América Latina, com 30 andares e altura de 105 a 130 metros. Sobre essa nova fase Benedito de Toledo escreve em sua obra: “Um a um, os belos edifícios da metrópole do café foram demolidos para dar lugar a edifícios onde houvesse maior aproveitamento do solo. Em São Paulo, construía-se ‘em cima’ em vez de construir ‘ao lado’”.

Heloísa Barbuy, professora do Museu Paulista da USP

Heloísa Barbuy, professora do Museu Paulista da USP

Na rua São Bento, por exemplo, podemos observar construções de períodos históricos diferentes, tanto construções do século 19 como das décadas de 1960 e 1970, no entanto a rua é uma das poucas que apresentaram estabilidade de seu traçado ao longo dos cinco séculos da cidade. Já foi trilha de índios e ainda hoje representa um trajeto muito utilizado pelos cidadãos, destaca Regina Vieira Santos, arquiteta e urbanista autora da dissertação de mestrado “Transformações e persistências no espaço urbano construído da cidade de São Paulo por um fragmento: a Rua São Bento”.

Para a arquiteta é essencial conhecer e compreender a paisagem urbana, para que se possa restaurar elementos importantes da história, bem como fornecer subsídio para projetos arquitetonicamente adequados. Mas Regina chama atenção para o uso da palavra revitalização: “Temos que tomar muito cuidado com esse conceito. Não podemos dizer que é necessário colocar novas vidas no centro, já que na catraca do Metrô passam cerca de 2 milhões de habitantes por dia. Temos que encarar como um processo de requalificação do espaço”.

O jornalista, escritor e curador do Museu de História de São Paulo, Roberto Pompeu de Toledo

O jornalista, escritor e curador do Museu de História de São Paulo, Roberto Pompeu de Toledo

Pompeu de Toledo aponta o modelo urbanístico da cidade de São Paulo de especialização comercial do centro como um dos fatores de deterioração. Ele explica que o padrão adotado é o americano em que tinha-se em mente a Nova York simbolizada pelo edifício do Banespa que procurava imitar o Empire State Building. “É como se o centro fechasse às 18h e depois disso ficasse ao deus-dará.” Ele ainda faz uma comparação com o centro de Paris e afirma que nele o comércio convive com as residências. “Isso é uma das explicações, entre outras, das cidades europeias não sofrerem essa deterioração dos centros de cidades nas Américas.”

Heloísa Barbuy explica que a preocupação com o patrimônio histórico cultural de São Paulo é recente, assim como a existência de organismos oficiais de preservação, como o Iphan, o Condephaat e o Conpresp. A professora do Museu Paulista ainda aponta que, de maneira geral, no século 20 é que se começa criar, não só oficialmente, mas nas mentalidades, uma preocupação com o patrimônio.

Regina Helena Vieira Santos, arquiteta e urbanista

Regina Helena Vieira Santos, arquiteta e urbanista

O Viva o Centro, associação criada em 1991, surgiu como resultado dessa tomada de consciência das mais significativas entidades e empresas sediadas ou vinculadas ao centro de São Paulo do seu papel de agentes do desenvolvimento urbano. A própria reurbanização do Parque D. Pedro II é um projetos que acompanham a trajetória da associação. Além da implantação de dois equipamentos culturais como Catavento e o Museu da História de São Paulo, fazem parte do processo a demolição do Viaduto Diário Popular e dos edifícios São Vito e Mercúrio, desapropriados no ano passado.

Dentre as propostas do Viva o Centro para 2009 estão o estímulo a reurbanização da Praça Roosevelt, a requalificação do Polo Cultural Luz, que inclui o entorno do Complexo Cultural Júlio Prestes (Sala São Paulo), Estação da Luz e avenida Cásper Líbero para aproveitamento de todo o potencial dos equipamentos culturais instalados (Pinacoteca do Estado, Estação Pinacoteca, Escola de Música Tom Jobim, Jardim da Luz e Museu de Arte Sacra incluídos) e sua integração com o núcleo central e com o projeto Nova Luz.

2 comentários sobre “Novos olhares para as São Paulo antigas”

  1. Magali Poli Fernande disse:

    Excelente matéria.

    Obrigada.

    Magali

  2. Teresa Moreira disse:

    O mesmo digo eu. Uma síntese importante e notícias que procurava por estes dias, sobre a atividade atual do Viva Centro. Obrigada realmente. Teresa.

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