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Sem deixar para o dia seguinte

Apesar dos adolescentes conhecerem o método contraceptivo de emergência, o preconceito e a desinformação ainda preocupam especialistas

Por Maria Clara Matos

Estudada como método contraceptivo pós-relação sexual já em 1970 e incluída nas Normas Técnicas de Planejamento Familiar pelo Ministério da Saúde no Brasil apenas em 1996, o assunto da pílula do dia seguinte (PDS) ainda hoje envolve diversos mitos tanto para usuários como para profissionais responsáveis pela prescrição do método. Pesquisas que visam à compreensão de padrões de utilização pelos adolescentes revelam que a maioria deles conhecem a contracepção de emergência, mas uma das principais preocupações dos especialistas é o uso ou a orientação incorretos.

A pílula do dia seguinte é composta por doses concentradas de hormônios sintéticos já utilizados em anticoncepcionais comuns. Atua principalmente inibindo ou retardando a ovulação e prejudicando a mobilidade dos espermatozóides no útero, portanto, não possui função abortiva, já que não age sobre a gravidez já estabelecida.

Maurício de Souza Lima, médico hebiatra (clínico-geral especializado em adolescentes) da Unidade de Adolescentes e Coordenador do Ambulatório dos Filhos de Mães Adolescentes do Hospital das Clínicas

Maurício de Souza Lima, médico hebiatra (clínico-geral especializado em adolescentes) da Unidade de Adolescentes e Coordenador do Ambulatório dos Filhos de Mães Adolescentes do Hospital das Clínicas

Maurício de Souza Lima, médico hebiatra (clínico-geral especializado em adolescentes) da Unidade de Adolescentes e Coordenador do Ambulatório dos Filhos de Mães Adolescentes do Hospital das Clínicas, destaca que o nome correto, e que beneficiaria muitas pessoas, deveria ser anticoncepção de emergência ou pílula de emergência. O especialista comenta: “O adolescente já tem a tendência de deixar tudo para depois e quando chamamos de ‘dia seguinte’, se ele teve uma relação hoje às 9h deixa para tomar a pílula no outro dia e nós sabemos que com passar dos dias a eficácia da medicação diminui”.

Uma das metas da utilização da pílula do dia seguinte é colaborar para as políticas que lidam com a problemática da gravidez na adolescência. Nesse contexto, está sendo desenvolvida pela Faculdade de Saúde Pública sob coordenação de Fernando Lefèvre a pesquisa Gravidez Adolescente e Pílula do Dia Seguinte: Desvelando seus sentidos entre adolescentes e profissionais de saúde.

A pesquisa foi realizada na região sul de São Paulo, uma das áreas com maior índice de vulnerabilidade social da cidade, com 300 adolescentes (232 meninas e 70 meninos) entre 12 e 19 anos e 60 profissionais da área de saúde. Segundo Lefévre, os resultados causaram surpresa: “Mesmo com menos acesso à informação esses adolescentes conhecem o uso do contraceptivo e pensam muito no futuro”.

A pesquisa revela ideias centrais, ou seja, pensamentos recorrentes que surgiram nos depoimentos dos adolescentes (que podem emitir mais de uma opinião) a partir do posicionamento frente a casos expostos pelos entrevistadores. Quando o questionamento é sobre a garota que não se lembra do que fez no baile funk e resolve tomar a pílula do dia seguinte, a maioria de meninos (35,71%) e meninas (35,34%) acha certo que ela deveria tomar para prevenir uma possível gravidez.

Quando o assunto é a garota que prefere não tomar pílula devido a sua religiosidade, 25,71% dos homens (H) e 15% das mulheres (M) acham que ela deveria tomar a pílula independentemente da religião; outra resposta recorrente foi tomar a pílula para prevenir uma gravidez precoce/ indesejada e que poderia comprometer seu futuro, 17,67% (M) e 17,14% (H).

Ana Maria Lefèvre e Fernando Lefèvre, professores da Faculdade de Saúde Pública

Ana Maria Lefèvre e Fernando Lefèvre, professores da Faculdade de Saúde Pública

Ana Maria Lefèvre aponta, como uma das surpresas, a postura dos adolescentes frente à religião: “Ela apareceu mais como uma questão de âmbito pessoal, de cada um seguir seus princípios, não é mais uma questão de obediência. Isso me pareceu um elemento muito favorável aos serviços de saúde, eu os achei muito dispostos; a questão da reflexão e a opção por outros métodos contraceptivos foi brutal”.

Outra pesquisa realizada pelo Instituto de Saúde da Secretaria de Estado de São Paulo, sob coordenação de Regina Figueiredo, socióloga articuladora da Rede de Contracepção de Emergência (REDE CE) e pesquisadora da Secretaria de Estado da Saúde e do NEPAIDS/ USP (Núcleo de Estudos para a Prevenção da Aids, com 4.929 alunos de 38 escolas estaduais do Ensino Médio no Município de São Paulo, revela que o método mais referido pelos adolescentes foi o preservativo, seguido da pílula anticoncepcional e da contracepção de emergência.

Apesar da maioria dos jovens conhecerem a contracepção de emergência (85,4%), a maioria deles afirma que a informação foi dada por meio de conhecidos e amigos. Assim, a maior parte dos estudantes já ouviu falar da pílula do dia seguinte (PDS), no entanto 41,4% revelaram não saber como utilizá-la e ainda 16,9% possuem informação distorcida sobre o método, acreditando que o uso pode ser realizado com frequência.

A preocupação com a desatualização dos profissionais de saúde foi comum às duas pesquisas. Dados dos estudos da FSP mostram que uma parcela dos profissionais acredita que a contracepção de emergência é abortiva, e outros dizem ser necessário esperar saber se a garota esta grávida para depois prescrever a pílula do dia seguinte. Os dados do Instituto de Saúde complementam a preocupação já que revelam que apenas 20,2% dos alunos citou os serviços e profissionais de saúde como fonte de informação.

Hoje em dia a contracepção de emergência pode ser prescrita por enfermeiros ou médicos e pode ser obtida tanto nos postos de saúde como em farmácias com receita médica. Segundo Regina, “quase 80% do consumo da pílula do dia seguinte é na farmácia, sem receita médica. Aí está um dos grandes problemas, na medida em que o jovem não recebe a orientação de que não pode ser utilizada com frequência e, portanto, o melhor é adotar pílulas anticoncepcionais comuns para o uso cotidiano”.

Regina Figueiredo, socióloga articuladora da Rede de Contracepção de emergência (Rede CE) e pesquisadora da Secretaria de Estado da Saúde e do Nepaids/ USP

Regina Figueiredo, socióloga articuladora da Rede de Contracepção de emergência (Rede CE) e pesquisadora da Secretaria de Estado da Saúde e do Nepaids/ USP

Além da diminuição dos casos de gravidez na adolescência, outro impacto positivo do uso da pílula do dia seguinte seria a diminuição do número de abortos clandestinos. Segundo a Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS) existem de 700 mil a 1 milhão de abortos por ano. Regina comenta que monitorando os índices de aborto no Sistema Único de Saúde em 2002 chegou ao cálculo de que 30% dos abortos são reduzidos com a utilização da contracepção de emergência.

Nos casos de estupros os números são ainda mais positivos. Tomada nas primeiras 24h, a PDS possui uma taxa de eficácia de 95% logo de mil mulheres que sofreram estupro, se consegue proteger 950.

A hipótese do estupro também é polêmica entre os adolescentes e a pesquisa coordenada pelo professor Lefèvre revelou depoimentos surpreendentes. Ainda no período do pré-teste Ana Maria Lefèvre revela que quando o caso era contado aos adolescentes fazia muita diferença dizer se o estupro era realizado por um estranho ou conhecido. Segundo a pesquisadora, grande questão entre os adolescentes é a existência ou não de um pai para a criança que nascerá.

Suely Damergiam, professora do Departamento de Psicologia Social do Instituto de Psicologia, afirma que muitos jovens podem fantasiar a segurança e o amparo se o pai for conhecido e que o diferente, o estranho, é sempre mais hostil. No entanto, alerta para o fato de que nesse sentido há uma deformação da realidade, já que justamente do rapaz que faz parte do grupo conhecido, não deveria ser esperado uma atitude como essa. Em uma segunda análise, Suely afirma que a sociedade de hoje possui uma sexualidade exacerbada o que, muitas vezes, reflete na banalização de atitudes e comportamentos.

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