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José Luiz Proença
por

Laura Lopes

Fundado em 1963, o jornal Notícias Populares teve uma vida peculiar na imprensa de São Paulo até o seu fechamento este ano. Esgotou nas bancas ao levar à população temas como o Bebê-Diabo de São Bernardo do Campo, caso fantástico de uma criança que teria nascido com características físicas demoníacas. Outros assuntos como Pelezão, Chupa-Cabras, Loira Fantasma e Bando do Palhaço mexeram com a imaginação popular e colocaram o NP como um grande jornal da massa. Embora tenha se caracterizado como um veículo de manchetes inusitadas e histórias incomuns, ele tinha outros fins quando foi criado.

O Notícias Populares foi concebido para fazer concorrência ao jornal Última Hora, publicação que tinha a preferência entre a classe trabalhista, e lançar o empresário Herbert Levy a candidato do governo do Estado de São Paulo nas eleições de 1965. "Seria um Última Hora da direita", comenta José Luiz Proença, professor do Departamento de Jornalismo e Editoração da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, que foi Secretário de Redação do NP entre 1975 e 1992. Depois do golpe militar de 64, que cancelou as eleições para governador, tanto o UH quanto o NP foram vendidos ao Grupo Folha, de Otávio Frias.

Com a venda ao Grupo Folha em 1967, o NP começou a ser chamado de "o grande jornal popular do período", segundo Proença, mantendo sempre a cobertura dos sindicatos. Havia um tripé que sustentava o jornal, o sobrenatural, o sexo e a polícia, parte mais forte da cobertura e da geração de manchetes. "O NP foi um jornal sempre com uma ligação muito grande com a vida da cidade de São Paulo", comenta o professor.

Quando o Brasil iniciou o processo de abertura política, o jornal passou a ser um pouco mais abrangente, aumentando a cobertura sindical, criando uma série de colunistas importantes como Lula, dom Paulo Evaristo Arns, Franco Montoro, entre outros. Nesse momento, o NP não era vendido por assinaturas e tinha uma procura em banca muito grande, como foi até o final de sua vida.

Em 1990 foi feita uma reforma gráfica, com a impressão do jornal em cores, e a mudança na forma de exploração da notícia. "Naquele momento houve um certo desvio que cortou a parte política e ficou um pouco mais show business", declara Proença. Em uma certa época, o NP se envolveu com o boom sexual e começou a soltar matérias de comportamento sexual e seu principal atrativo era o caderno sobre sexo. Até então, o Grupo Folha mantinha empresas com caracaterísticas muito fortes: a Folha de S. Paulo era o braço político, a Folha da Tarde, conservador, e o NP era a sustentação popular.

Depois de 90, Otávio Frias Filho delineou uma nova empresa ao potencializar a parte política, através da Folha, e tirar o conservadorismo da Folha da Tarde, que ficou, de certa maneira, "perdida" entre os veículos da cidade. Nessa época, o NP começou a seguir a fórmula do sensacionalismo inglês, "que tinha configurações totalmente diferenciadas do Brasil, uma proposta

de leitura mais ampla, humorística. O NP tinha uma configuração do quadro social brasileiro", afirma Proença. Ao tentar transformar o NP nesse veículo sensacionalista, começou a perder público para um concorrente que vinha em sua antiga linha, mais preocupado com a sociedade, que era o Diário Popular. Depois disso, o Notícias Populares caiu em desgraça e foi se esvaziando até 2001, quando parou de ser vendido nas bancas. O Agora, lançado em 1999, foi a solução que o Grupo Folha encontrou para a radicalização da reforma da Folha da Tarde, fechando-a e, dois anos depois, fechando também o NP. Para Proença, o grande problema da sustentação do NP foi ele ter se alterado muito, passando do foco do leitor para o da empresa. "No momento do fechamento, era um jornal muito deturpado, mais interessado em publicar escândalos de artistas, que um jornal que realmente tivesse uma ligação maior com a vida do leitor como havia no momento de abertura política", afirma. De 1985 a 1990, o NP foi um dos jornais populares mais importantes de São Paulo. "Nesse momento fizemos com que o leitor tivesse uma força muito grande dentro do jornal. Implantamos um sistema nas bancas que procurava sentir as reações dos leitores", lembra Proença.

Histórias do NP

Bebê-Diabo

O Bebê-Diabo foi um marco na história do jornal Notícias Populares em 1975. As edições esgotaram-se durante dias nas bancas, e a manchete da criança-demônio ficou 26 dias seguidos na primeira página do periódico, o que nenhum caso da imprensa brasileira conseguiu.

Tudo começou com uma crônica publicada na Folha um dia antes da matéria entrar no NP. Sem muitas novidades para a manchete do dia, um repórter do Notícias Populares escreveu sobre esse fenômeno que acontecera em um hospital de São Bernardo do Campo. A notícia saiu na primeira página e fez a edição esgotar-se antes do anoitecer. "Os jornaleiros iam pedir mais jornal no Departamento de Circulação", declara Proença. Neste mesmo dia um jornalista foi escalado para ir até São Bernardo e cobrir o fato. Nenhuma autoridade quis conceder entrevista e o hospital foi acusado de encobrir o nascimento do Bebê-Diabo. No dia seguinte, os jornais esgotaram-se novamente, agora às duas da tarde. "Depois do quinto dia, nós perdemos o domínio do tema. Os leitores vinham nos procurar para contar 'caúsos' sobre o bebê. Apareceu um homem dizendo que oito galinhas foram mortas pelo Bebê-Diabo", lembra Proença.

Na verdade, essa história foi considerada pela redação do NP como um fato divertido e que mexeu com a imaginação dos leitores. Era tão escrachada que um cartunista desenhou uma criança com chifres em situações descritas nas matérias. "Quem nos ligou e passou informações sobre o bebê participou da brincadeira também. Contamos uma piada de maneira séria, sem prejudicar ninguém", comenta.

Pelezão

Certa noite, na fila da sopa, uma mulher parou o seu Fiat 147 e chamou um homem. "Vem cá, meu Pelezão". Os dois foram encontrados embaixo de um viaduto em atos sexuais e presos por atentado ao pudor.

O marido da mulher – cuja única informação a respeito era ser psicóloga – pagou sua fiança. O NP foi avisado, pagou a fiança do homem e fez uma matéria sobre esse caso. "Pegamos o Pelezão e o transformamos no novo herói da cidade", relata Proença. O jornal arrumou uma hospedagem para esse mendigo, que carregava caixa no Ceasa, e iniciou uma série de reportagens sobre a vida dele. Depois disso, as pessoas começaram a lhe oferecer emprego, uma empresa lhe deu um vôo pela cidade e ele foi até no programa Perdidos na Noite, do Fausto Silva.

 


 
 
 
 
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