Nelly Novaes Coelho
 

 


Abril é o mês em que se comemora o Dia Internacional do Livro Infanto-Juvenil, faixa etária da população entre 7 e 20 anos que, segundo diversas pesquisas, menos lê atualmente. Um estudo coordenado pelo Centro de Pesquisa Motivacional mostrou índices bastante baixos de leitura de livros entre os jovens brasileiros residentes em sete cidades do País (São Paulo, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Recife, Belo Horizonte, Salvador e Ribeirão Preto). A média de jovens que lêem é de 30%, entre os 2 mil adolescentes e crianças ouvidos, das classes A, B, C e D. De acordo com o levantamento, Salvador é a campeã de leitura, com 39%, enquanto São Paulo fica abaixo da média, com 25%.

Mas, segundo psicólogos e outros estudiosos, a leitura de livros ainda é fundamental para a formação do jovem, e pode se tornar uma atividade muito interessante. Sentada em sua sala no apartamento da Bela Vista, rodeada e decorada principalmente com livros, a professora Nelly Novaes Coelho falou à Espaço Aberto sobre sua vida, obra e pesquisas em literatura infanto-juvenil.

Nelly tem 80 anos completos e nasceu em São Paulo, no Brás, onde viveu no Largo da Concórdia. "Naquela época, o lugar era lindo, arborizado, tinha até um coreto, com bandas dos moços das forças públicas", conta a professora, emocionada, ao lembrar que, hoje, toda a região foi destruída e reconstruída, abrigando inclusive um terminal de ônibus.

Num ato inusitado para a década de 50, Nelly conta que voltou a estudar já casada e com um filho, aos 34 anos. "Da turma, eu era a única que tinha um marido. Para mim, foi uma experiência muito boa ficar quatro anos convivendo com jovens, e o que pensei que seria um elemento negativo, já ter bastante idade em relação ao padrão da classe, acabou sendo um fator positivo."


"A gente não pode viver todas as experiências durante uma vida. Na literatura, você pode viver muito profundamente várias situações diferentes"

A professora conta que, ao entrar na graduação em Letras NeoLatinas em 1955, quando o campus da USP ainda se localizava na Maria Antonia, ela já tinha completado o que chama de "carreira militar na literatura": lido todos os autores clássicos, nacionais e estrangeiros. Para Nelly, voltar a estudar foi uma "experiência de vida e de descoberta", já que, através das aulas, ela percebeu que aquilo que era antes algo prazeroso e de entretenimento, a literatura, acabou se aprofundando, através de teorias e da história.

A época da faculdade também foi cheia de novos amigos. "Meus colegas de classe freqüentavam muito a minha casa, para fazermos trabalhos em grupo", lembra a professora. "Inclusive o Alfredo Bosi, a quem dedico meu último livro, foi meu colega da Maria Antonia."

Nelly terminou a graduação em 1959. Já no ano seguinte, foi convidada pelo professor Luiz Amador Sanchez, da área de espanhol da USP, para ser sua assistente. "Acontece que depois morreu o professor Sanchez, e foi nessa ocasião que o professor Amora, que era da Literatura Portuguesa, me convidou para trabalhar com ele", detalha a professora, lembrando que Amora sempre incentivou muito o seu trabalho. Nessa mesma época, começou na carreira de crítica literária de O Estado de São Paulo.

Com incentivo de Amora, no início dos anos 60, Nelly resolveu se especializar em literatura contemporânea portuguesa, classificada por ela como um grande desafio. "Eu queria entender o que os autores estavam querendo dizer em suas obras difíceis e segmentadas", conta.

Até que, no final dos anos 70, caiu em suas mãos alguns livros da autora Ruth Rocha, todos voltados ao público infantil. "Um dos livros que me lembro bem é O Reizinho Mandão. O que me chamou a atenção e achei curioso é que estavamos em pleno AI-5, sofrendo censura em todas as artes." E justo naquela obra, num livro para crianças, Nelly percebeu um poder ditatorial sendo satirizado e ridicularizado. "Foi intrigante encontrar, em livros para crianças, uma problemática adulta. Questões sobre a censura e o poder militar, a liberdade do ser, a busca da personalidade, o problema do trabalho e da libertação da mulher. E isso tudo numa linguagem leve, clara, engraçada e metafórica, evidente, mas que a criança consegue entender."

Foi então que Nelly procurou o Grupo de Estudos de Literatura Infantil e Juvenil, o Celiju, da própria USP. Pouco tempo depois, a professora já tinha montado seu próprio núcleo de documentação e pesquisa, onde trabalhou sozinha durante pelo menos sete anos, até conseguir apoio da Universidade para continuar seus estudos. Desde a sua aposentadoria, o centro é coordenado por Lúcia Goes.

Nelly também lecionou nos Estados Unidos, na Universidade da Califórnia, onde, durante um semestre, ensinou literatura brasileira para brasilianistas.

Em suas aulas e pesquisas, Nelly procura sempre lembrar que nada substitui a leitura, já que o leitor encontra no livro "uma experiência bem próxima do outro, algo que o cinema a televisão não conseguem reproduzir". Explica: "A gente não pode viver todas as experiências durante uma vida. Na literatura, você pode viver muito profundamente várias situações diferentes". Já a criança, através do livro, é levada a se descobrir no mundo e perceber que o mundo que ela vê real só existe a partir de uma linguagem. "Ela vai se conscientizar disso e então perceber que precisa dar um nome para tudo."

Nelly é viúva mas tem uma grande família: um filho, quatro netos e dois bisnetos. Três netas moram em Europa. Uma delas está em Portugal, se especializando em administração de esportes, e a outra, Tatiana, vive em Londres e é coreógrafa e bailarina. A terceira, Elisinha, é casada com um dos músicos da Orquestra de Viena e vive na Alemanha. O único neto que vive no Brasil é Márcio Novaes Coelho Júnior, que se formou em Arquitetura e está fazendo mestrado na FAU. "Márcio seguiu a minha maneira de ver o mundo, só que na arquitetura. Ele gosta de ler, escreve muito bem e é apaixonado por pesquisa", conta a avó.

A professora ri ao dizer que não esperava viver tanto tempo. "Eu nunca achei que chegaria aos 80 anos, mas agora já fiz um pacto com Deus, que me deixe viver pelo menos mais uma década, porque eu tenho tantos trabalhos e livros para escrever que ainda preciso pelo menos mais dez anos." Nelly comemora: "Tudo que eu quis fazer deu certo, porque sempre me entreguei de corpo e alma aos meus projetos"

 

Livros de autoria da professora Nelly Novaes Coelho
 


Dicionário Crítico de Escritoras Brasileiras

Editora Escrituras
R$ 89,50

Dicionario Critico de Literatura Infantil Juvenil
Editora Edusp
R$ R$ 80,00

 

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Literatura : Arte Conhecimento e Vida
Editora Peiropolis
R$ 19,00

Literatura Infantil
Editora Moderna
R$ 29,50

Panorama Historico da Literatura Infanto Juvenil
Editora Atica
R$ 28,90

por
Carolina Hungria
 
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