Eunice Aparecida Prudente
 

 

 

"Eu sou a primeira mulher negra a ser professora dessa escola, a dirigir o Instituto de Previdência do Município de São Paulo e a integrar a diretoria da OAB"

No dia 13 de maio de 2003 o Brasil comemora 115 anos desde a Abolição da Escravatura. A Revista Espaço Aberto partiu em busca de algum membro da comunidade uspiana que tivesse sua vida ligada à luta contra o preconceito racial. Eunice Aparecida de Jesus Prudente, professora da Faculdade de Direito da USP, é nossa entrevistada deste mês.

De família operária, pai metalúrgico e mãe empregada doméstica, cozinheira e instrumentadora de nutrição, a professora Eunice desde jovem esteve envolvida com movimentos sociais. "Cresci sendo educada para ter responsabilidade social." Seus pais se conheceram no movimento político Juventude Operária Católica, que foi fulminado pelo golpe militar.

"Na minha casa sempre se questionou a convivência, os direitos e principalmente as relações de trabalho", revela. Assim, seu pai sempre a levou junto com seu irmão às assembléias do sindicato. Ela lembra que não compreendia por que as tão importantes discussões sobre discriminação racial eram sempre barradas nos sindicatos. "Naquela época não era aceito nenhum outro tipo de discussão como a da discriminação racial, pois acreditava-se que prejudicaria a discussão central sobre a relação trabalhador e empregador."

A professora sentiu o preconceito racial na pele ao tentar entrar no mercado de trabalho: "Algumas amigas vinham me contar que eu só perdera o emprego para elas por ser negra, pois meu teste havia sido melhor que o delas".

Em 69 ela prestou concurso e começou a trabalhar na FD, onde permaneceu por 14 anos. "Comecei como escriturária, galguei todos os postos administrativos e cheguei à assistente acadêmica aqui dessa escola mesmo", conta. Somente após conquistar seu título de mestrado é que foi contratada como professora da faculdade.

"Cresci sendo educada para ter responsabilidade social(...)Na minha casa sempre se questionou a convivência, os direitos e principalmente as relações de trabalho"

Ela revela que percebe, ainda hoje, o preconceito de alguns alunos ao se depararem com ela na sala de aula, mas que aprendeu a lidar com isso. Segundo ela, o importante é ser paciente e ganhar o aluno. Essa postura se reflete na educação de seus filhos: "Temos que orientar nossos filhos para que não reajam com violência à discriminação racial".

Eunice se diz favorável ao sistema de cotas para negros na USP. "Um tratamento diferenciado com intenção de igualar é totalmente constitucional. É importante ver os critérios que serão utilizados e os fins que se pretendem atingir. Ou a Universidade banca o estudo pré-universitário desses alunos ou se estabelece essa discriminação positiva". A professora conta que um estudo da ONU mostrou que se não for dado um tratamento diferenciado às mulheres, só daqui 400 anos teremos uma igualização entre homens e mulheres no comando da sociedade. "No caso dos negros brasileiros, a situação vai por aí também", diz ela. Segundo estudo do MEC, apenas 3,1% dos graduados em cursos superiores do Brasil são negros.

"A minha dissertação de mestrado foi o primeiro trabalho a propor a tipificação da discriminação racial como um crime, pois, na época, era apenas uma contravenção penal." Para a professora, isso foi um erro gravíssimo dos legisladores brasileiros, porque "a discriminação racial fere a integridade física e psíquica de pessoas e atinge diretamente valores da nossa sociedade, tais como a vida, saúde e direito ao trabalho". A tese da professora buscou comparar o tratamento jurídico dado aos imigrantes de origem européia e os de origem africana. Segundo ela, a legislação era omissa em relação aos afro-brasileiros, sendo até mesmo racista em certos pontos.

Foi somente a Constituição de 1988, 100 anos após a Abolição, que considerou a discriminação racial como crime. Mas já houve um grande avanço, pois nunca existiu um diálogo tão aberto, de ambas as partes sobre o tema.

No entanto, na visão da professora, "os juízes ainda estão muito tímidos na hora de fazer cumprir a lei". Eunice considera que o Judiciário precisa ser educado para saber lidar com esses julgamentos.

O doutorado da professora partiu para outro campo. Depois de ser funcionária da FD, ela migrou para a advocacia pública, o que lhe rendeu uma vasta experiência sobre a metropolização das grandes cidades. A tese estudou como se exerce a cidadania numa metrópole e qual é o papel do Direito para garantir isso. A conclusão óbvia a que chegou seu estudo, só que baseado em dados, é que existe uma grande desigualdade social no País. Consta na conclusão do trabalho que "a discriminação atentatória de direitos e liberdades fundamentais que se pretenda extinguir do seio da sociedade dependerá de firme vontade política e ampla participação do povo. A justiça para com os afrodescendentes requer e passa por essas providências".

Desde 2000 a professora vem coordenando o Neinb (Núcleo de Pesquisa em Estudos Interdisciplinares do Negro Brasileiro), cuja principal função é propiciar condições para a realização de pesquisas direcionadas à questão negra brasileira e democratizá-las à militância. O núcleo é formado por profissionais de várias áreas, entre elas, Direito, Pedagogia, Filosofia e Antropologia. O grupo se reúne semanalmente para encontrar formas de estimular a pesquisa sobre o negro brasileiro e de difundi-las pelo meio universitário. O Neinb foi fundado em 1996, um ano após o tricentenário de Zumbi dos Palmares.

Atualmente o grupo trabalha com uma proposta na área de Direito. "A presença de negros no Legislativo, ainda que pequena, propiciou um grande avanço nas leis sobre a discriminação racial. O mesmo precisa ocorrer no Judiciário", diz a professora. A proposta agora é incentivar alunos negros a cursar Direito e analisar a estrutura legislativa e judiciária brasileira no que tange à questão racial.

Para contato com a professora ou mais informações sobre o Neinb
 


Eunice Aparecida de Jesus Prudente


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Artigo 3º da Constituição Federal
 

 

"Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II – garantir o desenvolvimento nacional;
III– erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação."

 

por
Victor Gubiotti
 
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