Vicente Moura

 

 
por
Júlia Tavares

 

Sol a pino no Cepeusp. Poucos treinam na pista de atletismo, mas entre esses aventureiros está Vicente Moura, 77 anos, uniformizado, correndo com um pique de dar inveja a qualquer jovem. Ex-funcionário da Escola de Aplicação da USP, seu Moura, como é conhecido pelos amigos, está aposentado desde 1993, mas a palavra "descanso" parece não fazer parte da sua rotina. "Não suporto ficar parado", confessa.

A relação desse mineiro da cidade de Senador Firmino com o esporte, e especialmente com a corrida, começou em 1980, quando já trabalhava na USP. Então com 54 anos, entrou nas aulas de ginástica no Cepê para tentar se curar de constantes dores no corpo. "Comecei devagarinho, e três meses depois já não tinha dor nenhuma", comemora. Logo nesse início, foi desafiado por amigos a participar de corridas depois do almoço. "Comecei no último lugar, mas insisti, e quando vi já estava junto deles", lembra. Naquele mesmo ano, o novato se inscreveu na Volta da USP, de 12 km, e ganhou a primeira de muitas medalhas de ouro. "Aquilo para mim foi uma coisa muito boa, e todo ano eu ganhava medalhas nessa corrida", conta Moura, que em seguida foi chamado para treinar pelo Clube Espéria e não parou mais de correr. Hoje pertence à Associação Atlética Veteranos de São Paulo, do Clube São Paulo, e compete na modalidade corrida de fundo (corrida longa, acima de 5mil metros) e corrida com obstáculos.

A carreira de esportista, no entanto, somou-se ao trabalho na manutenção da Escola de Aplicação e ao ofício de alfaiate, dom que exerce desde a juventude em Minas Gerais. Tamanho pique e disposição foram traços constantes de sua personalidade. "Já com oito ou nove anos eu levantava às 5h da manhã para buscar cavalo e boi no pasto", conta Moura, que precisou largar os estudos na 4a. série para ajudar o pai com o trabalho na roça. Por isso, se orgulha ao falar dos nove filhos. "Oito fizeram faculdade e o último está terminando agora", conta Moura, que se mudou para São Paulo em 1959 quando "já tinha três filhos, praticamente em véspera do quarto". Até cair o movimento na oficina de alfaiate, Moura estava bem instalado, "tinha vários ajudantes e um bom estoque", onde fazia todo tipo de roupa. "Em cidade pequena o alfaiate tem que fazer de tudo. Apesar da pequena população, ninguém saía na cidade sem um paletó. Aos domingos, era paletó e gravata", recorda.


Passada a época de vacas gordas, Moura veio para a capital paulista à procura de trabalho, quando a cidade conseguia de fato empregar a massa de imigrantes que chegava de todos os cantos do País.

"Vim morar em Guaianases e trabalhei como alfaiate. Parei de pagar aluguel e depois de quatro anos comprei o terreno e comecei a construir a casa em que vivo hoje." Indagado sobre o medo de vir para a cidade grande, Moura não demonstra ter tido muitas preocupações além do receio em deixar a esposa Conceição Francisca trabalhar como doméstica. "Acompanhei a evolução de São Paulo, e de certa forma fomos crescendo juntos. Minha mulher trabalhou 14 anos fora e os meus filhos também ajudaram uns aos outros." Quando conseguiu uma vaga para trabalhar na USP, em 1963, Moura levava três horas para chegar na Cidade Universitária, porque vinha de trem até a estação da Luz e pegava mais dois ônibus até o campus.

Mesmo sem ter recebido dinheiro para competir, Moura encontrou no Clube São Paulo uma turma grande de atletas e uma boa estrutura para treinos, além da chance de participar de competições em outras cidades do Brasil e no exterior. Mas dentre todos os lugares que conheceu, os olhos brilham mesmo ao falar dos 15 dias no Japão, em 1993. "Sem dúvida, foi a melhor viagem que fiz até hoje. Conhecemos várias cidades sem gastar dinheiro, e por onde passávamos tinha anúncios da nossa chegada, a recepção foi fora de sério", lembra. A aventura não saiu de graça. "Paguei só 800 reais, quer dizer, valeu a pena." Nesse campeonato mundial, Moura garantiu boas colocações, entre elas, o sétimo lugar na corrida com obstáculos. Também, não foi à toa. "É a modalidade que mais gosto. Quando comecei, não era permitido apoiar a mão no obstáculo. Hoje, pessoas mais novas usam as mãos, mas eu não uso, porque uma vez bati o joelho ao fazer isso. Então pensei que podia fazer o esforço para evitar pôr a mão", conta.

Além do Japão, foi competindo que Moura conheceu os EUA, Chile e Bolívia. Na última viagem que fez, para a Inglaterra, em outubro do ano passado, conquistou o bronze, novamente na corrida com obstáculos.

Moura não pensa em ficar fora das pistas de atletismo. Acompanhado há anos pelo doutor Héldio, médico do Cepê especializado em medicina desportiva e grande amigo seu, o atleta reconhece a importância do esporte para uma vida saudável. Ele faz condicionamento físico no Cepê duas vezes por semana, em dois horários, e treina 10 km de corrida no São Paulo, dia sim, dia não. Mas, para se profissionalizar, ainda espera um patrocínio. "No Brasil é difícil para qualquer um. Se um clube estrangeiro me chamar, eu vou para fora e levo a esposa junto", afirma.

Seu Moura fala com alegria da família e dos 11 netos. Há dois anos, os filhos organizaram para ele e D. Conceição uma festa inesquecível de Bodas de Ouro. "Até hoje comentam, tinha gente toda a vida, mais de 300 convidados. Foi um bispo do bairro, amigo meu, que se ofereceu para fazer a cerimônia", conta o patriarca.

Aos que tiverem pique de acompanhar seu Moura, ele pode ser encontrado fora dos treinamentos na mesma casa em Guaianases. "Ainda atendo alguns fregueses que querem mandar fazer roupa, e quando não tem costura, vou para o quintal, pego uma foice, um machado, uma enxada e fico lá o dia inteiro", diz.

 

 

fotos: Francisco Emolo