Reinaldo Amâncio da Silva

 

 
por
Marcos Jorge


O
cotidiano no ambiente de trabalho muitas vezes limita a convivência entre as pessoas a um relacionamento meramente profissional, dificultando funcionários e docentes de conhecerem um pouco mais da história de vida de seus colegas de serviço e escondendo talentos que acabam sendo reconhecidos apenas do lado de fora dos portões da USP.

O leitor folião que cruza com Reinaldo Amâncio da Silva pelos corredores do Hospital Universitário, por exemplo, não imagina que este auxiliar de enfermagem seja o autor de um dos sambas-enredo mais cantados na avenida durante o Carnaval de 87. Naquele ano Reinaldo, ou melhor, Nadão - espécie de "nome artístico" que ele usa entre os colegas de bamba - compôs, em parceria com o amigo Ademir Silva, A volta ao mundo em 80 minutos, que ajudou a Vai-Vai a consagrar-se bicampeã do Grupo Especial daquele ano.

Mas não é de hoje que o samba cadencia a vida desse paulistano nascido e criado no bairro do Butantã. Seus primeiros contatos com o samba aconteceram num ambiente no mínimo curioso, na igreja, quando Reinaldo fora coroinha na Vila Madalena. Naquela época havia na Vila uma escola de samba chamada Coração de Bronze, que mantinha uma relação muito próxima com a paróquia. "Toda vez que a escola foto crédito:Cecília Bastos
passava em frente à igreja durante os ensaios, todos paravam de tocar e a bandeira era levada até o padre, que abençoava e doava um dinheiro para a Coração de Bronze", conta.

O dom de criar com as palavras, Nadão descobriu mais tarde, quase que por acaso, no período em que ajudou a fundar a escola de samba Pérola Negra, em 1982. A escola apresentou o tema e abriu inscrições para que qualquer pessoa pudesse compor o samba-enredo. Ele criou uma composição que falava da Semana de Arte Moderna e foi selecionado. Coinscidência ou não, naquele ano a recém-fundada Pérola Negra sagrou-se campeã do grupo 3 do carnaval paulista.

Atualmente, o compositor trabalha no Ubas (Unidade Básica de Atendimento à Saúde), serviço do Hospital Universitário dedicado exclusivamente ao atendimento dos servidores ativos e docentes do campus de São Paulo, mas o compositor chegou à USP mesmo em 1989, depois de ser aprovado em um concurso para auxiliar de enfermagem da Coseas (Coordenadoria de Assistência Social),de onde anos mais tarde, foto crédito:Cecília Bastos
seria transferido para o Hospital Universitário.

Apesar de trabalhar na Universidade há mais de 15 anos, seus primeiros contatos com o campus remontam à sua juventude e, como não podia deixar de ser, o samba também faz parte dessa história. Naquela época, ele integrava a Acadêmicos da Vila Madalena, mas os ensaios da escola não aconteciam no tradicional bairro paulistano. "Nos fins de semana a gente vinha para a USP, reunia uma turma e ficava na rua do Matão ensaiando com alguns instrumentos da bateria", relembra o funcionário.


Aos 52 anos de idade, o sambista já se casou e separou diversas vezes, "vida de compositor é fogo", afirma, e a paixão pelo samba que corre em suas veias certamente influenciou todos os seus quatro filhos, que têm um grupo musical e freqüentemente tocam composições suas. "Todos eles cantam e tocam melhor que o pai, só não compõem", orgulha-se.

Todos esses anos de música e carnaval renderam-lhe boas histórias, como a que aconteceu durante a apresentação da Vai-Vai. Nadão conta que a escola já desfilava na avenida quando um dos carros alegóricos que preparava-se para entrar começou a pegar fogo. "O desfile
foto crédito:Marcos Jorge

já tinha começado, os destaques já estavam a postos lá em cima, e o carro tinha que entrar. " Ao invés de desespero, a solução foi rápida: "Não tivemos dúvida, apagamos o incêndio com a mão mesmo", diverte-se Reinaldo, contando que ao final do desfile ninguém nem reparou que o carro estava queimado.

Mas de tantas histórias que conta, existe uma pela qual o auxiliar de enfermagem guarda um carinho especial, e ela está intimamente relacionada com uma de suas composições. Ele lembra que estava na Bela Vista acompanhado do amigo e também compositor Ademir quando receberam a notícia da morte de Tom Jobim. Fãs do músico carioca, os dois resolveram compor, ali mesmo, uma música em homenagem ao mestre da Bossa Nova, chamada Tributo a Tom Jobim.

 
foto crédito:Marcos Jorge

A canção ficou na gaveta até o dia em que o funcionário foi apresentado a uma estudante do Japão que veio para a ECA (Escola de Comunicações e Artes) fazer pós-graduação em música. Amante de bossa-nova, a garota era vocalista de uma banda na Terra do Sol Nascente chamada Prismatica, e quando voltou ao seu país de origem, decidiu gravar a homenagem que os dois fizeram a Tom Jobim. "O álbum vendeu pouco mais de 68 mil cópias no Japão apenas em 1999." Nadão recebeu uma cópia do álbum de presente e gostou bastante do que ouviu. "A música ficou muito bem gravada, a menina canta igual a Elis Regina", elogia. No disco, vendido somente no Japão, os dois compositores estavam muito bem acompanhados, por versões de cobras da MPB como Toquinho, Vinícius de Moraes e Baden Powell.


Além dessa música gravada no Japão, Nadão tem composições suas cantadas por grupos de renome no samba, como Redenção, Negritude Junior e Fundo de Quintal, mas o tamanho da Universidade e a distância que separa cada uma das unidades atrapalham o reconhecimento de seu talento por parte dos demais trabalhadores. "O pessoal aqui nem sabe que eu sou compositor. Às vezes alguém que me conhece vai à escola de samba, me vê lá em cima e depois vem me perguntar o que eu estava fazendo lá", lamenta