Luiz Tambucci

 

 
por
Júlia Tavares


Ao mestre, com carinho
foto:Cecília Bastos



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LUIZ TAMBUCCI É UM DOS MAIS GRADUADOS MESTRES OCIDENTAIS DO JUDÔ NO BRASIL. AOS 82 ANOS, ELE CONTINUA COM VÁRIAS ATIVIDADES LIGADAS AO ESPORTE, ENTRE ELAS, DAR AULAS COMO PROFESSOR CONVIDADO PELO CEPEUSP



Uma longa e gostosa conversa com o professor Luiz Tambucci estava para começar. Nossa equipe de reportagem foi até seu apartamento, no Tatuapé, tradicional bairro de São Paulo. Chegamos no horário combinado -- era uma ensolarada tarde de quarta-feira – e, assim que o professor nos atendeu, fomos imediatamente cativados: ele nos esperava vestido de quimono, com a valiosa faixa vermelha na cintura: “Vocês jornalistas sempre querem tirar fotos, então já estou preparado!”. Caímos na risada.
foto:Cecília Bastos

A espontaneidade e a humildade deste senhor de 82 anos, nascido em São Paulo e descendente de italianos, são algumas de suas marcas registradas. Tambucci começou a treinar judô aos 9 anos, numa época em que o esporte ainda tinha características da luta que lhe deu origem, o jiu-jitsu. Antes de vir a ser um dos ocidentais mais graduados no Brasil, o menino chegou a competir em cima do ringue, quando o judô era um esporte exclusivamente masculino, sem classificações por peso e subordinado à Federação Brasileira de Pugilismo.

foto:Cecília Bastos

Desde então, não parou mais e abraçou de corpo e alma a filosofia do esporte fundado no Japão por Jigoro Kano em 1882, que prega três principais qualidades: condição física, espírito de luta e atitude moral autêntica. O nono grau (nove níveis depois da faixa preta) foi alcançado em 1996. “Quando estou em casa, fico com a televisão, os vídeos e computador, estudando e lendo, porque, para dar aula, tem que se atualizar.”

foto:CepeUSP
Seu vínculo com o Cepê começou em 1982, após convite formal para dar orientação no curso de aperfeiçoamento. E entre compromissos na Federação Paulista de Judô, além de palestras e cursos, ele faz questão de reservar na agenda os dias para vir à Universidade. “A USP é uma maravilha! Gosto muito. Lá você lida com alunos e se torna um ídolo. Eles me respeitam e fazem questão de mostrar que estão
aprendendo”, diz o professor, que em 2003 foi homenageado pelo Cepeusp com o mérito de professor convidado.

Além do conhecido gestual italiano, Tambucci parece ter herdado do pai muita desenvoltura para esportes de luta. Ele conta que o patriarca Alfredo Tambucci , que imigrou para o Brasil em 1901 para trabalhar como colono nas plantações de café em Itatiba (interior de São Paulo), já lutava boxe. Quando a família passou a morar em São Paulo, foi ele quem matriculou o filho na academia dos irmãos Ono, conhecidos como grandes divulgadores do esporte no Brasil.

“Com 7 e 8 anos meu pai decidiu me colocar na academia para eu aprender a me defender. Mas ele não queria que eu participasse de competições”, conta o professor, dando pistas de que logo entraria em encrenca. “A primeira vez que o professor Ono me convidou para uma competição (no interior do Estado), falei para o meu pai que era uma demonstração, e ele deixou. Eu era um dos
foto:Cecília Bastos
únicos brasileiros, a pontuação era só ippon (o adversário atira o oponente de costas no chão perfeitamente, recebendo vitória por ponto) e wasari ( a queda não é correta, por isso vale meio ponto ), e na minha terceira luta o garoto pegou com o cotovelo bem no meu olho...”

Felizmente, a resistência do pai aos poucos se transformou em estímulo, e Tambucci conseguiu aliar os estudos com a aprendizagem de um ofício num casarão que fazia reforma de estofados. Mais tarde, e ainda jovem, foi trabalhar numa oficina de cadeira giratória, onde descobriu mais um talento: a mecânica.

foto:CepeUSP
Na década de 40, começou a dar aulas para pequenos grupos, num espaço onde também funcionava a fábrica de ferros de passar da qual era dono, na Rua Rodolfo Miranda, centro da cidade. “Mas logo ficou pequeno lá... e decidimos montar uma academia mais adequada, na Rua Senador Feijó, quase esquina do largo São
Francisco. E olha que juntou gente: era novidade um brasileiro dar aulas de judô!”, lembra. Para atender mais alunos, em meados da década de 50 Tambucci abriu nova academia na rua Boa Vista, no largo São Bento, numa época em que o centro da cidade era o local mais disputado para sediar estabelecimentos comerciais.

Sua academia, sempre lotada, se destacou também por treinar mulheres. “Já fui até penalizado pela própria federação. Só com o tempo eles começaram a aceitar.” Tambucci acompanhou desde o reconhecimento do judô como esporte regulamentado no Brasil à sua estréia nas olimpíadas em 1964, que já nos rendeu o total de 12 medalhas e projetou nomes como Aurélio Miguel e Carlos Honorato.

foto:CepeUSP

Até a Segunda Guerra Mundial, Tambucci aliou os trabalhos na academia com a gerência da fábrica, que fechou depois que o Brasil rompeu com a Itália, a Alemanha e o Japão. “O governo brasileiro confiscou os bens dos italianos. Como a firma estava no nome do meu pai, de repente parou tudo”, conta. Desde então, dedicou-se exclusivamente ao judô, cuja filosofia serviu de base para a educação de Pascoal Luiz e Alfredo Rômulo, filhos do longo casamento com Maria Rosa, que faleceu há dois anos.

Todas as histórias contadas (e interpretadas!) revelam brilhante memória. “Hoje o aluno é muito informado. Eles participam de cursos na federação e chegam querendo saber dos golpes. Você tem que estar se atualizando, sempre lendo”, diz. Ele também observa com tristeza a proliferação de escolas e academias que não pagam professores graduados, o que pode ser especialmente perigoso para a saúde de meninas e meninos pequenos. “Um faixa
foto:Cecília Bastos
verde não tem experiência de primeiros socorros, nem para dar o judô recreativo, então a criança acaba enjoando”, alerta, lembrando que não recomenda a prática antes dos 8 ou 9 anos.

A entrevista chegava ao fim. E, apesar da vontade de continuar escutando suas histórias, só teríamos tempo para uma sessão de fotos na varanda do apartamento. Na despedida, o professor nos convidou para uma nova visita assim que as aulas na USP recomeçarem, deixando na repórter uma momentânea vontade de virar aluna e aderir ao quimono. E, de, quem sabe, aprender a dar algumas cambalhotas.

 

 

   


 
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