desaparecidos

 

 
por
Marcos Jorge


Convivendo com a ausência



comportamento
Pessoas desaparecidas

 

MAIOR QUE OS NÚMEROS, É O DRAMA DAS FAMÍLIAS DE DESAPARECIDOS; SAIBA O QUE ESTÁ SENDO FEITO PARA AJUDÁ-LAS


No dia 13 de setembro de 2001, Marla saiu da chácara em que morava na cidade de Cotia de manhã para deixar o carro na casa de sua mãe e seguir de ônibus para o trabalho. Não era nenhuma grande mudança na sua rotina, já que freqüentemente trocava o automóvel pelo ônibus na hora de ir para a escola lecionar suas aulas de educação física. A diferença dessa para as outras manhãs é que nesse dia a irmã do funcionário da Poli Zacharias Gabilha Neto nunca mais foi vista pelos amigos, irmãos ou pelos dois filhos.

“A gente segue a informação de alguém, mobiliza um monte de gente para procurar em várzeas, barrancos, e nada. Isso tudo vai minando a família aos poucos”


A história da família de Zacharias é mais uma entre as 17.559 registradas no Estado de São Paulo pela Delegacia de Pessoas Desaparecidas, divisão ligada ao Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). Mas se a frieza dos números talvez não possa expressar a seriedade desse problema, o sofrimento vivido pelas pessoas que convivem com a sombra de um ente desaparecido com certeza pode. Família e amigos se mobilizam na procura, refazem seus passos, conversam com pessoas, mas à medida que o tempo passa, a chama que alimenta a esperança vai se apagando, e fica a resignação confundida com um sentimento de impotência. Na montagem desse drama, até a lei colabora com um pouco de crueldade, impedindo a família durante dez anos de vender o carro, fechar as contas do banco ou qualquer outro trâmite burocrático que envolva a pessoa desaparecida. Uma estranha sensação de estar presente no papel, mas ausente na vida.

“Depois de algum tempo as pistas somem. As pessoas tentam ajudar mas acabam dando contribuições negativas mesmo que não
intencionais”, conta Zacharias. Sua família procurou pela irmã em diversas instituições, hospitais, delegacias, IML, veículos de divulgação, entre outros. “A gente segue a informação de alguém, mobiliza um monte de gente para procurar em várzeas, barrancos, e nada. Isso tudo vai minando a gente aos poucos.”

Apesar de pouco aparelhada e com uma infra-estrutura deficitária nesse sentido, a polícia civil realiza um bom trabalho, solucionando, segundo o DHPP, cerca da metade dos casos. Ainda assim, esse departamento carece de estatísticas oficiais, e as que existem não são detalhadas o suficiente para se construir um panorama dos casos de desaparecimento no Estado.
foto:Cecília Bastos
 
Atendimento no DHPP

De qualquer modo, a própria sociedade se articula para amenizar esse drama, através de entidades, ONGs ou projetos como o Caminho de Volta, criado há pouco mais de cinco meses, no Centro de Ciências Forenses (CenCiFor), na Faculdade de Medicina da USP (FM). Restrito somente a crianças e adolescentes, o projeto aplica a tecnologia de análise de DNA na ajuda à busca por desaparecidos.

foto:Cecília Bastos

Gilka Gattas
Um convênio com a Polícia Civil permite que uma equipe fique de plantão na Delegacia de Pessoas Desaparecidas e apresente o projeto às famílias dessas crianças. “A Universidade traz um caráter científico, investigativo, totalmente diferente do papel
da Polícia, que é de buscar e tomar uma atitude para solucionar o caso”, afirma Gilka Gattas, coordenadora do Caminho de Volta.Se aceitarem participar do projeto, o material biológico da família é coletado na própria delegacia e enviado para a FM, onde o DNA é seqüenciado e colocado no Banco de DNA, para que seja cruzado com a informação genética da criança e identificado como o desaparecido ou não.

A equipe de psicólogos que fica no DHPP oferece auxílio psicológico a essas famílias e aplica um questionário desenvolvido pelo projeto. “Perguntamos sobre a criança, a estrutura familiar, o histórico da família, se ela está envolvida com drogas, etc.”, afirma a psicóloga Cláudia Garcia, chefe da equipe.

foto:Cecília Bastos
 
“A gente tenta ampliar um pouco alguns aspectos que o investigador e o policial não estão treinados para desenvolver.”

Cláudia
Cláudia Garcia

“A gente tenta ampliar um pouco alguns aspectos que o investigador e o policial não estão treinados para desenvolver.” Esse estreito contato com o drama dessas pessoas abre os olhos da equipe de psicólogos para situações que inicialmente parecem inimagináveis. “A gente encontra desde famílias muito chateadas, que sofrem bastante com o desaparecimento até aquelas que nos fazem pensar se essa mãe quer mesmo que essa criança volte, se ela não fugiu para se sentir querida”, revela Cláudia.

foto:Cecília Bastos

Coleta de material biológico

Apesar dos esforços da sociedade civil, o drama do desaparecimento é difícil de ser prevenido e ainda mais complicado de ser explicado. No início são muitas perguntas, o que aconteceu? Por que fugiu? Quando vai voltar? Mas depois de algum tempo tudo o que você quer ouvir é uma resposta, coisa que a lei não dá, pois ela só considera a pessoa “desaparecida” após uma década. Um longo período, certamente, mas que evita transtornos com registros civis, por exemplo, já que não foram poucos os casos de desaparecidos que voltam sete ou oito anos depois. “O que a minha família queria mesmo é um desfecho para essa história. Qualquer coisa que colocasse uma pedra em cima disso tudo. Principalmente para os filhos, porque por mais que eles estejam bem, não dá para dizer que isso são águas passadas, lamenta Zacharias. “Tendo algo definido, você se conforma, engole, digere e é uma página virada.”
   


 
O Espaço Aberto é uma publicação mensal da Universidade de São Paulo produzida pela CCS - Coordenadoria de Comunicação Social.
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