A Igreja e seus mais de 1 bilhão de fiéis em todo o mundo estão de luto. Em conseqüência de uma série de complicações de saúde, morreu no último dia 2, no Vaticano, o papa João Paulo II aos 84 anos. Num momento em que o último Censo do IBGE constata a queda do número de católicos no País e o crescimento dos evangélicos e dos “sem-religião”, o pontífice deixa um legado comum a todas as religiões de paz e harmonia entre os homens.
Nos 129 países que o polonês visitou – incluindo três passagens em terras brasileiras – a mensagem de diálogo e tolerância religiosa sempre foi uma constante. No caso do Brasil, este sermão já é conhecido, e constitui uma das principais características da religiosidade do nosso povo. É o que afirma o professor Lísias Negrão, professor de Sociologia da Religião da FFLCH. “No Brasil existem muitas religiões e diferentes formas de entendê-las, mas há um consenso de que todas as crenças são válidas, salvo no caso de alguns grupos protestantes que são muito zelosos da sua fé, mas é um caso praticamente único dentro da religiosidade brasileira”, afirma o professor. Tamanha tolerância chega ao ponto de muitas vezes o povo criar sua própria religião a partir de outras crenças, fundindo elementos de diferentes práticas religiosas. Um claro exemplo dessa fusão pode ser visto na umbanda. “Pelos terreiros é possível encontrar desde tradicionais imagens de santos católicos até imagens cultuadas em religiões orientais, como Budas e representações de discos voadores e pirâmides”, conta Wellington Zangari, que realiza um pós-doutorado sobre mediunidade de umbanda e é membro do Laboratório de Estudos em Psicologia Social da Religião do Instituto de Psicologia da USP. “A umbanda parece representar o aspecto antropofágico da cultura brasileira porque todos esses elementos de diferentes religiões convivem em harmonia, têm seu espaço e trabalham em prol do bem social e individual”, conclui. Milton Pereira da Silva, técnico de laboratório da Anatomia do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB), por exemplo, não tem problemas com outras religiões e respeita a religiosidade de cada um. Católico praticante há cerca de dois anos, Milton coordena um Grupo de Oração de Universitário formado só por funcionários do ICB, mas aberto à comunidade em geral. O grupo já tem dois anos e se reúne todas as sextas-feiras na capela do Hospital Universitário para leitura de trechos da Bíblia e orações. “A religião influenciou na minha vida no sentido de me ajudar a ficar mais calmo e me controlar melhor”, explica o funcionário, que era “esquentado” a ponto de já ter brigado com um colega de trabalho alguns anos atrás. Sobre os números do IBGE que indicam a mudança no perfil religioso do brasileiro, o professor Lísias Negrão se opõe à idéia de que alguns dogmas da Igreja estejam distantes da realidade da nossa atual sociedade e promovam uma debandada de fiéis. “Quando o papa fala, uma minoria de católicos se deixa influenciar. A maior parte deles continua evitando ter filhos por métodos anticoncepcionais, e alguns até são favoráveis ao aborto”, defende. O professor realizou uma pesquisa que constatou que um terço dessas pessoas que deixam o catolicismo retornam à religião mas não são mais os mesmos católicos de antes. “Eles não são mais praticantes. Eles agora são católicos que vão a cultos protestantes ou que visitam o terreiro para fazer um despacho, por exemplo”, explica.
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