DA FORMAÇÃO DA CIDADE À INVENÇÃO DE UM SANDUÍCHE, A FACULDADE DE DIREITO GUARDA HISTÓRIAS GLORIOSAS E CURIOSAS


Os leitores com certeza já ouviram, uma vez ou outra na vida, aquele velho ditado afirmando que, mesmo sem ter orelhas, “as paredes podem ouvir”. Se a crença popular é legítima ou não, é difícil dizer; o fato é que, pelo menos na Faculdade de Direito (FD) da USP, as paredes, mesmo sem ter boca, podem contar diversas histórias. Para nos guiar nesse percurso de quase 200 anos que se confundem com a formação da própria cidade de São Paulo, a equipe da revista Espaço Aberto contou com a ajuda do chefe do setor de arquivo e museu da FD, Waldir Merisci, e do ex-aluno e profundo conhecedor do passado das Arcadas, dr. Armando Machado.

crédito:Oswaldo Santos
" ex-aluno e profundo conhecedor do passado das Arcadas, dr. Armando Machado.
"

Incrustada no centro da capital paulista, concreto, automóveis e ruas tão comuns nos dias de hoje em nada lembram a tranqüilidade da São Paulo de 1827, ano da assinatura do decreto de D. Pedro I que fundou os cursos Jurídicos em São Paulo e Olinda. Ir à faculdade de automóvel, ônibus ou metrô sequer passava pela cabeça do mais visionário dos professores no século 19, que chegavam ao Largo São Francisco calçando botas e montados a cavalo por causa da grande quantidade de lama que se acumulava na área.


crédito:Oswaldo Santos

Túmulo do professor Frank

Em 1831, só havia em São Paulo cemitérios católicos e Julio Frank, um protestante, literalmente não tinha onde cair morto. Os alunos se mobilizaram e conseguiram permissão para sepultarem-no na faculdade, onde o professor descansa até hoje.

Do lado de dentro do prédio, entretanto, a história é retomada por quadros, vitrais e monumentos. Um deles é o túmulo de um professor que foi enterrado ali mesmo, em pleno pátio da faculdade. De origem misteriosa mas extremamente querido pelos alunos, o alemão Júlio Frank lecionou no curso preparatório para a faculdade durante seus primeiros anos e foi fundador da “Bucha”, uma sociedade secreta em que alunos tinham suas despesas de estudo financiadas por membros da elite paulistana.Secreta porque nem beneficiário, nem aluno, sabiam para onde ia e de onde provinha aquele dinheiro. Na época de sua morte, em 1831, só havia em São Paulo cemitérios católicos e Frank, um protestante, literalmente não tinha onde cair morto. Os alunos se mobilizaram e conseguiram permissão para sepultarem-no na faculdade, onde descansa até hoje.

Outros “monumentos” são criados inconscientemente, quase como brincadeira, mas adquirem valor histórico simplesmente pelos nomes que dela participaram. É o caso das mesas expostas no museu da faculdade onde estão talhados os nomes de centenas de estudantes. Ali, pode-se facilmente encontrar o nome de ex-alunos ilustres como Alcântara Machado e Campos Salles, mas com um olhar mais atento é provável que o visitante encontre alguns dos 12 presidentes da República que já passaram pelas Arcadas.

crédito:Faculdade de Direito

Ir à faculdade de automóvel, ônibus ou metrô sequer passava pela cabeça do mais visionário dos professores no século 19, que chegavam ao Largo São Francisco calçando botas e montados a cavalo por causa da grande quantidade de lama que se acumulava na área.


Próximo ao Pátio do Colégio, onde foi fundada a cidade de São Paulo, e a alguns metros do Teatro Municipal, onde em 1922 se realizou a Semana de Arte Moderna, a Faculdade de Direito integra um roteiro do centro da cidade em que os fatos históricos estão por todos os lados e não raramente se misturam. Foi o que aconteceu no início de 1880, quando um incêndio criminoso causou grande prejuízo ao destruir quase completamente o arquivo da faculdade. A tragédia, entretanto, determinou a criação naquela pequena São Paulo provinciana do primeiro Corpo de Bombeiros da cidade.

crédito:Faculdade de Direito
 
Luta dos estudantes de direito contra a ditadura  

A história da Faculdade de Direito também é marcada por algumas batalhas, não tão nobres quanto as que acontecem nos tribunais, mas conflitos reais, que aconteceram no front. Foi lá,em 1932, o principal foco de resistência e organização da Revolução Constitucionalista contra a intervenção do presidente Getúlio Vargas em São Paulo, onde sete alunos morreram em combate. Os estudantes estiveram presentes também na campanha dos pracinhas brasileiros na Itália, durante a Segunda Guerra Mundial, com 25 convocados para a FEB (Força Expedicionária Brasileira) e para a FAB (Força Aérea Brasileira).
credito:Jorge Maruta
 
   
A influência das Arcadas, como já se viu, ultrapassou em muito o limite dos tribunais e, acredite se quiser, se estendeu até a gastronomia. Essa história remonta ao ano de 1936 e tem como personagem principal o então estudante Casemiro Pinto Neto, que viria a se tornar famoso como Repórter Esso. Natural da cidade de Bauru, um belo dia Casemiro chegou à lanchonete próxima à faculdade com fome e pediu ao sanduicheiro um pão com queijo derretido, “mais rosbife e tomate para não faltar proteína e vitamina”, disse. Um colega provou o lanche e pediu o seu: “Me vê um desse do Bauru”. Pronto, em plena Faculdade de Direito, estava criado um dos mais famosos sanduíches do Brasil.