Para recuperar a beleza de uma obra de arte, há também outro minucioso trabalho artístico: o do restaurador. No Instituto de Estudos Brasileiros da USP , valiosos manuscritos, partituras, fotos, desenhos, gravuras e aquarelas realizadas pelas primeiras gerações da arte moderna brasileira, como Mário de Andrade, Anita Malfatti, Brecheret, Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Portinari, Cícero Dias, Volpi e Goeldi, ganham vida nova nas mãos da equipe de Lúcia Tomé, coordenadora do Serviço de Conservação e Restauro da unidade.

foto:Cecília bastos
Lúcia, que tem 53 anos, é movida pelo ideal de colaborar com o acesso do público ao rico acervo do IEB

Lúcia, que tem 53 anos, é movida pelo ideal de colaborar com o acesso do público ao rico acervo do IEB, onde está desde 2001. Ao longo da experiência anterior de 19 anos no Museu de Arte Contemporânea, descobriu que “para tudo há um jeito”. “Se um curador disser que quer montar uma exposição da Tarsila do Amaral sobre o rio Pinheiros, eu topo, desde que todo mundo possa ver. Então vou criar condições e dar segurança através de materiais para que essa obra não seja prejudicada, mas que vamos mostrar, vamos, com certeza absoluta”, garante.

Responsável pelo restauro e conservação de suportes em papel, a funcionária conta que diversas técnicas são empregadas, já que muitas obras doadas ao IEB se encontram originalmente sujas, amareladas e danificadas pelo uso de materiais inadequados como clipes, grampos, fita-crepe e durex.
foto:Cecília bastos
 
Para barrar o craqueamento (processo de quebra da pintura), na caricatura em guache de Mário de Andrade, feita pelo artista Nássara, Lúcia explica que “é preciso colocar um adesivo acrílico com a seringa para grudar os pedaços no papel”. Para secar o adesivo, ela usa uma espátula elétrica. “Já a acidez do papel não pode ser barrada com um banho químico porque a tinta é solúvel em água, por isso uso o veito, uma substância muito volátil que seca na hora”, ensina.  


foto:Cecília bastos

Nascida em Guararapes, interior de São Paulo, Lúcia morou com a família no Mato Grosso e depois em Dracena, também em São Paulo. Quando os pais quiseram voltar para
o Mato Grosso, Lúcia, aos 20 anos, decidiu morar sozinha em São Paulo. “Eu tinha aquele sonho do Sul, de estudar e arrumar um trabalho. Vim com todas as esperanças e me dei muito bem, foi ótimo”, recorda ela, que escolheu se estabelecer no bairro de Pinheiros, “para ficar perto do agito da época”.

Algum tempo depois, começou o curso de biblioteconomia do Liceu de Ciências Políticas. “Logo descobri que gostava de cuidar do material. Então fiz o curso de Encadernação no Liceu de Artes e Oficíos, onde conheci a professora Tereza Brandão e fiquei encantada. Com ela comecei a aprender um pouco de restauro e me interessei por papel”, lembra, afirmando que o grande desafio de sua carreira foi trabalhar no MAC. Lá, ela fez uma especialização em museologia e diversos cursos na área.

foto:Cecília bastos
“A arte contemporânea me deu uma segurança muito grande, porque ela agrega muitos materiais, então é bem mais complicado de trabalhar. Às vezes tem obra com fio de cabelo, pedaço de osso, bombrill... na obra conceitual, por exemplo, os artistas colocavam um monte de durex, que eu não podia tirar”, diverte-se.
A funcionária também faz questão de dividir seu conhecimento acumulado. “Sempre dei muita aula de conservação para bibliotecários do Sibi, e para alunos do curso de Arquivística do IEB (que em breve deve virar uma pós-graduação). No MAC, dei cursos de especialização de conservação”, acrescenta a agitada funcionária, que também não resiste a dar dicas para os que a procuram, de dentro e fora da USP.

Casada há 20 anos e mãe de dois filhos, um de 17 e outra de 11, Lúcia faz um esforço diário para dividir-se entre a família e o trabalho. “Às vezes acho que vou me livrar de tantas tarefas, mas quando vejo, já me comprometi a ajudar muita gente. Sei que com uma coisa simples é possível resolver, como o de umidade na biblioteca da FFLCH, controlada através do foto:Cecília bastos
uso de umidificadores”, revela ela, que, em contrapartida, sempre encontra amigos dispostos a ajudá-la quando precisa.

Uma das tarefas em que Lúcia esteve envolvida no mês passado, por exemplo, foi levar três aquarelas do pintor modernista Cícero Dias para a Casa da América Latina de Paris. O artista foi escolhido para inaugurar a mostra de artes plásticas do Ano do Brasil na França, que acontece na capital francesa em 2005.