DA MEDALHISTA OLÍMPICA À ATLETA DE FIM-DE-SEMANA, A PRIMEIRA VITÓRIA DA MULHER NO FUTEBOL É CONTRA O PRECONCEITO


Nada de boneca, ursinhos de pelúcia ou casinha. Aos oito anos de idade, o que Juliana mais gostava de fazer era jogar bola. Pai, tios, avós, a família inteira apoiava, exceto a mãe, que não gostava nada da idéia de ver a filha jogando futebol por aí. Afinal, aquilo era brincadeira de meninos, e ela poderia se machucar. Para driblar a marcação materna, a menina dependia do entrosamento com o irmão mais velho. “Ela não vai jogar, vai só apitar”, dizia o garoto, tentando enganar a mãe. Para o bem dela e de todos os torcedores brasileiros, Juliana Cabral continuou jogando, a ponto de anos mais tarde tornar-se capitã da Seleção Brasileira de Futebol que conquistaria a medalha de prata nos Jogos Olímpicos do ano passado, na Grécia.

foto:Cecília Bastos
 
aula de futebol no CEPEUSP  

Juliana esteve na USP no dia 7 de março para a terceira edição do evento Futebol Feminino em Debate, no auditório do Cepeusp, falando sobre o contexto dessa modalidade no País e as suas perspectivas para o futuro após a campanha em Atenas. A data escolhida (véspera do Dia Internacional da Mulher) não foi mera coincidência. Num período em que elas ainda lutam para ter seus direitos respeitados e para conquistar a mesma igualdade de oportunidades dos homens, o mundo do futebol se apresenta como um reduto de preconceitos em que o machismo ganha de goleada do bom senso. Pelo menos no Brasil, o futebol é um assunto, literalmente, de homem para homem.

foto:Cecília Bastos
Maria Cristina
“A tendência é diminuir cada vez mais esse estigma para dessexualizar o esporte”

Para a funcionária do Instituto de Física (IF) Maria Cristina Soares de Rosa, essa situação está mudando aos poucos. “A tendência é diminuir cada vez mais esse estigma para dessexualizar o esporte”, diz. Maria Cristina, que também é aluna e goleira da equipe da Biologia da USP, exemplifica: “Eu hoje vejo muitas filhas de amigos meus ganhando de presente uma bola de futebol dos pais”. Apesar de ser cada vez mais praticado entre as meninas, o preconceito ainda é freqüente quando as garotas ousam vestir as chuteiras. A própria mídia, que deveria se policiar para não reafirmar estereótipos, banaliza a imagem da mulher. “Os veículos de comunicação constantemente enfocam o lado estético da atleta, preferindo eleger as ‘musas’ do esporte a valorizar a qualidade do seu trabalho”, afirmou o jornalista Paulo Calçade, em sua apresentação no debate. Para o apresentador da TV Record, “o universo do futebol é um mundo machista e reacionário”.

De fato, a primeira vitória que uma garota conquista no meio futebolístico é contra o preconceito. E essa partida acontece bem longe dos gramados, na maioria das vezes, a bola do machismo rola dentro de casa. “Meu tio costumava falar para mim que futebol era coisa para homem, que mulher devia praticar balé”, conta Suzana Cavalheiro, professora de futebol do Cepeusp e ex-atleta da Seleção Brasileira nas décadas de 80 e 90.

A história de Suzana é uma constante em qualquer time feminino de futebol e aconteceu também com a nossa funcionária-goleira do IF. Na infância, como vivia num bairro onde só moravam meninos, Maria Cristina acabava sempre jogando bola com a criançada. Até aí, tudo bem, o problema foi quando ela passou a voltar para casa com hematomas nas pernas. “Minha mãe resolveu me proibir e eu falei para ela que dali em diante só ia jogar no gol”, conta Maria Cristina. “A minha mãe levou isso numa boa, até que um dia ela perguntou o que eu queria de presente de natal e eu pedi um conjunto completo do goleiro do São Paulo”, lembra.

Apesar de ainda estar carregado de preconceitos, o futebol é um esporte como outro qualquer mas, no caso de Ivete Silva, diretora comercial da Edusp, jogar futebol foi retomar um desejo e reavivar lembranças que há muito tempo foram deixadas para trás. Filha do coordenador de um time de bairro, Ivete treinou por pouco tempo quando tinha 15 anos, também entre homens, claro. Depois veio a idade adulta e foi só no ano 2000 que ela pensou em voltar aos campos, depois de receber o diagnóstico de um câncer.

foto:Cecília Bastos

Ivete Silva
“Em dezembro de 2000 eu tive um câncer de mama e isso me fez olhar para trás e rever tudo aquilo que eu gostava na vida e deixei de fazer. E o futebol foi uma dessas coisas.” Nessa época, Ivete, aos 37 anos, passou a freqüentar os treinos do Cepeusp. Quando perguntada sobre o que os colegas de trabalho pensam, a funcionária é sincera: “Na Edusp eles acham engraçado... mas no fundo acho mesmo é que eles não acreditam muito que eu jogue futebol”. Quem sabe agora, com matéria e fotos de Ivete no campo, os colegas da Edusp acreditem nela.